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Deleites em torno da Luz

À luz de velas. Por que nos seduz tanto a iluminação bruxuleante de uma vela acesa?

Talvez pelo mistério das sombras...

Gosto de sentir as cidades, captar a alma delas quando as visito.

Florença é uma cidade que não me cansarei jamais de apreciá-la, admirá-la. Ela é maravilhosa. Me sinto fazendo parte de uma pintura de um mestre da Renascença. Ela é única, personalíssima. Firenze para os italianos, floresce sempre e encanta o mundo.

 

Mesmo na paisagem natural e num pôr do sol, Firenze é arte!

Florença, Itália. Foto por Mari Weigert

Artistas do passado eram os fotógrafos de hoje. As suas obras, muitas vezes, eram feitas em troca de comida pela Igreja. Evidente que o veneziano Bartolomeo Vivarini não está neste rol. Mas aconteceu isto na Idade Média. Vale observar os detalhes das expressões fisionômicas. Beatos?

 

 

Expressão fisionômica. Detalhe de uma tela de !430, de Bartolomeo Vivarini. Natività dei santi... Foto per Mari Weigert. Accademia. Venezia.

A grande teia da vida

“Na medida em que nos relacionamos com o mundo, que vivemos com intensidade nosso dia a dia, percebemos que fazemos parte da grande teia da vida, percebemos que tudo está interligado, que existe uma inteligência divina que se expressa na natureza no cosmos e nos seres humanos”.

Regina Medina

Uma foto que mais parece uma pintura. A obra de arte da natureza. A foto captura a imagem num fragmento de segundo e a mantém eterna para nossos olhos. Por André Figueiredo. Pequenos Lençóis Maranhenses, Município de Vassouras.

O português André Figueiredo é cidadão do mundo. Viveu em muitos lugares e tem histórias para contar. Suas imagens, no entanto, falam mais que prolongadas conversas.

A função do belo que me provocou o não sei o quê! Num calor de 40 graus no Vaticano, a água é mais sagrada que as sagradas regras da instituição cristã.

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Uma carona. Foto Mari Weigert
Viver livremente. Foto Mari Weigert
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Tributo a Marie. Parte IV

A leitura não fazia parte do universo feminino no tempo em que Marie passou por esse mundo. O espaço da mulher era limitado à casa, filhos e marido.

O contos de o Legado são dedicados a Marie Weigert Wanke uma senhorinha do século XIX que adorava ler e ficou famosa na família dela por um episódio que foi contado de geração à geração de um jeito doce e bem humorado…

O legado é uma história escrita em quatro partes, Tributo a Marie, Ser Dona de Casa, eu? Viagem de Marie ao Brasil, Um resgate necessário.

Curitiba/ Ponta-Grossa, aos tempos de hoje. Século XX e XXI

É interessante observar que talentos, defeitos, estigmas de família permanecem, muitas vezes, de geração a geração e são chamados pelos psicólogos de vínculos trans-geracionais.

O livro “Meus Antepassados”, da psicóloga junguiana, Ane Ancelin Schtzenberger, que faz um estudo sobre os mitos familiares, conclui que existe de fato comprovadamente vínculos trans-geracionais.

Tempo

Aprovado cientificamente ou não, o certo é que Marie deixou marcas no coração da família. Um legado eterno. Verdadeiramente eterno porque principalmente seus netos – Eno Theodoro (que se dedicou a pesquisar detalhes da vinda dos imigrantes alemães ao Paraná e escrever um livro sobre o assunto), contaram a sua história, dessa forma, neste momento, ela encontrou espaço para permanecer no tempo.

A forma que Eno encontrou para conquistar seu público, já que tinha “veia poética” e adorava escrever livros e contos, foi “sui-generis”.

Cada exemplar publicado com recursos próprios era enviado pelo correio aos amigos e contatos, também com o frete pago e direito à dedicatória. No lançamento do livro sobre a imigração Eno confessou que gostava tanto de engenheira quanto de ser escritor e poeta. Porém, para se sustentar precisou sair de Ponta-Grossa, fazer um concurso na Petrobrás para trabalhar como engenheiro porque no interior “ninguém dá casa para engenheiro poeta construir”.

Muitos dos descendentes de Marie aceitaram a herança, sim, receberam o sinal!

A grande escritora, Lygia Fagundes Telles, que foi a terceira mulher a tomar posse na Academia Brasileira de Letras – 12 de maio de 1987, define em apenas uma frase o que sente quando escreve um livro. “A palavra é a ponte que o escritor lança para o seu próximo. Eu estendo a ponte e digo: venha”.

