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Complexo Cultural Rampa tem um potencial incrível e por que não decola?

O Complexo Cultural Rampa tem tudo para dar certo, mas está acanhado demais para um projeto que foi inaugurado a primeira vez em 2018 e exigiu R$ 7,6 milhões de investimento, e passou por uma segunda em 28 de janeiro de 2023 e precisa de mais dinheiro...

A condição de alçar voos num projeto poético que envolve arte, memória histórica, um pôr do sol belíssimo na Foz do Rio Potengi, em Natal, Rio Grande do Norte, ainda não decolou. As mais de 200 malas que fazem parte da instalação do artista plástico João Natal – obra de incrível apelo visual – apresentam-se ali perdidas, deixadas de lado neste embarque tumultuado, sem que  consigam decolar junto aos sonhos daqueles que acreditam na arte como meio de transformação social e que elaboraram um projeto que culturalmente irá acrescentar para Natal.

Perdoem-me pela metáfora!  

A maioria dos 382 comentários do Google exaltam a beleza do lugar e reclamam da falta de gente especializada em arte-educação, lanchonete e souvenirs. 

Banner institucional que consta no canal do Youtube do Complexo Cultural

A crítica é positiva e espero que sociedade e as esferas de governo nacional, estadual e municipal tirem do papel as ideais boas coloquem mais gás neste espaço com potencial incrível para população e turistas. O complexo está localizado numa das comunidades tradicionais e mais antigas de Natal, o Bairro dos Santos Reis. 

A impressão que tive ao visitá-lo foi de decepção. Esperava muito mais do que fotos do memorável encontro entre Rosevelt e Getulio Vargas, em 1943, do embarque de pracinhas para Itália na Segunda Guerra Mundial e alguns objetos que lembram os soldados FEB. Quando resolvi escrever sobre a Rampa comecei a pesquisar as notícias veiculadas percebi que a narrativa era outra. Quando li os comentários deixados no Google, apesar de elogiar a beleza do local, a maioria dos guias turísticos tem a mesma opinião que a minha. Falta sinalização para chegar, falta tudo que um museu com a pretensão poética da Rampa deveria funcionar e com certeza já tem idealizado no projeto cultural.

Ao me envolver com a história do Complexo Cultural Rampa visitando-o e pesquisando-o na internet, a partir de notícias oficiais ou divulgadas em jornais e sites, lembrei do episódio Novo Museu e Oscar Niemeyer em Curitiba. O primeiro inaugurado por Jaime Lerner e o segundo ( o mesmo espaço) inaugurado por Roberto Requião, que nutria um ódio rival por Lerner. A história foi até um tanto hilária, no resultado final foi Curitiba que ganhou um presente maravilhoso.

Leia a história neste link : Curitiba deu significado para arte em 15 anos

Em minha memória como jornalista que atuava na área de cultura da Agência de Notícias do Governo, a primeira inauguração, a do Novo Museu, antes de fechar o governo Jaime Lerner foi apoteótica e ousada em 2002 – quase no final do seu segundo mandato como governador.

Só para não perder o link da história e deixar registrada a fofoca: quem sucedeu Lerner, depois de dois mandatos, foi o governador eleito, Roberto Requião. Ele era arqui-inimigo de Lerner e fechou as portas do Novo Museu por quase um ano. Não por puritanismo, mas por brigas políticas entre dois que não vale a pena esmiuçar os detalhes sórdidos. O Novo Museu foi reaberto rebatizado de Museu Oscar Niemeyer sob o comando da esposa de Requião. Muita fofoca rolou… ops! Muitas histórias e tropeços e hoje o MON é referência no Brasil e ícone no Paraná.

Apenas vale o registro para mostrar como a arte periodicamente sofre ataques. A grande ameaça na época era que ninguém sabia se o espaço ia abrir como um museu. Informações da primeira inauguração foram apagadas não só da memória do povo curitibano, como também de qualquer arquivo público. Mas eu estou aqui para contar!

Agora voltando ao Complexo Cultural Rampa imagino o que aconteceu de 2018 para os nossos dias. A primeira inauguração, provavelmente a ‘toque de caixa’, foi no final do mandato do então governador Robson Faria (PL), 27 de dezembro. Ele entregou o cargo para Fátima Bezerra (PT) em 1º de janeiro de 2019. A inauguração era necessária, afinal foram repassados R$7,6 milhões pelo Ministério do Turismo.

