O almoço dos barqueiros - Auguste Renoir

Em busca da felicidade

Faz mais ou menos uma semana que venho dando voltas em como escrever esse texto e que não pareça algo clichê, nem de autoajuda. Nunca gostei da sessão de livros de autoajuda numa livraria. Me dói ver que muita gente gasta seu tempo tentando ler autores que te dão receitas tão simplificadas da vida, burlando-se da complexidade dela e que cada um leva consigo.

E obviamente há bons e maus livros, mas uma série deles, que justamente encontramos nessa estante são versões muito simplistas da vida como se ela fosse uma receita de bolo.

Clóvis de Barros Filho

Há mais ou menos cinco anos vi um seminário do professor Clovis de Barros Filho, que definia felicidade como “um momento em que você não quer que se acabe”. Essa definição é um dos conceitos que levo para minha vida. Mas foi na semana passada, conversando com um amigo, que me dei conta de como essa definição se aplica na minha vida.

Conversávamos sobre crescimento pessoal, ambição e quando lhe soltei que a minha ambição era ser feliz ele me disse:

– Felicidade é um conceito efêmero. Defina felicidade.

E eis que me dei conta de tudo. Quando lhe disse a frase “felicidade é um momento em que não queremos que se acabe”, certas coisas cobraram sentido.

Ora essa, então o que que eu faço para ser feliz?

Dou valor a esses momentos, esses que eu me dou conta que não quero que se acabe. E de uma forma ou de outra, tento maximiza-los de tal forma, que durante o meu dia, o balance geral, será de um dia feliz. Aqui a receita de bolo não é igual para todos. Pense.

O que te faz feliz?

O meu conceito de felicidade é diferente do teu. O que me faz feliz, de repente não te faz feliz. Mas então. E se você pega essas pequenas coisinhas do seu dia a dia que te fazem feliz, e as grandes também e começa a colocar em prática. Dessa forma, você amplia as tuas possibilidades de terminar o dia relativamente feliz.

Se um café com amigos me faz feliz, me planejo todas as semanas para ter esse tempo de tomar um café com eles, seja na minha casa ou na rua. Se uma sessão de cinema me faz feliz tento ir todas as semanas no cinema. Se no trabalho falar com determinada pessoa me faz feliz, tento todos os dias passar pela sua mesa e falar um pouquinho com ela. Se uma determinada tarefa me faz feliz, tentarei realiza-la sempre que possível.

E o que me faz infeliz?

Essas coisas, fujo delas como o diabo foge da cruz.

Eu sei que muitas delas são inevitáveis, e tenho que deixar que cheguem e enfrentá-las de peito aberto. Mas as que são evitáveis, faço um esforço tremendo para não topar com elas no meu dia.

Um exemplo que tenho são as pessoas que estão constantemente se queixando, até quando as coisas vão bem para elas. São incapazes de ver o lado positivo de qualquer coisa. Prefiro evitar essas pessoas para que não terminem me passando a sua angústia.

Se tem alguma coisa que não curto fazer busco ver o lado positivo, e se não tem, faço o mais rápido possível.

As receitas são infinitas, mas o objetivo é o mesmo: maximizar esses instantes do dia que te fazem feliz. Parece simples, mas não é. Eu sei disso.

Acho que a maioria das pessoas, eu inclusive, temos dificuldade em saber primeiro o que nos alegra. Esse conhecimento pode parecer singelo mas emana uma parte de nós importante: o autoconhecimento. Conhecer-se não é fácil. Exige muito tempo de ócio. E quando digo ócio, digo de vazio, de não fazer nada e só pensar.

Platão e Sócrates

Dizia Sócrates que uma vida não examinada não vale a pena a ser vivida. Platão, discípulo de Sócrates também dizia: “conhece-te a ti mesmo”.

Nossa sociedade associa o ócio ao perigo: mal gerenciado até pode ser –muitas vezes terminamos perdidos pensando que não gostamos de nada e nem sabemos porque estamos aqui. Bem gerenciado, nos pode levar a um estado mais elevado, não superior ao dos demais, mas sim de um conhecimento maior sobre um mesmo.

Esse conhecimento te proporcionará respostas, sobre aquilo que você gosta e aquilo que te faz feliz. E nessa busca incansável, chegará um momento em que você parará e se apoiará nesse conhecimento para tomar decisões. Daí a felicidade.