Eu entendo Lygia! Construo pontes por meio de palavras e as atravesso sempre, pelo simples fato de que recebi este “gosto”, este estímulo, seguindo as pegadas de Marie. Recebi dela um legado eterno!

Por isso, é para você, Marie, minha bisavó, que dedico esta história e com as palavras nela contidas, reforço as estruturas da nossa ponte e passo adiante o teu legado e, assim unidas, juntas, estendemos continuamente a ponte e dizemos a todos, venham…

  • Esse texto finaliza em quatro capítulos um episódio hilário sobre a minha bisavó (foto que ilustra o artigo é Marie e Edward na festa dos 50 anos de casado),  o Legado de Marie. Leia por ordem e se divirta com a história:  Ser dona casa, eu? Parte I ; Um resgate necessário Parte II   Viagem de Marie ao Brasil  Parte III; Tributo a Marie

 

Curitiba, setembro de 2008Mari Weigert
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Viagem de Marie ao Brasil.Parte III

Viagem de Marie ao Brasil

Breslau. Século XIX – 1879 a 1943

Quando completei  8 anos meu pai viajou para o Brasil. Vivíamos em Breslau perto dos meus avós maternos que eram açougueiros, Augusto Hänzel e Carolina Köler. Um dado peculiar: minha avó teve o cuidado de anotar os nomes e as datas de nascimento de seus 11 filhos, num livro de hinos. Ela ficou viúva com 40 anos e já tinha os 11, casou de novo e, dessa vez, não teve filhos.

Mulheres fortes estas que viveram em meu século, incluindo neste grupo, minha mãe, Anna Pauline, que era de estatura pequena, frágil, mas muito corajosa!

Nossa vida na Alemanha não era ruim. Era simples e certamente bem mais confortável que a grande aventura que passamos até nos adaptarmos e conseguirmos a estabilidade suficiente para viver melhor no Brasil.

Impetuosa

O que aconteceu, na verdade, é que mamãe, impetuosa demais, nunca se conformou em viver longe de papai. Ela já tinha em mente ir ao seu encontro desde o início. Depois, papai atarefado com seus rebites, nem tinha tempo para escrever e deixou-a sem notícias durante os meses que passou sozinho no Brasil.

Com certeza isso ajudou para que aumentasse a ansiedade dela de ir ao encontro de papai. Nada a fazia desistir da ideia, nem o fato de entregar todas as suas economias meses antes de deixar o seu país, para o seu irmão que tinha agredido um soldado prussiano, e que precisou fugir da Alemanha.

Ao contrário, trabalhou ainda com mais energia, alucinadamente, vendendo “broas” e juntando de novo dinheiro até arrecadar mais, desfazer-se de tudo e pegar os filhos, embarcar num navio e se jogar na mais louca aventura de sua vida, que a fez não voltar a viver na sua terra natal, e nunca mais encontrar com seus genitores.

Acampamento da ferrovia

Nós chegamos ao acampamento da ferrovia antes de completar um ano de trabalho do papai no local. Foi indescritível o susto que levou quando viu Anna Pauline e sua prole chegando para ficar.

Talvez, essa vivência prematura com as responsabilidades familiares, de ajudar mamãe a cuidar da casa, me fez capaz de enfrentar um casamento tão precoce. Edward sempre foi um homem de temperamento fechado, mas muito bom. Em reuniões familiares sempre relembrava os meus petelecos em tom de zombaria e brincava comigo, contava para os nossos filhos. Tivemos oito.

Era uma prole tão grande que uma vez, numa das viagens de trem, numa parada, esqueci de fazer a contagem de costume no retorno de um lanche e deixei um na estação. Foi um rebuliço geral, até que encontramos meu garoto aos prantos.

Edward Wanke

Edward sempre foi um homem inteligente, de espírito inventivo, ajudou a construir mais duas linhas ferroviárias, além de Curitiba/Paranaguá. Depois passamos a morar em Curitiba, na Rua Cândido de Abreu, ao lado do açougue de mamãe. Meu marido abriu uma ferraria e também fabricava facas industriais, utilizando-se de um segredo de têmpera de aço que estava na família há séculos.

Sempre achei que Edward foi pouco reconhecido no seu trabalho na rede ferroviária. Quando era chefe das oficinas de Ponta-Grossa, ele projetou um automóvel a vapor, a “Hildinha”, que foi inaugurado com uma festa entre amigos. Lembro que eles disseram: até que enfim o valor do nosso amigo Eduardo vai ser reconhecido!

Mas não foi. Ewaldo Krüger, seu chefe, nunca citou em seus escritos o nome do idealizador e construtor do veículo. Atribuiu a si a invenção.