Daí até 28 de janeiro de 2023 não tenho ideia dos bastidores e o porquê do fechamento das portas do recém inaugurado complexo. Inacabado talvez…..

No roteiro de notícias é possível vislumbrar matérias desde 2021 falando da reabertura e novas propostas. É certo que a pandemia em 2020 deixou todos em ‘stand by’. Até começar de novo, pós pandemia,  a segunda inauguração aconteceu o ano passado.  Pois é, ainda com o complexo incompleto exigindo talvez uma abertura necessária para que as ‘utopias’ saiam do papel e tornem-se realidade. 

Pelo que percebi o projeto de arte e cultura estava ou está ainda captando recursos pela Lei de Câmara Cascudo de renúncia fiscal. Pelo que foi divulgado algumas questões estavam em aberto, necessitando de  respostas à Promotoria de Justiça do Patrimônio Público no que se refere a dinheiro que deveria ser captado nas empresas em troca da renúncia fiscal. Para essa etapa, o projeto foi orçado em mais R$ 6,5 milhões. A notícia divulgada no jornal da cidade é datada de 2022.  Não achei mais nada sobre o assunto. 

 

“A gente traz o lajedo onde foram encontradas inscrições rupestres, onde homens e mulheres já se imaginavam voando porque é o centro da curadoria de todas as exposições. O verbo voar como dispositivo de observação de pássaros, como dispositivo de máquinas de vôo… aí entra o Augusto Severo, entra toda a parte das invenções, entra Natal na Segunda Guerra, entra Natal na Aeropostale. O outro dispositivo do voar é o sonho…”, explicou Gustavo Wanderley, produtor executivo do projeto Rampa Arte Museu Paisagem. Fonte: Tribuna do Norte

“Sala da Guerra: Natal, Encruzilhada do Mundo”. A sala, de estilo militar, expõe as fotos e objetos mais marcantes da época em que Natal foi palco da aliança com os EUA.

O acervo material é composto de uniformes militares usados no período, além de medalhas, capacetes, cantis e alguns documentos e fotografias. 

 
Replica do encontro num jipe militar entre os dois presidentes: Delano Rosevelt (EUA) e Getúlio Vargas (Brasil) em 1943

Omuseu conta a importância de Natal nos primórdios da aviação e da participação da cidade na Segunda Guerra Mundial, quando a capital Potiguar sediou a maior base aérea americana fora dos Estados Unidos. Na época, quase 20% da população natalense era composta por militares americanos que influenciaram a cultura e costumes locais.

 

Boeing 314 pousando no Rio Potengi trazendo a bordo o presidente dos Estados Unidos

A Rampa para hidroaviões no rio Potengi foi ponto obrigatório de parada dos aviadores que atravessavam o Atlântico Sul entre as décadas de 1920 a 1940.

A data de 29 de janeiro de 1943 é marcada na história de Natal pelo encontro entre o presidente americano durante a Segunda Guerra, Franklin Delano Roosevelt, e o presidente brasileiro Getúlio Vargas. Na ocasião, eles celebraram, na Rampa, a Conferência do Potengi, transformando o local em base militar americana e selando a participação do Brasil no conflito, que resultaria na vitória dos aliados contra as tropas dos Países do Eixo

Natal ficou conhecida como o Trampolim da Vitória, em razão dessa participação na Segunda Guerra pela sua posição estratégica.

Olhando essas duas fotos muito contrastantes, lembrei do que li esses dias de famoso(o nome não vem ao caso):  que em uma guerra os velhos decidem o destino dos jovens. Muitas vezes em jantares e encontros amigáveis. Esses jovens nem sempre voltam do campo de batalha. 

encontro entre Rosevelt e Getulio.
Soldados embarcando para a Italia

Depois do percurso pelas   fotos, documentos e objetos, que conta sobre a participação do Brasil e Natal na Segunda Guerra Mundial, o publico visita a  Sala da Paz. É uma sala de narrativas sobre o desejo de paz e frases de personagens famosos como John Lennon, Gandhi, entre outros. Em uma parede exposta está escrito que o espaço tem objetivo de “suscitar reflexão e conscientização sobre a importância da paz e como ela pode ser alcançada (não acredito)”. O visitante também pode ler textos como a Oração de São Francisco, entender sobre o quadro A Liberdade Guiando o Povo, do pintor Eugène Delacroix.

