Claude Monet, The Gare Saint-Lazare (or Interior View of the Gare Saint-Lazare, the Auteuil Line), 1877, oil on canvas, 75 x 104 cm (Musée d'Orsay)

Numa estação perdida na França…

Numa estação perdida na França havia uma menina comendo um sanduíche; uma criança
jogando com os brinquedos da estação, um menino dormido no sofá e um monte de gente
indo e vindo de todos os cantos do país.

Numa estação perdida na França tinham pessoas de pé, pessoas sentadas, pessoas com pressa e
outras com nem tanta pressa. Havia gente com sono, gente cansada; gente que tentava
esconder o seu cansaço tomando café. Também havia gente desperta e festeira.

Português

Numa estação perdida na França, fui tomar um café e me quebrei para pedir tudo em francês
e de repente, quando já estava quietinha no meu canto, escuto a menina que me atendeu
falar em português. E não aquele português enrevesado que a gente as vezes não entende. Eu
ouvi o sotaque do meu país, na boca não só de uma, mas de todas que trabalhavam ali.

Numa estação perdida na França, todo mundo era gentil. Todo mundo falava por favor,
obrigado e desculpa. Todo mundo tinha boa cara.

Seria a cara das férias… de quem vai e de quem já voltou.

Caras morenas de quem esteve na praia, caras branquinhas de quem foi para a
montanha… caras despreocupadas de quem parte hoje…mas sempre caras muito relaxadas,
dessas que esconde a pressa da vida.

Piano

Numa estação perdida na França tinha um piano. Um piano que estava ali para quem quisera
tocar: e tocavam. Tocavam o tempo todo. O piano mais disputado que eu já vi. Com músicas
lentas, tristes, alegres, animadas, capazes de transformar tudo a nossa volta em pura poesia.

Numa estação perdida na França tinha um mochileiro hippie que levava seu lap-top de
trabalho, com marca da empresa e tudo; estudantes que chegavam com os tuppers feito pela
mãe. Havia gente com malas pequenas, medias, grandes… e até gigantes; gente que parecia
que levava a casa encima.

Numa estação perdida na França o piano não parava de tocar. Como se todo mundo nesse país
soubera tocar muito bem o piano. Como se fosse algo tão natural que já ninguém dava valor.
Em 3 horas, havia pessoas que chegavam e que partiam… e sempre, sempre, sempre, havia
alguém disposto a sentar e tocar o piano para a plateia mais ausente do mundo. Mas tudo
bem!!!

Poesia em cada gesto

Numa estação de trem perdida na França, para ser mis precisa, na estação de Toulouse, ali
estava eu. Sentada ao lado desse piano, escutando cada música que cada passageiro se
propunha a tocar… E buscando nessa música de fundo, nessa trilha sonora da Estação, poesia
em cada gesto, em cada palavra, em cada momento que eu estou passando.

Minhas férias começam hoje. Será que as pessoas olham para mim e veem que eu também tenho cara de férias?!

Foto Reuters

Por que eu acredito neste país

Acho que muitas pessoas do Brasil estão por fora do que está acontecendo na Espanha. Vou tentar explicar de uma forma resumida os acontecimentos das últimas semanas e porque agora, neste exato momento, estou orgulhosa de ter escolhido este país para viver.

Na última semana, o governo que estava no poder foi condenado pela justiça por um caso de corrupção que incluía quase todos os participantes do governo. A oposição apresentou uma “moção de censura” apoiada pela maioria no parlamento, fazendo que o então presidente Mariano Rajoy fosse deposto. Isso levou a um acordo entre partidos que colocou a Pedro Sanchez como novo presidente.

Basicamente, sexta feira dormi com Mariano presidente e sábado acordei com Pedro. No mesmo sábado, o rei chamou a Pedro, como ato protocolar, para convidá-lo a formar governo. Até ai, todos os movimentos não passaram de politicagem. Válidos e reconhecidos, mas de certa forma, dentro de um marco político esperado.

O que mudou? O governo formado pelo novo presidente.

Quem se lembra quando escrevi um texto sobre a greve do dia 8 de março aqui na Espanha.‘Não gosto do nome feminismo, mas faço greve hoje’. Uma greve, que com o movimento feminista como bandeira, levava a todas as mulheres do país a uma greve geral.

Escutei críticas de todos os lados sobre essa greve. E mesmo eu, reconhecendo que não sou fã do termo feminista, parei e fiz greve. Porque como disse anteriormente, também sou vitima de uma educação machista, que me faz crer que o feminismo é o antônimo de machismo.