Como disse Clovis de Barros, vivemos num mundo extraordinariamente competente para nos entristecer, mas aqui e ali, também capaz de nos proporcionar grandes alegrias, grandes surpresas, momentos em que nós não gostaríamos que acabasse. São esses momentos que nos damos conta e que farão da vida uma coisa digníssima de ser buscada e fantástica de ser vivida.

Saber que esses momentos vêm e vão e são essenciais para entender a complexidade do mundo. Não podemos estar constantemente num estado pleno de felicidade, assim como uma pessoa não passa a vida inteira apaixonada.

Felicidade são momentos que vêm e que vão. São momentos que se sabemos que estão passando, aprendemos a dar valor e a desfrutá-los com mais intensidade.  Daí o sentido da vida.

A busca da felicidade nada mais é que a busca desses momentos.

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Os pequenos detalhes importam

Olhe a sua volta: o que você vê? Como está o dia: faz sol, chove, neva? Esta quente, frio? Você já tomou café? Como você gosta do seu café? Como você gosta do seu café da manhã: com fruta ou sem fruta? Você gosta de ler? De sentir a grama, de ver amanhecer? Você gosta de sorrir? E de os outros sorriam pra você? E que te digam “Bom dia”, “Boa tarde”, “Por favor”, “Obrigado/a”.

Tem pessoas realmente com dons para enxergar, praticar e se alegrar com esses pequenos detalhes. Parece pequeno, minúsculo e às vezes muita gente não dá importância. Pois deveriam: só pelo fato de que te faz mais feliz.

Rir, dançar, tomar banho….

andar, sentir a grama, tomar sol, conversar. Se vida fosse feita só desses momentos já seria maravilhosa!

Mas o que são esses pequenos detalhes, que como muita gente diz, faz toda a diferença?

São estas pequenas coisas que aparecem no nosso dia a dia, que já estão incluídas na bagagem, no trajeto, e que pouco ou nada prestamos atenção. Desde o momento que acordamos até o momento que vamos à cama, passamos pelo dia sem notar um nada de diferente, sem sentir prazer em aquilo que um dia nos fazia sorrir.

São as pequenas coisas da vida.

São aqueles detalhes que parecem que não tem importância, mas quem sabe, se você der importância, pode mudar completamente o jeito que você vê a vida.

Me lembro  de uma vez, ao voltar de carro com uma companheira do trabalho que vivia em Madrid (faz anos) e que ela não se cansava de observar a arquitetura da cidade e o quanto era bonita Madrid. Me lembro que no carro, um dia, ela me disse: olha que bonito o pôr do sol essa hora que voltamos do trabalho! Fiquei realmente atônita com a frase, porque me admirei em ver a sua percepção. Celia estava todos os dias admirando as coisas simples da vida.

Prazeres simples

O prazer que um pode sentir em tomar o seu café, em ir no parque, em ler um livro, em sentir a grama podem fazer toda a diferença em como um encara a vida. São coisas baratas, low cost, mas não significam que por serem baratas perdem seu sentido. Sentar e conversar com um amigo, ter um momento de risada gostosa,  estar o dia todo no sofá vendo filmes: por que não?

Temos a mania de pensar que uma pessoa que vai de férias à Grécia, que se hospeda num hotel 5 estrelas, está aproveitando mais que nós que estamos em casa. Não tem porque; claro que todos nós queremos ter a possibilidade de ir a Grécia e estar num hotel 5 estrelas, mas aproveitar o momento, seja onde for, vai de cada um.

Sem celular

Faz pouco tempo, comecei a deixar o celular em casa quando ia a aula de pilates. A academia deve estar uma meia hora andando da minha casa e gosto de fazer esse caminho tanto no verão como no inverno. Aproveito para ver a luz do dia ou da noite e de ir pensando com os meus botões sobre o que quer que seja.

Não quero estar pendente de nada, nem de ninguém, porque esse é o meu momento. Vou observando o parque, as crianças, as janelas, as luzes acesas dos edifícios da rua Principe de Vergara. Vou andando, escutando música, fazendo daqueles pequenos momentos, um pequeno momento para desfrutar da vida.  Uma trilha sonora que enquadra a vida da Jaque.

O mesmo faço quando tenho meu sábado de manhã livre: adoro essa sensação de ficar na cama com um livro, de ir à cozinha só para fazer café. Principalmente no inverno… estar lendo na cama, vendo a neve cair pela janela é uma sensação única. Na verdade, nesse momento não me questiono nunca se alguém está se divertindo mais do que eu, ou se está desfrutando mais desse momento.