Será que o Complexo Cultural Rampa vai decolar? Certamente! 

Se existir vontade política, profissionais capacitados na área cultural e muito, mas muito estímulo para dar certo. Antes de qualquer coisa o Museu Rampa precisa ser administrado por uma pessoa especializada em administração de museus, alguém que possa organizar também exposições temporárias e eventos culturais que atraiam público, sobretudo nas artes visuais. Promover arte- educação principalmente com escolares, o que necessita também pessoas especializadas na área para conduzir. Os detalhes não podem ser deixados de lado, de uma lanchonete temática que todos os museus têm e lojas de lembranças que tenham o envolvimento com o tema voos, arte local e informação, boa sinalização para chegar ao local e até um ajardinamento de deixar todos deslumbrados com a colocação de espécies da região.

A árvore maravilhosa já está lá para que em silencio possamos escutar a frondosa figueira respirar!

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Engorda de Ponta Negra: obra que custará mais de 100 milhões vai durar só de cinco a 10 anos

Pasmem!
Não é mentira não, que a engorda da praia de Ponta Negra, uma obra de mais de 100 milhões, só vai durar de cinco a 10 anos!
A previsão consta no Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), estudo exigido por lei para realização da obra.

Quem alerta para esse fato é o presidente da Associação Potiguar de Amigos da Natureza, Francisco Iglesias. Como ambientalista, arquiteto urbanista e corretor imobiliário é contra o aterro hidráulico (popular engorda) da orla de Ponta Negra. A sua posição contrária a algumas medidas que estão sendo aprovadas pelo poder municipal de forma acelerada, como o PL 302/2024, que altera os gabaritos para construção na orla de Natal,  coloca em discussão toda a complexidade de manutenção da orla de Ponta Negra. Iglesias leu toda as 150 páginas do RIMA e acredita que o primeiro problema da engorda é que vai mudar a biodiversidade da praia. Segundo é que vão retirar areia da praia em frente a comunidade Mãe Luiza e não existem estudos dos dois sistemas para combinação. Terceiro problema, é que vai aumentar cerca de 70 metros, hoje a praia é suave e própria para crianças vai virar perigosa para banhistas. Quarto problema, custo. este custo não é real. Vai precisar mais dinheiro, mais que 100 milhões porque é um sistema caro. Já tentaram na praia de Mãe Luíza em 2008 e ia custar em torno de R$ 11 milhões. Se corrigirmos para agora, calculando todo o percurso a obra total deverá custar a obra total em torno de R$200 milhões.

Sua argumentação tem respaldo numa trajetória que inclui em seu currículo uma passagem por 12 anos no Conselho Nacional do Meio Ambiente. 

Foto retirada em print do vídeo da audiência pública

Foto de Francisco Iglesias participando da Audiência Pública para analisar as regras de construção na orla de Natal.  A audiência realizada no dia 12 de junho pelo Ministério Público do Rio Grande do Norte, foi dirigida pela promotora da 45a promotoria de Justiça de Natal, Gilka da Mata. 

“O negacionismo não pode governar uma cidade, um país, um estado. A ciência deve ser considerada. O negacionismo mata o turismo. Não podemos repetir o Rio Grande do Sul aqui”, afirmou Iglesias sobre a Projeto de Lei  302/2024 que abre precedentes para construção nas áreas vulneráveis, sujeitas a erosão na via costeira e em outras áreas em frente ao mar. 

Então….não se iludam!A pressa em aprovar tudo a ‘toque de caixa’ é uma característica de um ano eleitoral no Brasil. É importante destacar a necessidade de ouvir a ciência em tempo de emergência climática. A engorda tem um custo muito alto e a exigência de manutenção também é cara. A liberação de construções na orla vem na contramão das iniciativas mundiais em cidades; de sair de perto do mar. Em Natal ao contrário, se forem construir na via costeira, por exemplo, zona definida com de muito risco pela erosão, os edifícios irão estar “assentados” em dunas, destruindo restingas – vegetação de proteção na zona de arrebentação das ondas – para ir rumo ao mar.