E nesse momento escrevi o que eu sentia… mas mesmo assim não significa que não lute pela igualdade de sexos, e que não esteja de acordo com a essência desse movimento. Digamos que hoje já estou até mudando de opinião.

Bom, voltando ao que interessa. Estamos diante de uma nova Espanha, que diante do visto e ocorrido no dia 8 de março, começamos sim uma mudança de paradigma. São 17 ministros que encabeçam o governo de Pedro Sanchez: desse total, 11 são mulheres – 5 são homens, 2 deles homossexuais abertos; Fernando Grande Marlaska e Maxim Huerta, ministro do Interior e da Cultura e Esporte, respectivamente.

Trajetória profissional

Todos eles foram escolhidos devido a sua trajetória profissional, alguns longe da política e outros, mais pertos, mas também muito competentes. Temos um ministro da ciência que é astronauta e engenheiro aeronáutico. Nada melhor que uma pessoa que vem do setor para impulsar de novo a investigação, quesito pelo qual Espanha sempre apostou.

Temos uma ministra da saúde médica que aposta em cheio pela saúde pública universal, que para quem não sabe, Espanha é o país exemplo na Europa em saúde pública.

Uma ministra da economia europeísta e uma das pessoas mais influentes do país na instituição. Economista e advogada, sabe exatamente do que carece o país e tem um grande desafio pela frente.

Um ministro da cultura escritor, uma ministra da educação com três décadas de experiência em políticas educativas. Sim, com um governo que se mostra difícil não crer que esse país tem saída. Quem não acredita no Estado do bem estar deveria vir aqui e ver como são as coisas.

Um Estado do bem estar bem gestionado é possível sim em qualquer país que tem boa vontade e bons governantes. Nem os grandes políticos da oposição se atreveram a criticar os ministros de Sanchez, porque sabem que foram bem eleitos.

Mudança de paradigma

Obviamente estaremos esperando os próximos capítulos da história, porque não basta estar cercado por gente competente, mas sim que lhes deixem atuar. Mas assim mesmo, estou muito orgulhosa das mudanças que vamos vendo: uma mudança de paradigma que por fim começa a dar voz às minorias e começa a acercar os discursos de igualdade: de gênero, de idade, de preferencias sexuais.

Outra mudança importante que aconteceu essa semana. A nova diretora do jornal El País é a jornalista e comentarista, Soledad Gallego Diaz, primeira mulher a alcançar a presidência do jornal, liderado 42 anos pelo sexo masculino. Cita a Soledad não por ser apenas mulher, mas sim por pertencer duplamente às minorias: além de mulher, tem uma idade avançada; 67 anos – idade de se aposentar na Espanha.

O que faz disso ser um marco?

Porque a tendência é despreciar as pessoas mais velhas. Pensamos que já não sabem muito e que não são capazes de se adaptar as mudanças que a sociedade oferece. O fato de uma mulher de 67 anos ser a presidente do jornal de maior calado do país diz muito sobre como temos que encarar a velhice.

Sei que muita gente pode rir de mim porque tenho só 32 anos. E que ficar velho não é fácil, principalmente para aqueles que sempre amaram a juventude. Mas o fato é que Espanha conta com a população mais envelhecida da Europa, e com pessoas que tentam continuar ativas mesmo com o peso da idade e as dores que levam.

Velhice

Todos vamos ficar velhos. Homens ou mulheres, faremos parte desta minoria. E sofreremos os preconceitos dela. De uma minoria que cada dia mais é maioria em todo o mundo e principalmente aqui. Por que não brindar a eles este reconhecimento: velho sim, inútil não. E perdoem-me por utilizar a palavra velho, mas não vejo forma mais gráfica que dizer certas verdades.

Hoje conhecemos tanta gente com idades avançadas que fazem tantas coisas, que não perdem o ritmo apesar da saúde, das dificuldades e dos demais. Por que pensar que eles já não são capazes de fazer nada. Por que ser tao cruéis a pensar que já não podem fazer… pois claro que sim. Temos Soledad e 1001 pessoas a mais para provarem que a idade não é sinônimo de ineficiência, de improdutividade.

Não digo que os idosos devam sair as ruas buscando trabalho quando vocês não querem. Vocês tem mais que direito a vossa aposentadoria. Mas se vocês quiserem fazer outra coisa, não deixem que o mundo diga não. Sejamos todos conscientes que esse dia chegará para todos, ou pelo menos para grande maioria, e por que não, começar a tomar consciência que ficar velho é apenas mais uma etapa da vida, com direito a ser gozada como todas as outras.

