O Complexo Cultural Rampa tem tudo para dar certo, mas está acanhado demais para um projeto que foi inaugurado a primeira vez em 2018 e exigiu R$ 7,6 milhões de investimento, e passou por uma segunda em 28 de janeiro de 2023 e precisa de mais dinheiro...
A condição de alçar voos num projeto poético que envolve arte, memória histórica, um pôr do sol belíssimo na Foz do Rio Potengi, em Natal, Rio Grande do Norte, ainda não decolou. As mais de 200 malas que fazem parte da instalação do artista plástico João Natal – obra de incrível apelo visual – apresentam-se ali perdidas, deixadas de lado neste embarque tumultuado, sem que consigam decolar junto aos sonhos daqueles que acreditam na arte como meio de transformação social e que elaboraram um projeto que culturalmente irá acrescentar para Natal.
Perdoem-me pela metáfora!
A maioria dos 382 comentários do Google exaltam a beleza do lugar e reclamam da falta de gente especializada em arte-educação, lanchonete e souvenirs.
A crítica é positiva e espero que sociedade e as esferas de governo nacional, estadual e municipal tirem do papel as ideais boas coloquem mais gás neste espaço com potencial incrível para população e turistas. O complexo está localizado numa das comunidades tradicionais e mais antigas de Natal, o Bairro dos Santos Reis.
A impressão que tive ao visitá-lo foi de decepção. Esperava muito mais do que fotos do memorável encontro entre Rosevelt e Getulio Vargas, em 1943, do embarque de pracinhas para Itália na Segunda Guerra Mundial e alguns objetos que lembram os soldados FEB. Quando resolvi escrever sobre a Rampa comecei a pesquisar as notícias veiculadas percebi que a narrativa era outra. Quando li os comentários deixados no Google, apesar de elogiar a beleza do local, a maioria dos guias turísticos tem a mesma opinião que a minha. Falta sinalização para chegar, falta tudo que um museu com a pretensão poética da Rampa deveria funcionar e com certeza já tem idealizado no projeto cultural.
Ao me envolver com a história do Complexo Cultural Rampa visitando-o e pesquisando-o na internet, a partir de notícias oficiais ou divulgadas em jornais e sites, lembrei do episódio Novo Museu e Oscar Niemeyer em Curitiba. O primeiro inaugurado por Jaime Lerner e o segundo ( o mesmo espaço) inaugurado por Roberto Requião, que nutria um ódio rival por Lerner. A história foi até um tanto hilária, no resultado final foi Curitiba que ganhou um presente maravilhoso.
Leia a história neste link : Curitiba deu significado para arte em 15 anos
Em minha memória como jornalista que atuava na área de cultura da Agência de Notícias do Governo, a primeira inauguração, a do Novo Museu, antes de fechar o governo Jaime Lerner foi apoteótica e ousada em 2002 – quase no final do seu segundo mandato como governador.
Só para não perder o link da história e deixar registrada a fofoca: quem sucedeu Lerner, depois de dois mandatos, foi o governador eleito, Roberto Requião. Ele era arqui-inimigo de Lerner e fechou as portas do Novo Museu por quase um ano. Não por puritanismo, mas por brigas políticas entre dois que não vale a pena esmiuçar os detalhes sórdidos. O Novo Museu foi reaberto rebatizado de Museu Oscar Niemeyer sob o comando da esposa de Requião. Muita fofoca rolou… ops! Muitas histórias e tropeços e hoje o MON é referência no Brasil e ícone no Paraná.
Apenas vale o registro para mostrar como a arte periodicamente sofre ataques. A grande ameaça na época era que ninguém sabia se o espaço ia abrir como um museu. Informações da primeira inauguração foram apagadas não só da memória do povo curitibano, como também de qualquer arquivo público. Mas eu estou aqui para contar!
Agora voltando ao Complexo Cultural Rampa imagino o que aconteceu de 2018 para os nossos dias. A primeira inauguração, provavelmente a ‘toque de caixa’, foi no final do mandato do então governador Robson Faria (PL), 27 de dezembro. Ele entregou o cargo para Fátima Bezerra (PT) em 1º de janeiro de 2019. A inauguração era necessária, afinal foram repassados R$7,6 milhões pelo Ministério do Turismo.
Daí até 28 de janeiro de 2023 não tenho ideia dos bastidores e o porquê do fechamento das portas do recém inaugurado complexo. Inacabado talvez…..