Infelizmente, não é isso que ocorre a pouco mais de seis meses das eleições. Querem aprovar na ‘calada da noite’ leis que irão privatizar praias brasileiras,  flexibilizar  zoneamento urbanos e promover o aterro hidráulico das praias para aumentar a faixa de areia. Ações estão bem amarradas para privilegiar a especulação imobiliária em zonas costeiras e atrair investidores de grande porte que não têm o mínimo de compromisso com a população local. Estão entendendo? Existe um segmento da sociedade brasileira que não quer analisar nada e, sim só lucrar. E as belas praias do nordeste são alvos excelentes. E os investidores não são pequenos nesta história. São grandes corporações imobiliárias que estão de olho no nosso paraíso para privilegiar uma minoria.

Crise Climática

A Corte Interamericana de Direitos Humanos tenta elaborar opinião consultiva que responda à pergunta: afinal até onde vai a responsabilidade de um país pela emergência climática? 

A expectativa é que ele responda a uma série de questionamentos, de modo a estabelecer, de forma inédita em todo o mundo, o que um Estado deve fazer e o quanto ele pode ser cobrado por suas ações – ou inações – diante da crise. Fonte: Agência Pública

Nossa Constituição é clara no capítulo VI:

Capítulo VI – do Meio Ambiente

Art. 225 (…)

“Zona costeira é patrimônio nacional e sua utilização far-se-á na forma de lei, dentro das condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.”

 

Reflexões do Ministério Público RN sobre ocupação da zona costeira de Natal

 A promotora de Justiça de Defesa do Meio Ambiente de Natal,  do Ministério Público do RN, Gilka da Mata, chama atenção sobre a situação ambiental da orla marítima de Natal e solicita que atentem ao mapa 14, de anexo III, do Plano Diretor de Natal – PDN 2022. Neste mapa consta que grande parte das áreas da orla marítima da capital potiguar é composta de áreas com potencial de risco natural, de erosão e de movimento de massa. 

“A preocupação maior do MP é com a via costeira. Quando vou revisar os parâmetros urbanísticos e ambientais, tenho que revisar para prevenir novos desastres”, afirmou a promotora Gilka da Mata, na audiência pública sobre a PL 302/2024. “Estamos com um trabalho enorme para engordar  a praia de Ponta Negra e o que é o engordamento de Ponta Negra? É um remédio para erosão caro demais!  É muito dinheiro jogado ao ar para corrigir um problema que todo ano exige muito dinheiro para manter. O que é melhor prevenir ou remediar?”, pergunta a promotora.

Bandeira Azul

Uma espécie de certificação para as praias no mundo fornecida por uma Organização Dinamarquesa, de uso semelhante ao ISO 9000. Empresários e ambientalistas já sugeriram conseguir essa certificação para Ponta Negra.

Iglesias fala sobre a importância de conseguir uma certificação nestes moldes para Ponta Negra. São cerca de 34 critérios que incluem acessibilidade, centro de informação, sem poluição, sem esgoto, educação ambiental com placas explicativas. “Só de caminhadas minhas na praia devo ter tirado mais de 300 garrafas de plástico. Por que não pegar os quiosqueiros e fazê-los protetores da praia”

Paisagem e questão ambiental

A questão da paisagem tem uma importância muito grande na indústria turístico. Se não tiver uma paisagem geral adequada, não receberá visitação.  É óbvio. “Ninguém quer ver ratos na praia, lixo, esgoto”.  Hoje não tem como separar critérios ambientais dos econômicos. O ambientalista frisa que as pessoas não vêm ver prédios e mau cheiro. E Ponta Negra hoje consegue oferecer isso nem ao turismo e nem ao morador.

O tipo de ocupação que existe em Ponta Negra é proibido por lei no Brasil. Isso ao se referir aos quiosqueiros e aqueles que alugam cadeira e guarda-sóis. Existiam 100 barracas e foram tranformados em 38 quiosques. Não tem uma administração apropriada e nem critérios ambientais, sem fiscalização sanitária. Neste caso, a praia entra em decadência. “O que está acontecendo com Ponta-Negra”.

 

Má administração da praia de Ponta Negra

O motivo básico de ser contra,  além da má administração que não depende do engordamento, que está sendo usado como a ‘salvação da pátria’ – na realidade não é – a prefeitura não cuida da praia.  Houve algumas intervenções mal feitas e em alguns casos sem um projeto mais detalhado sobre a ocupação dos quiosques e cadeireiros sem considerar as dunas e a vegetação de restinga que protege a costa, sem procurar aumentar a proteção dos imóveis da zona costeira. 

Por que estamos insistindo em chamar atenção sobre o projeto de lei 302/2024, quando iniciamos o artigo questionando a engorda da praia de Ponta Negra. 