As coisas simples da vida dão significado a nossa existência e por isso pessoas que sabem apreciá-las são mais felizes. Noto muito à minha volta esse tipo de pessoas, e tento aprender com elas: quando me falam sobre a luz, sobre o bonito do dia, ou bonita que você está, o amanhecer, o anoitecer. Tem pessoas que riem e sorriem com qualquer coisa – e que bom é ser assim. E que contagiante é ter pessoas assim do teu lado. Saber que esses pequenos prazeres são capazes de alegrar o teu dia é gratificante.

O importante é a atitude!

Num mundo em que todos os dias acontecem coisas que deploráveis, que são capazes de te afetar, é um alívio saber que um café, um sorriso, um beijo são gestos capazes de transformar o teu dia. Como se diz aqui na Espanha, o importante é a atitude!

E é isso mesmo. Atitude! Atitude diante da vida: encarar os problemas e desfrutar do melhor que ela tem para oferecer.

Ao dar nos conta dos pequenos detalhes, esses pequenos detalhes à nossa volta, conseguimos enxergar além do nosso dia a dia, dos nossos problemas e da rotina que nos prende à vida. Os pequenos detalhes fazem com que o nosso entorno se torne mais humano e mais poético, e por onde, somos mais felizes.

É tao bom saber que muita gente é capaz de dar importância a estas coisas, capazes de transformar o cotidiano de muita gente com um simples gesto.

A vida está cheia de tarefas, nossa agenda está cheia de compromissos. Nos movemos e fazemos muitas coisas no piloto automatico. Que tal fazer uma pausa?! Que tal dar marcha ré?! Quem sabe diminuir a nossa velocidade faz com que a gente se dê conta de muita coisa à nossa volta que não dávamos antes.

E começamos a escrever a poesia da nossa vida!

 

Leggendo - Ricardo Cejudo Nogales ( Espanha, 1952)

Biblioterapia come trattamento di cura

Fin da quando sono arrivata in Europa ho affrontato una serie di problemi che mai avevo provato prima. Mi ricordo sempre del sentimento di orgoglio e paura ogni volta che ero di fronte a qualcosa di nuovo. La lingua, la cultura, la distanza erano indubbiamente difficili, ma ancora più difficile era affrontare questi sentimenti che turbinavano dentro di me e, sicuramente, non sapevo come erano arrivati o come erano scomparsi.

Avevo 20 anni, ero in un nuovo paese e nessuno mi aveva spiegato quanto siamo inconstante e anche o quanto vulnerabili possiamo essere e, intanto è normale questa sensazione. Non che fosse il dovere degli altri spiegare ciò che mi è stato di fronte, anche perché la maggior parte delle persone non capisce nemmeno cosa sta succedendo con loro.

Ma è vero che quello che ho vissuto, non in forma di esperienza ma di sentimenti, ognuno ha vissuto o vivrà un giorno. E dal momento che viviamo in un mondo che ci impegna ad essere coesivi e coerenti, finiamo per non parlare mai sul questo e diventiamo a pensare che siamo gli unici che ci sentiamo in questo modo.

Un mondo e culture diverse

Il mio soldi era poco. Non aveva nemmeno per andare allo psicologo e doveva affrontare i problemi, uno per uno, senza procrastinare o scappare da loro. Lavoro, denaro, amore, abbigliamenti, conti … la vita all’estero non era differente dalla vita in Brasile. Ci troviamo di fronte alle stesse situazioni ogni giorno, solo in un contesto diverso, in una cultura differente della nostra e con forme complesse di comportamento in un primo momento.

E’stato il momento che mi sono rifugiato nei libri, neanche sapevo lo perché di questo comportamento, ma come sempre leggere è piacevole a me, ho visto nei libri una forma di ozio senza costo nessuno  e molto saldabile. Come il mio inglese era debole, ho concluso che leggendo in un’altra lingua mi ha fornito le conoscenze e gli strumenti per affrontare la vita quotidiana – a quel tempo cercavo solo una maggiore fluidità della lingua, del vocabolario e  capire bene le strutture semantiche della lingua.

Naturalmente questo era solo l’inizio. Quanto più leggevo e meglio ho sviluppato il mio vocabolario, anche ho cominciato a rendermi conto dell’importanza della letteratura in altri contesti: la lettura dei classici mi forniva conoscenza sulla cultura che nessuno poteva spiegare. Riuscivo a fare confronti con i personaggi del romanzo e inserirli nel contesto attuale. Wow, quanto si impara sulle persone leggendo.