Apesar da minha falta de jeito no início do casamento, tenho a consciência tranquila de que desempenhei bem o meu papel de mãe, esposa e companheira.Como você pode observar, não vivi em vão. As páginas da minha vida foram repletas de fatos, histórias, lutas e desafios.

Ajudei a nascer muitos de meus netos, e tive tanto empenho nesta tarefa divina que, em três dias consegui participar de três partos, uma neta e um neto, em Curitiba, e salvar a vida do outro, Eno Theodoro, em Ponta-Grossa.  Eno nasceu, segundo a parteira, morto com o cordão umbilical enrolado no pescoço. Um bom tapa que eu dei no seu bumbum o fez acordar para vida e salvar-se da asfixia provocada pelo cordão.

Talvez, a minha alma já sabia que o menino Eno já tinha captado o meu sinal. Além de engenheiro igual ao seu avô, foi escritor e poeta.  Eu salvei a sua vida e ele salvou a nossa história escrevendo um livro. Entende, como é maravilhoso isso, criou, escreveu não um, vários – um grande feito para mim que sempre adorei ler.

  broas – pão preto muito usado entre os imigrantes, em que se usa trigo, shorot, e centeio.

Ser dona casa, eu? ; Um resgate necessário; Tributo a Marie

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Um resgate necessário. Parte II

Curitiba, Paraná/Brasil, aos dias de hoje. Século XXI

Egon gostava demais de contar as histórias dos nossos antepassados, imigrantes que saíram da Silésia alemã (agora República Tcheca), da Alemanha e  do Império Austro-Húngaro, alguns fugidos da primeira guerra, outros que se aventuraram a ganhar mais do que recebiam numa Europa em plena recessão econômica.

A América era um eldorado, onde o ouro brotava no solo e tudo que se plantava crescia com vigor. Um paraíso na terra segundo os cartazes que se espalhavam por toda a Europa para atrair aventureiros e colonizadores para esse imenso Brasil.

Muitas mentiras e poucas verdades colaboraram para aumentar o sofrimento e a adaptação destes imigrantes que sonhavam com a prosperidade, muitas vezes achando que iriam viver na América do Norte e não a do Sul, sem a opção da volta à sua pátria.

Muitas mentiras

É fato que o primeiro navio que saiu da Alemanha, rumo ao Brasil, muitos imigrantes pensavam que iam para São Francisco da Califórnia, e aportaram depois de três meses de viagem – saindo de um inverno europeu e encontrando o verão brasileiro – em São Francisco, de Santa Catarina, região Sul do país.

Era com curiosidade e atenção que os filhos do Egon escutavam essas histórias, como se fossem contos de fadas dos famosos Irmãos Grimm, as fábulas mágicas de Sherazad, com a grande diferença que a história da minha família não era de pura ficção e, sim, relatos reais de vida, de pessoas que vieram trabalhar aqui sem saber o que iriam enfrentar num país selvagem e inexplorado.

Imigração

Assim como tantos imigrantes, os Weigert e Wanke fizeram parte da história da colonização deste Estado, que se tornou a “terra de todas as gentes” por abrigar diversas culturas étnicas. O Paraná, Santa Catarina e Rio Grande Sul receberam muitos imigrantes alemães, poloneses, austríacos e italianos.  Em parte porque o clima desta região – a Sul do Brasil – era parecido com a da Europa e isso facilitava a adaptação dos novos colonizadores, e outra, porque a abolição dos escravos criou um problema produtivo muito sério: os grandes latifundiários foram perdendo suas terras e o país precisava crescer, e para produzir precisava ser colonizado.

Wanke e Weigert

No entanto, Hermann Weigert (pai) e Edward Wanke (marido) chegaram antes deste processo e não como colonizadores sem dinheiro, sem instrução e com os únicos sonhos de aqui viver uma vida melhor. Eles vieram como técnicos, especializados, para construir o progresso e tornar realidade a ferrovia que seria a ligação entre o planalto (Curitiba) ao litoral (Porto de Paranaguá).

Eles estavam entre os operários considerados mais especializados e do pessoal técnico contratado no Império Austríaco. O Hermann, pai de Marie, nascido em 1841, em Trachtenberg, na Silésia Alemã, hoje a República Tcheca, chegou ao Brasil já contratado pela companhia francesa definida para construir a ferrovia, assim como o meu bisavõ Edward, que veio um pouco depois.

Hermann chegou com 38 anos e a função, na obra, era a de colocar os rebites nas pontes e viadutos metálicos para a junção das peças.

Edward, que chegou anos depois, serviu o exército austríaco, tendo feito lá seu curso de engenharia militar. Veio para o Brasil com 21 ou 22 anos, contratado pela Compagnie dês Chemins de Fer Brésiliens, a tal definida para fazer a obra.