Simplesmente porque são iniciativas que irão dar suporte uma à outra. Flexibiliza-se  e altera-se  a ocupação do solo e outra aumenta a faixa de areia com aterro. Casou uma com a outra. 

Aqui vale colocar  parte dos questionamentos feitos por Camões Boaventura, que representou na audiência pública o Ministério Público Federal. Em sua fala aponta ilegalidades na PL em questão.

“Que urgência estamos falando?”, pergunta Boaventura.  Este  projeto de lei visa superar o déficit habitacional em Natal? 

Óbvio que não. Ninguém que vive em situação déficit habitacional tem condições habitar essas áreas, sobretudo  na orla marítima”, ressalta.

Procurador do MPF, Camões Boaventura. foto retirada em print da audiência pública
Procuradora Gilka da Mata. Foto retirada em print da audiência púlbica
foto retirada em print da audiência pública

“Gente, ao meu juízo, os vereadores do município de Natal busquem aprovar um plano de adaptação às mudanças climáticas na cidade. Plano esse, que certamente, se for feito de forma séria, vai ouvir os cientistas  e vai ouvir a recomendação que haja uma retração das ocupações no sentido do continente fugindo do mar. O que estamos testemunhando com PL 302  é o contrário. As edificações estão indo rumo ao mar”, afirmou o representante do MPF

Camões Boaventura questiona também a ausência de consulta livre às comunidades pesqueiras que vivem em Natal. Entre as colocações, recomenda a consulta livre e a PL não pode prosseguir sem que exista uma consulta e um mapeamento dessas comunidades, que segundo ele serão muito afetadas. 

A população de Natal deve assistir esse vídeo e prestar muito atenção nas falas da promotora Gilka da Mata, sobretudo no final da explanação quando ela refere-se a questão da erosão da via costeira.  Escutá-lo é um exercício de cidadania e amor a Natal e ao que a cidade tem de mais belo em sua paisagem urbana natural: suas praias.

 

O Blá-blá político dizendo  que é inevitável a engorda e a que  ampliação dos gabaritos para construção irá gerar empregos e desenvolver a capital potiguar é discurso com pouco sobre o assunto. Por que não usar todo esse dinheiro da engorda da praia para melhorar a infraestrutura de Natal. E a rede esgoto está sendo ampliada? As ruas estão melhores e sem buracos? Cadê o projeto de saneamento básico, melhoria no transporte coletivo. Cadê?

 

Este artigo é uma reflexão sobre o que está acontecendo numa das praias icônicas de Natal, capital do Rio Grande do Norte,  Ponta Negra que também abrange o Morro Careca, o cartão de visita da capital Potiguar. Com todas essas mudanças previstas pela prefeitura local, o famoso cartão de visita poderá não mais ser uma enseada e sim um extensa faixa de areia e sabe lá o que irá resultar de alargar a faixa de areia. Novos habitantes marinhos como tubarões. Todos os técnicos que entrevistei não se arriscaram a prever esta situação para futuro, mas disseram que tudo é possível quando retira-se areia de um local e coloca em outro. O material vem também com tudo aquilo que se mantinha no local de origem, alimentos e sedimentos para as espécies marinhas.

 E mais: o momento atual é muito grave com as recentes tragédias climáticas que aconteceram ao redor do mundo. Por isso,  precisamos analisar com mais profundidade as alterações urbanas. 

Como o oceanógrafo Igor Carneiro, todos nós gostaríamos de ter uma grande faixa de areia em nossa praia. Não somos a favor e nem contra a engorda. Estamos apreensivos com as evidências e solicitamos a participação de mais cientistas, que sejam ouvidos, neste caso. Chega de negacionismo e achismos e interesses políticos de uma minoria! Também como o geólogo e professor da UFRN, Ricardo Amaral, precisamos parar de brigar com o mar.

Que arrogância é essa do homem querer desafiar nosso oceano infinito e tentar fazer retroceder! Somos um grão de areia diante da sua força e imensidão….

A questão social é importante sim, e  deve ser analisada também. Mas para o turismo desenvolver precisamos  da praia bonita atrativa, limpa, segura.  Só com sustentabilidade poderemos desenvolver e viver com qualidade de vida. Para tudo existe ideias criativas que certamente irão  resolver algumas situações já instaladas na praia de Ponta Negra, na questão dos vendedores ambulantes, os que alugam guarda-sóis e cadeiras, assim como quiosques. Que tal uma cooperativa organizada e treinamentos de educação ambiental!   Mas esse assunto é tema de outro artigo.