Leggendo i classici

È curioso, ma nessuno parla veramente del tempo risparmiato capendo una cultura o certi comportamenti leggendo i classici dallo paese. E’ più che uno strumento semantico, la letteratura mi ha aiutato a comprendere le culture, e con questo mi hanno dato le idee su come interagire con le persone. I racconti di Dickens, Allan Poe, Chekov,  Beckett, Joe Osborne o addirittura Harold Pinter mi hanno fornito conoscenze storiche su un’era e allo stesso tempo conoscenza su come le persone sono da lì.

Oltre ad essere piacevole la storia, ero capace di vivere la vita più intensa di ciascuno dei personaggi. Voleva bene loro e capiva i loro problemi meglio da quando un amico raccontava il suo. È così che ho cominciato a capire i problemi delle persone che mi circondavano. Ognuno che mi ha parlato da qualche problema, preoccupazione o afflizione, ho coscienziosamente cercato nei libri, il modo di fare un parallelo tra la vita del personaggio e la vita di quella persona per dare opzioni su come affrontare una certa situazione.

Biblioterapia

Ho avuto amici che mi hanno chiamato direttamente e ho chiesto se avessi delle risposte nei libri che ho letto. Erano sessioni di biblioterapia in ogni regola.

Ma l’empatia non si trova solo negli altri, ma anche in se stessi. La comprensione e l’empatia con voi non è facile, ma è senza dubbio necessario. Ho capito molto sui miei comportamenti e sentimenti leggendo Milano Kundera, Tolstóis, Clarin e Machado de Assis.

Milan Kundera

Kundera era lo più importante di loro.  Deve essere perché in due anni ho letto tutte le sue opere. Non sono stato in grado oggi di trovare un tale scrittore tratta con tanta sensibilità sulla miseria umana e sul comportamento improprio che abbiamo semplicemente perché non siamo sinceri con noi.

Un giorno, quando stavo parlando con un amico al telefono, lo dice che stavo aiutando a risolvere un problema d’altro amico e cercavo nei libri alcune risposte al dilemma. Lui ha cominciato a ridere e mi ha detto:

– Se vivi molte vite con libri.

Aveva ragione. Era questo la chiave di tutto. I libri mi hanno dato la possibilità da vivere molte vite, da conoscere molte storie e contesti, di essere molte persone diverse, da avere problemi che non ho mai avuto, da sperimentare i sentimenti che non conosco e più che ciò, di comprendere la razza umana in tutta la sua pienitudine e complessità .

Siamo esseri diversi, pensiamo diversamente, agiamo in modo diverso e ci comportiamo in modi diversi. I libri parlano su tutti questi personaggi: dal rapitore al ladro di pollo, dall’amante innamorato di due persone diverse, alla donna devota, al marito infedele, al figlio obbediente, alla controversa, alla zia vendicativa.

Nei romanzi, i personaggi non sono mai lineari. La loro complessità li rende reali e possiamo vedere in loro uno specchio delle persone che abbiamo intorno a noi o noi stessi.

  Circa due anni fa ero a Londra presso la Scuola di Vita facendo un corso di biblioterapia. Questo corso si trattava esatamente su quello che scrivo su come la letteratura è stata in grado di aiutarci a comprendere i nostri problemi, i nostri sentimenti e come dovremmo usarla per un processo di auto-aiuto e conoscenza di sé.

Mondo complesso

Viviamo in un mondo complesso, ogni volta più veloce e che ci ritirano minuti della nostra vita nel modo più basso possibile. Comprendere noi stessi e il nostro ambiente è un compito praticamente impossibile in questo mondo iper-frammentato e postmoderno in cui viviamo.

La lettura è un modo per contrastare questo tempo perso e fare che quelle ore  davanti a un libro diventano una conoscenza intrinseca di come vivere  con sé stesso e con gli altri.

Stiamo cercando il tempo perso…

*Jaqueline D’Hipolito Dartora è giornalista brasiliana laureata in Giornalismo presso l’Università di Santiago di Compostela. Una giornalista per vocazione che ha vissuto in molti paesi (Brasile, Portogallo, Inghilterra, Spagna), in cerca di sfide. Attualmente lavora in marketing di Tyco Integrated Fire & Security (parte del gruppo Johnson Controls) come Campaign & Sales Enablement Manager Continental Europe, anche la scrittura sia la sua vera passione. E anche il mondo del vino. Inoltre, è dedicata alla promozione di forme di vita più sostenibili, come l’uso della bicicletta a Madrid, collaborando con il blog “Muévete en Bici por Madrid”. Collabora con alcuni blog e scrive storie brevi in inglese, portoghese e spagnolo.