Eu acredito na Espanha, porque mudanças estão vindo e muitas mais virão. E estas que eu apresento hoje, são as que eu acredito e abraço na esperança da construção de um mundo melhor.

 

 

Abaporu Tarsila do Amaral. 1928

Saudades do português? Ô

Acabo determinar de ler “Felicidade Crônica” da Martha Medeiros. Um bom manual para quem não tem regras na vida e aceita de bom humor as oportunidades, ocasiões que a vida oferece. Sei que muita gente é fã da Martha – olha só, já falo dela como se fosse íntima minha- e que gosta muito do seu jeito despojado de escrever.

Eu gosto da Marta por tudo isso, mas também porque ela me faz reviver a minha brasilidade. Alguns anos atrás, eu não conhecia a Martha, não sabia nem quem era. Numa viagem que fiz ao Brasil, minha mãe me deixou um livro dela. Acho que se chamava a Montanha Russa. Foi ali que descobri uma certa conexão com ela que acho que vai ser difícil de ser quebrada.

Ler Marta Medeiros fora de Brasil e deleitar-me com os seus textos depois de tanto anos fora é como entrar no túnel do tempo e reviver a minha brasilidade em toda sua essência. Sinto muita falta do meu português, da minha língua, que cada dia vai ficando mais e mais enferrujada na minha cachola.

Idiomaterno

Esqueço das expressões que utilizávamos no dia a dia como “nem que a vaca tussa”, “a cobra vai fumar”, “o bicho vai pegar”, “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”, ou mesmo o nosso “oi” diário. Para quem lê isso e mora no Brasil, tudo que eu escrevo pode não passar de uma baboseira, mas para as pessoas que vivem fora e que cada vez menos utilizam o seu idioma natal, o idiomaterno como dizia o grande Museu da Língua Portuguesa, tudo isso que eu falo tem o maior sentido.

O legal da Martha é justamente isso. Eu não sinto que estou lendo uma literatura antiga, arcaica, super culta ou intelectual. E veja bem, isso não é uma crítica. O legal da Martha é conseguir transformar temas complexos em didáticos e palpáveis para toda uma população.

Falar de inteligência emocional, de livros, de cinema, de filosofia, de viagens com uma linguagem simples é muito mais difícil do que parece. E se ainda por cima, você coloca essa pitada de traquejo, inserindo no contexto essas expressões que a gente gosta de ouvir, que todo mundo se sente identificado com elas e que resumem em poucas palavras todo um pensamento, ai eu lhe outorgo um globo de ouro; um prêmio das letras brasileiras – se é que ele existe-.

Felicidade Crônica

Adorei ler Felicidade Crônica porque a Martha não tem fricote (outra palavra que resgatei dos seus livros). E sem muita lengalenga, balela, enche linguiça, etc. e tal, conseguiu me transportar para o Brasil do fim do século XX e do começo do XXI. O Brasil que eu vivi e que eu me expressava.

Um Brasil rico em ritmo e palavras, cheio de amor e gentileza que por vezes sinto falta aqui. Não me estou queixando, só fazendo um pouco de doce, porque nem doce de leite de minas aqui tem. É pieguice? Eu confesso, é. É saudosismo? Também. Mas fazer o quê?.

Caetano Veloso me entenderia. Só Deus sabe quantas vezes escutei “London London” com lágrima nos olhos. Com vontade de comer pastel e tomar caldo de cana; de escutar bossa nova e comer feijoada, palmito, e pão de queijo. Tudo junto, não tem problema.

13 anos depois aqui estou eu. Também já adaptada na forma que se fala aqui, com sotaque em todas as línguas que eu falo. Brasileira na essência e espanhola de adoção. Tudo bem. Sempre gostei de ser diferente. E não tem problema se a galera já não me considera nem de cá, nem de lá. Nunca gostei de rótulos mesmo. Me enchia o saco na escola. Galera pegando no meu pé.

Ah! Que saber? Até disso sinto saudades. Com limites é claro. Ninguém aguenta ser maltratado, mas uma provocaçãozinha de vez em quando, até que tempera a vida.

Bom, acho que já deu né. To acabando o texto e esgotando os meus recursos. Mas espero que vocês tenham ficado satisfeitos comigo. Mesmo vivendo fora há 13 anos, mesmo utilizando inglês e espanhol 95% do meu tempo, fui capaz de resgatar num cantinho perdido da minha cabecinha e graças ao livro da Martha, todo um tesauro que estava adormecido. Olha só que beleza! Valeu Martha.