Por que estamos falando de engorda de praia, zoneamento urbano, mudanças climáticas quando site tem o foco na arte, cultura e entretenimento. Por que?

Porque a vida é arte e porque viajamos nesta poética.

O artista plástico potiguar, Guaraci Gabriel, instalou em 2017 essa obra intstalação na via costeira feita de sucata. Um caranguejo que ficou por um tempo desafiando a belissima paisagem do local. Por ironia,denominou a obra de Pé de Mangue - A Incerteza é certa.
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Perguntas e dúvidas, muitas! Queremos respostas sobre a engorda da praia de Ponta Negra

Qual é o prazo de validade da engorda da praia de Ponta Negra, em Natal, que justifique um orçamento tão alto ? Considera-se no projeto as mudanças climáticas que vivemos hoje?

As dúvidas são muitas… e inúmeras perguntas sobre a obra de aterro hidráulico em Ponta Negra – popularmente conhecida como engorda da praia. A prefeitura de Natal anunciou o início das obras ainda neste primeiro semestre do ano, com a aplicação de um orçamento milionário – R$ 73 milhões.

É certo que há décadas a praia de Ponta Negra vem sofrendo os efeitos da erosão, com a redução da faixa de areia. Porém, em tempo de tragédias climáticas como a que ocorreu no Rio Grande do Sul, nos perguntamos: será essa a solução?  Não será preciso mais aprofundamento nas consequências futuras?

Num simples e livre exercício de cidadania fomos em busca de opiniões sobre ser “a favor ou contra” a obra. Igor Carneiro, mestre em Oceanografia Física, foi o primeiro a alertar sobre o prazo de validade de uma obra cara, cujo custo final  sai do bolso do contribuinte, e também destacar que será a população diretamente afetada pelos impactos negativos – sociais e ambientais. “Não sou a favor e nem contra porque não me aprofundei tecnicamente, mas como cidadão tenho muitos questionamentos com base na minha experiência profissional”, afirmou.  Igor atualmente trabalha com Geofísica.

Cadê os estudos de modelagem numérica? “Não vi ainda”, diz ele. De onde essa areia vai ser tirada, como vai ser colocada, qual será o comportamento dela…

As fotos by Mari Weigert. O vídeo é de Jonathas Costa, que além de instrutor de stand up e surf, trabalha com imagens.  Todas foram captadas na enseada do Morro do Careca. A foto com o céu que se vestiu de rosa foi uma das primeiras feitas por mim e a acolhida mais amorosa que recebi da praia de Ponta Negra, em dezembro de 2011.

Da mesma forma, como cidadão, o professor  titular da UFRN, geólogo Ricardo Farias do Amaral, expõe sua preocupação:  

“Tenho muitas dúvidas em relação a essa ação de engorda da praia de Ponta Negra.
Vejo muita gente sem entender o que está acontecendo e que os espaços de discussão abertos e as ações de divulgação sobre os impactos negativos possíveis, foram absolutamente insuficientes”,  argumenta. 

Ricardo Farias do Amaral

“Estamos passando por um processo de avanço natural e contínuo do nível do mar e a gente precisa parar de brigar com o mar.  Parar de construir cada vez mais perto do mar, querer engordar as praias. Como cidadão não vejo nenhum estudo aprofundado mostrando, por exemplo, a manutenção dessa engorda numa praia aberta como Ponta Negra. Acho que deveríamos discutir com mais cuidado e com planejamento o futuro dos moradores de Ponta Negra e quais serão os reais benefícios para a população natalense”

Igor Carneiro

“Em meu trabalho consideramos a área costeira a mais sensível em relação ao oceano, por ser a área que sofre de imediato os eventos da natureza. Muito mais visível nas áreas costeiras ocupadas e de mangue. Dentro de um cenário em que os padrões atmosféricos pretéritos já não cabem mais, precisamos pensar se estaremos preparados para enfrentar eventos climáticos mais intensos que o normal”.

Neste áudio Igor questiona como cidadão que vive em Ponta Negra qual será impacto efetivo, financeiro e social, qual é o prazo que esta obra tem para justificar todo esse gasto. Qual é a durabilidade desse projeto? Confiram!