Milionário

trilhos

Hermann costumava dizer que se ele tivesse ganhado um tostão por rebites que colocou naquelas estruturas de aço construídas na serra, estaria milionário. Segundo relato contido no livro de Eno Theodoro Wanke – Saga dos Imigrantes – para fazer a rebitagem numa ponte era preciso equipes de pelo menos quatro homens. Dois na forja, quer no aquecimento, quer na passagem para os rebitadores da ponte, outro manejando o fole para manter a chama em alta temperatura.

“Na ponte, dois homens se encarregavam da rebitagem, um trabalhando em frente ao outro. O transporte do rebite até eles dependia, naturalmente, da posição que ocupassem em relação à forja. Se fáceis de alcançar, os rebites eram levados, um a um, dentro de um balde por um quinto operário.

Se em posição difícil, pendurados como aranhas em lugares inacessíveis, o transporte era feito através de arremesso: um homem, utilizando balde, atirava o rebite e outro o apanhava no ar também num balde, passando-os, um a um, aos rebitadores.

E este transporte vertiginoso, por via aérea, podia ter passos intermediários, em que os operários, estrategicamente colocados, apanhavam o rebite quente com seu balde e imediatamente o passava adiante, atirando-o até ele chegar aos rebitadores. (…).

Como se vê, era essencialmente um trabalho de ferreiro. Quem olha para aqueles viadutos e aquelas pontes logo nota a imensa quantidade de rebites que ostentam. São milhares, milhões, dispostos regularmente, botões de aço abotoando as vigas umas nas outras, mantendo a solidez do todo” (…)

Estrada de Ferro Curitiba-Paranaguá

 

Foto de Fernando Bonato. Via Internet . blog: bonatogeo
Estrada de Ferro Curitiba-Paranaguá. Foto de Fernando Bonato. blog: bonatogeo

A Estrada de Ferro Curitiba- Paranaguá é uma das mais belas obras da engenharia construídas em meio às escarpas da Serra do Mar, fazendo um traçado sinuoso dentro do exuberante trecho de Mata Atlântica paranaense.

Ali, estão juntas as mãos do homem e de Deus: a floresta e a estrada de ferro.

Desta construção, cujo projeto foi considerado impossível por engenheiros franceses e que não foi adiante nas mãos de um técnico italiano, meus antepassados participaram da concretização, comandados por um brasileiro que aceitou o desafio e acreditou no impossível: o mineiro João Teixeira Soares, que tinha apenas 33 anos ao iniciar a construção.

Trechos Difíceis

Quando ficaram prontas as obras dos trechos mais difíceis e espetaculares, onde foram construídos os viadutos mais imponentes, em especial o Taquaral, grudado nas escarpas rochosas, projetado em curva com três vãos de 12 metros e um de 25 metros, 57 metros no total, o presidente da Província, Dr. Carlos Augusto de Carvalho, digníssimo presidente do Paraná visitou a obra.

A visita ocorreu em junho de 1884 e Dr. Carlos participou  de uma pequena cerimônia em que expressou seu sentimento num misto de orgulho e triunfo:

“Os americanos do sul também podem dizer agora que a palavra ‘impossível’ não faz parte de seu dicionário. Se um yankee rompe a muralha de gelo da Sierra Nevada com a férrea pata de cavalo mecânico, nós brasileiros, igualmente fazemo-lo trilhar por impraticabilidade de grandeza equivalente.”

A obra foi inaugurada em  5 de fevereiro de 1885, embora o primeiro trem a percorrer toda linha foi em 19 de dezembro de 1884.

Portanto, como é possível observar, que o pai de Marie participou deste processo que foi um marco histórico para o desenvolvimento do país. Ele chegou no Brasil já casado na Alemanha com a alemã Anna Pauline, também já tinha quatro filhos. A primeira, destes quatro filhos, nascida em Breslau, era Marie Weigert, em 8 de março de 1871.

Bolsos cheios de dinheiro

A intenção dele era de voltar à Alemanha depois da construção da ferrovia com os bolsos cheios de dinheiro. O projeto era de fazer um pé-de-meia e voltar a viver na sua pátria.

Mas tal não aconteceu porque Anne Pauline resolveu vender tudo na Alemanha, pegar os filhos e encontrar com o marido no Brasil. “Hermann quase desmaiou de susto ao vê-la. Sua vinda significava o fim das esperanças de regresso. E efetivamente, assim foi.”

 

1 Wanke, Eno Theodoro. A saga dos Imigrantes. Rio de Janeiro: Editora Paquette, 1993. P.107

2 Wanke, 1993, p. 99

3 Wanke, 1993, p. 101

4 Wanke, 1993, p. 108