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Que a vida não termine inutilmente

Depois de tanto tempo sem ter tempo… para ler, para desfrutar de um dia só pra mim, tive a oportunidade esses dias de ter o gostinho de novo de como era viver assim. Há um ano estou fazendo uma pós graduação que me tiraram todos meus fins de semana.

Já não sabia mais o que era levantar e ficar horas na cama até o meio dia, lendo e gozando da solidão da minha casa, da minha cama e de tudo que me rodeia.

De tão ocupada acabei esquecendo de quem eu era. De tão ocupada já não tinha tempo para acordar devagarzinho, colocar meu roupão, fazer meu café e ler, ler e ler a manhã toda. Um fim de semana desses, depois de quase nove meses sem fazer isso, sem desfrutar de mim mesma, tive o gostinho de poder saber como era fazer isso de novo. E nada melhor do que voltar a ler com a melhor companhia. Voltar a gozar dessa manhã com um livro da Martha Medeiros.

Felicidade Crônica

Comecei a ler “Felicidade Crônica”, um dos últimos títulos que trouxe do Brasil. Não li nem 50 páginas e já dá vontade de recomendar a todo mundo que leia. Depois de ter lido essas páginas, à noite, fui pra cama com a sábia frase “devemos nos empenhar em não deixar o dia partir inutilmente”. Trás uma linda crônica sobre os pequenos prazeres da vida. Fui dormir pensando no muito que podia agradecer do meu dia.

 “Eu tenho, há anos, isso como lema.  É pieguice, mas antes de dormir, quando o dia que passou está dando o prefixo e saindo do ar, eu penso: o que valeu a pena hoje? Sempre tem alguma coisa. Uma proposta de trabalho. Um telefonema. Um filme. Um corte de cabelo que deu certo. Até uma briga pode ter sido útil, caso tenha iluminado o que andava escuro dentro da gente.

 Já para algumas pessoas, ganhar o dia é ganhar mesmo: ganhar um aumento, ganhar na loteria, ganhar um pedido de casamento, ganhar uma licitação, ganhar uma partida.

 Mas para quem valoriza apenas as megavitórias, sobram centenas de outros dias em que, aparentemente, nada acontece, e geralmente são essas pessoas que vivem dizendo que a vida não é boa, e seguem cultivando sua angústia existencial com carinho e uísque, mesmo já tendo seu superapartamento, sua bela esposa, seu carro do ano e um salário aditivado.

 Nas últimas semanas, meus dias foram salvos por detalhes”.

Foram lendo essas palavras que pensei: nas últimas semanas os meus dias também foram salvos por detalhes. Que ainda que estivesse tudo mal, todos os dias eu pensava que disso ainda ia aprender. E que mesmo que não tenha despertado feliz, o sol seguia brilhando lá fora ou a chuva continuava caindo (para minha alegria e o desespero dos madrilenhos).

Passei dias conturbados, mas todos os dias que passaram foram salvos por algum pequeno detalhe que no fim pensei: nossa que bom. O balance continua sendo negativo, porque nas matemáticas da vida, há dias que não tem como ganhar. Perdas haverão. Mas o negócio é saber como reverter a situação. O negócio é não deixar a peteca cair e seguir adiante porque uma hora as coisas começam a se encaminhar de novo.

Até na tristeza se pode tirar lições.

Não hoje, claro, que tudo parece negro e que o mundo vai acabar… Mas no amanhã, quando a gente se lembra até com certa ternura que bonitinho era quando você estava apaixonada e ficava suspirando pelos cantos… Ou quando você lembra daquela briga tonta com o seu irmão que nunca teve razão de ser, mas que naquela hora você se sentia a mais injustiçada do mundo.

As recordações se tornaram mais amenas?! Você já vê até com certa saudade esse tempo?! Pronto: você acaba de aprender a fazer matemágicas. Tornar o insuportável, a tua dor num sentimento terno e ingênuo.

Pois é. Ontem estava tudo negro! Mas terminou cinza – porque a Martha colocou a sua pitadinha de branco e beleza no meu dia. E eu me deixei levar.

É tão bom quando isso acontece. Quando você mesmo se dá conta do infantil e mimado que pode ser um capricho e se dá conta do bonito da vida. No meio de tanta atividade, esqueci por um momento que o mundo estava ali fora, esperando por mim, para que eu brincasse com ele. E que meu prazer de escrever sobre a vida não desvanecesse na correria do dia a dia, priorizando os outros mais que a mim mesma.

Oi mundo! Estou de volta com vontade de fazer que esse dia e todo os outros que virão não terminem inutilmente.