O que posso conjecturar, diz ele, seria mais a durabilidade dessa obra e o impacto que teria para essas comunidades que vivem da pesca e mesmo a área de turismo.  

  A pergunta é se Ponta Negra poderá enfrentar situações como a de Recife, que perdeu sua praia para os tubarões. Igor responde que a cidade de Recife foi construída em cima do mangue e o mangue é um berçário natural para a fauna marinha. Confiram no áudio suas análises em relação ao assunto e comparações a Ponta Negra.

“Eu também gostaria de ter mais metros de praia”, diz. Mas a geografia daqui é diferente. Cita Camboriú e a engorda que foi feita lá, porém que é sem comparação porque é uma praia localizada no sul do Brasil e clima, relevo tudo diferente. A orla de Ponta Negra é feita de dunas e falésias, sobretudo falésias que caem e não tem o que fazer. Portanto, vai ser injetado um tanto de aporte financeiro sem a garantia da durabilidade. Não é uma questão de ser contra ou favor.

Mas será que não existe uma outra prioridade para esse dinheiro todo? 

Se você não consegue iluminar Ponta Negra, dar segurança adequada, saneamento necessário… Se isto não é prioridade!…

 

Instalação em 2019, no Morro do Careca, assinada pelo artista grafiteiro Rafa Santos, atualmente com ateliê em Pipa.

Infelizmente existe um descaso muito grande da administração pública para as questões básicas que correspondem a toda a faixa da praia de Ponta Negra até o Morro do Careca, sobretudo perto do morro, onde a água frequentemente está imprópria para banho devido a índices acima da média de coliformes fecais. 

Não são poucos os problemas atuais, não tem iluminação adequada, segurança, especialmente à noite, sujeira, ratos na praia, cheiro insuportável de esgoto pelos banheiros públicos abandonados e prováveis ligações clandestinas de  esgotos ligados às galerias pluviais. Justifica então injetar tantos recursos numa obra de risco, se nem  questões básicas de saneamento e segurança conseguem oferecer aos moradores de Ponta Negra?  

Como cidadã e como jornalista considero fundamental provocar uma discussão mais aprofundada sobre a realização dessa obra. Tenho em pauta buscar mais opiniões a respeito do assunto.  Como moradora e frequentadora da praia de Ponta Negra sinto as mesmas preocupações do professor Ricardo Farias do Amaral e compactuo com os questionamento do oceanógrafo Igor Carneiro. A tragédia climática no Rio Grande do Sul é um alerta para todos nós sobre o descaso do homem em relação a natureza. 

Atualmente, temos quilômetros de  rios sem matas ciliares ( quando o Código Florestal prevê 36 metros a cada margem); aquecimento dos oceanos e praias com erosão porque perderam suas áreas de restingas e mangues, áreas necessárias que fazem a proteção na zona de arrebentação costeira. Isso pela ocupação desordenada. Florestas inteiras derrubadas, povos originários sendo expulsos de suas terras. A ganância e poder deixando um rastro de destruição!

 A enseada do Morro do Careca é um santuário ecológico!

Ali ainda é possível visualizar golfinhos, tartarugas, cardumes de peixes de pequeno porte. O vídeo acima foi feito por Jonathas Costa instrutor de stand up e surf na praia do Morro do Careca. Um desses dias foram surpreendidos com um belo grupo desses mamíferos marinhos numa dança aquática maravilhosa, cujas imagens foram captadas certamente para nos lembrar da importância da biodiversidade.

A presença de golfinhos numa área marinha significa vida ainda preservada. Isso não tem preço!

Dismaland/Banksy 2015

“Arte verdadeira é a forma mais sofisticada e mais intensa de resistência”

A frase é do advogado e professor de Direito, Pedro Serrano, sobre o papel da arte e da cultura como meio de transformação social. Não foi sem motivos ilustrar com a obra de Banksy e sua Dismaland.

Assim como lembrar de tantos outros artistas ativistas que fazem crítica social, política e econômica por  meio de suas obras. O gualtemalteco, Anibal Lopez, os brasileiros Cildo Meirelles, Artur Barrio, entre outros, que pontuaram pela arte os desacertos na história da humanidade.

Dismaland,  de Banksy, um Parque Temático (agosto -setembro 2015) que funcionou um mês numa pequena cidade da Inglaterra, é uma crítica ácida à cultura do entretenimento. 