No roteiro de notícias é possível vislumbrar matérias desde 2021 falando da reabertura e novas propostas. É certo que a pandemia em 2020 deixou todos em ‘stand by’. Até começar de novo, pós pandemia, a segunda inauguração aconteceu o ano passado. Pois é, ainda com o complexo incompleto exigindo talvez uma abertura necessária para que as ‘utopias’ saiam do papel e tornem-se realidade.
Pelo que percebi o projeto de arte e cultura estava ou está ainda captando recursos pela Lei de Câmara Cascudo de renúncia fiscal. Pelo que foi divulgado algumas questões estavam em aberto, necessitando de respostas à Promotoria de Justiça do Patrimônio Público no que se refere a dinheiro que deveria ser captado nas empresas em troca da renúncia fiscal. Para essa etapa, o projeto foi orçado em mais R$ 6,5 milhões. A notícia divulgada no jornal da cidade é datada de 2022. Não achei mais nada sobre o assunto.
“A gente traz o lajedo onde foram encontradas inscrições rupestres, onde homens e mulheres já se imaginavam voando porque é o centro da curadoria de todas as exposições. O verbo voar como dispositivo de observação de pássaros, como dispositivo de máquinas de vôo… aí entra o Augusto Severo, entra toda a parte das invenções, entra Natal na Segunda Guerra, entra Natal na Aeropostale. O outro dispositivo do voar é o sonho…”, explicou Gustavo Wanderley, produtor executivo do projeto Rampa Arte Museu Paisagem. Fonte: Tribuna do Norte
“Sala da Guerra: Natal, Encruzilhada do Mundo”. A sala, de estilo militar, expõe as fotos e objetos mais marcantes da época em que Natal foi palco da aliança com os EUA.
O acervo material é composto de uniformes militares usados no período, além de medalhas, capacetes, cantis e alguns documentos e fotografias.
Omuseu conta a importância de Natal nos primórdios da aviação e da participação da cidade na Segunda Guerra Mundial, quando a capital Potiguar sediou a maior base aérea americana fora dos Estados Unidos. Na época, quase 20% da população natalense era composta por militares americanos que influenciaram a cultura e costumes locais.
A Rampa para hidroaviões no rio Potengi foi ponto obrigatório de parada dos aviadores que atravessavam o Atlântico Sul entre as décadas de 1920 a 1940.
A data de 29 de janeiro de 1943 é marcada na história de Natal pelo encontro entre o presidente americano durante a Segunda Guerra, Franklin Delano Roosevelt, e o presidente brasileiro Getúlio Vargas. Na ocasião, eles celebraram, na Rampa, a Conferência do Potengi, transformando o local em base militar americana e selando a participação do Brasil no conflito, que resultaria na vitória dos aliados contra as tropas dos Países do Eixo
Natal ficou conhecida como o Trampolim da Vitória, em razão dessa participação na Segunda Guerra pela sua posição estratégica.
Olhando essas duas fotos muito contrastantes, lembrei do que li esses dias de famoso(o nome não vem ao caso): que em uma guerra os velhos decidem o destino dos jovens. Muitas vezes em jantares e encontros amigáveis. Esses jovens nem sempre voltam do campo de batalha.
Depois do percurso pelas fotos, documentos e objetos, que conta sobre a participação do Brasil e Natal na Segunda Guerra Mundial, o publico visita a Sala da Paz. É uma sala de narrativas sobre o desejo de paz e frases de personagens famosos como John Lennon, Gandhi, entre outros. Em uma parede exposta está escrito que o espaço tem objetivo de “suscitar reflexão e conscientização sobre a importância da paz e como ela pode ser alcançada (não acredito)”. O visitante também pode ler textos como a Oração de São Francisco, entender sobre o quadro A Liberdade Guiando o Povo, do pintor Eugène Delacroix.
Será que o Complexo Cultural Rampa vai decolar? Certamente!
Se existir vontade política, profissionais capacitados na área cultural e muito, mas muito estímulo para dar certo. Antes de qualquer coisa o Museu Rampa precisa ser administrado por uma pessoa especializada em administração de museus, alguém que possa organizar também exposições temporárias e eventos culturais que atraiam público, sobretudo nas artes visuais. Promover arte- educação principalmente com escolares, o que necessita também pessoas especializadas na área para conduzir. Os detalhes não podem ser deixados de lado, de uma lanchonete temática que todos os museus têm e lojas de lembranças que tenham o envolvimento com o tema voos, arte local e informação, boa sinalização para chegar ao local e até um ajardinamento de deixar todos deslumbrados com a colocação de espécies da região.
A árvore maravilhosa já está lá para que em silencio possamos escutar a frondosa figueira respirar!