“Não tenho qualquer problema com a Disney, não sou um Hipster, por isso não acho que uma coisa seja má ou fútil, só por ser popular a marca Dismaland nada tem a ver com a Disney, apenas um enquadramento que diz: ok, aceitamos que fazer arte nos coloca no terreno da indústria do entretenimento, e vamos tentar pôr-nos a  esse nível – mas à esquerda.”, Banksy. ( mostra Gênius or Vandal)

 

Protesto de artistas que ficaram fora da Bienal de São Paulo- 2010

Seguindo o raciocínio sobre a cultura do entretenimento voltamos ao Pedro Serrano, e ao que ele falou durante um debate com o coletivo Estados Gerais da Cultura, há três anos. Na época, o desgoverno do inominável estava tentando destruir a base cultural do país. EGC foi criado em protesto a extinção do Ministério da Cultura. Seu raciocínio nos conduz ao entendimento de o porquê a arte e a cultura são as primeiras a serem sufocadas.

Ele situa o mundo capitalista de hoje, com suas novas economias, como uma sociedade que considera a arte espontânea, ou seja a verdadeira, como inimiga,  sobretudo em sistemas políticos autoritários. Isso porque esses sistemas trazem a política e o mercado para dentro da subjetividade.

“Todo nosso ambiente do imaginário passa ser um espaço da economia e da política. Se inverte a regra, de que a demanda condiciona a oferta, quer dizer a oferta passa a produzir demanda. Isso implica numa aniquilação do que pra mim é a essência da liberdade.

Passamos a ter um sistema que não atua para atender o desejo das pessoas. Como Steve Job falava:  ‘eles não desejam, mas sei que eles vão desejar. Eles não sabem o que eles vão desejar, nós vamos criar para eles’.

 

 Serrano segue em seu raciocínio para mostrar o grande perigo da manipulação pela cultura dominante: “A ideia da liberdade está na espontaneidade. A arte representa isso imensamente. Vai liquidando com espontaneidade.  

Primeira coisa temos que entender. A cultura é vitima da essência desse sistema. Esse sistema que busca dominar a subjetivada humana e produzir desejo nas pessoas.

A maior ditadura que mundo conheceu sempre dominou o corpo. Ela aprisionou torturou e matou. Esse mecanismo que nós vivemos hoje domina nossos desejos, é o ápice de qualquer sujeito que ambiciona o poder sobre o outro. 

Quero que o outro deseje o que eu deseje o que ele deseje.Isso implica em aniquilar a espontaneidade humana obviamente coloca a verdadeira arte, a verdadeira cultura como inimiga. Mesmo sem a arte querer, mesmo tendo que mediar com o entretimento, para obter recursos, ela é posta como inimigo porque não convive.

A essência afetiva da arte não é monetizável Isso que agride o sistema. Como também certos afetos humanos são postos como inimigos. Como amor, por exemplo. O amor não é monetizável. 

 

“A espontaneidade que é o movimento de resistência a esse processo de vulneração da nossa intimidade e desejo. Portanto, essa arte espontânea que é que inimiga para um sistema facista, autoritário. Para eles, precisa ser eliminada.”

Pedro Serrano

“Mais do que nunca fazer arte verdadeira, cultura, é a forma mais sofisticada e mais intensa de resistência que nós temos que ter. Isso é muito importante. 

Obra de Angelo Campos - artista muralista que retrata a realidade na qual vive na comunidade da Penha.

O fascismo, o autoritarismo não ganham quando nos torturam  porque a gente sobrevive e volta para luta, quando eles nos matam porque a gente vira símbolo e outras pessoas tocam a nossa luta. Eles ganham da gente quando nos transformam em algo parecido com eles”.

Intervenção urbana - Anibal Lopez.Guatemala 2003. Caminhão basculante joga livros na rua.

Entre os exemplos citados, nos quais a arte surge como resistência a um sistema, no início  da pandemia, a intervenção urbana feita pelo artista Nuno Ramos e o Teatro Vertigem, na Avenida Paulista, chamou atenção do público pelo descaso do governo para conter a disseminação do coronavírus.  Em agosto de 2020.

Foi às dez horas da noite que o Teatro da Vertigem deu início à performance-fílmica MARCHA À RÉ, idealizada em colaboração com o artista visual Nuno Ramos. A carreata ocupava a via emitindo uma sinfonia incomum. Não buzinas, nem músicas, mas o som alto dos respiradores utilizados nas unidades de tratamento de Covid-19.