 

Leggendo - Ricardo Cejudo Nogales ( Espanha, 1952)

Biblioterapia

Desde que cheguei na Europa enfrentei uma série de problemas que nunca tinha vivido antes. Me lembro bem desse sentimento de orgulho e medo ao mesmo tempo que vivenciava toda vez que enfrentava algo novo. A língua, a cultura, a distância sem dúvida foram difíceis, mas mais difícil ainda foi lidar com esse turbilhão de sentimentos dentro de mim que não sabia nem como chegava nem como desaparecia.

Eu tinha 20 anos, estava num país novo e ninguém tinha me explicado sobre o inconstante que somos, o vulnerável que podemos ser e sobre a normalidade disso. Não que era obrigação dos outros explicar o que eu me estava deparando, até porque a maioria das pessoas nem mesmo entendem o que se passam com elas.

Mas é certo que o que eu vivi, não em forma de experiência, mas de sentimentos, todo mundo já viveu ou vai viver um dia E como vivemos num mundo que nos cobra ser seres coesos e coerentes, terminamos nunca falando sobre isso e passamos a pensar que somos os únicos que nos sentimos assim.

Um mundo e culturas diferentes

Meus recursos eram escassos. Não tinha dinheiro para ir ao psicólogo e tinha que enfrentar os problemas, um a um, sem procrastinar ou fugir deles. Trabalho, dinheiro, amor, despido, contas… a vida no estrangeiro não tem nada diferente da vida no Brasil. Enfrentamos as mesmas situações a diário, só que num contexto diferente, numa cultura alheia a nossa e com formas de comportamento complexas num primeiro momento.

Foi nessa época que me refugiei nos livros, nem sei bem para que realmente, mas como sempre gostei de ler, vi neles uma forma de ócio barato e saudável. Como meu inglês era fraco, ler em outra língua me proporcionava conhecimento e ferramentas para enfrentar o dia a dia – nessa época, só buscava mais fluidez no idioma, vocabulário e entender bem as estruturas semânticas da língua.

Claro que isso foi só o começo. Quanto mais lia e melhor desenvolvia meu vocabulário, comecei a perceber a importância da literatura em outros contextos: ler os clássicos me proporcionava conhecimentos sobre a cultura que ninguém era capaz de me explicar. Conseguia fazer comparações com os personagens da novela e inseri-los contexto atual. Nossa, o quanto que se aprende sobre as pessoas lendo.

Leitura dos clássicos

É curioso, mas ninguém realmente fala sobre o tempo que você economiza entendendo uma cultura ou certos comportamentos lendo os clássicos de um país. Ou seja, mais que uma ferramenta semântica, a literatura me ajudou a entender culturas, e com isso me deu ideias de como interagir com as pessoas. Os contos de Dickens, Allan Poe, Chekov, as peças de teatro de Beckett, Joe Osborne ou mesmo Harold Pinter me proporcionaram conhecimentos históricos sobre uma época e ao mesmo tempo, conhecimento sobre como as pessoas que são dali.

Além de desfrutar dos contos, era capaz de viver da forma mais intensa a vida de cada um dos personagens. Empatizava com eles e entendia os seus problemas melhores que quando um amigo te conta os seus. Foi assim que comecei também a entender os problemas das pessoas que me rodeavam. Cada um que me contava algum problema, preocupação ou aflição, eu buscava nos livros de forma consciente, a maneira de fazer um paralelo entre a vida do personagem e a dessa pessoa para dar-lhe opções de como enfrentar determinada situação.

Biblioterapia

Tive amigos que já me ligavam diretamente e perguntavam se tinha algumas respostas nos livros que eu lia.  Eram sessões de biblioterapia em toda regra.

Mas a empatia não reside somente nos outros, mas também consigo mesmo. Entender-se e empatizar consigo não é fácil mas, sem dúvida, é necessário. Entendi muito sobre meus comportamentos e sentimentos lendo a Milan Kundera, Tolstóis, Clarin, e Machado de Assis.

Milan Kundera

Kundera foi o mais importante deles, deve ser por isso que em dois anos li toda a sua obra. Ainda hoje não fui capaz de encontrar escritor com tamanha dimensão sobre a miséria humana e os comportamentos errôneos que levamos a cabo pelo simples fato de não sermos sinceros conosco.

Um dia, quando falava com um amigo no telefone, lhe disse que estava ajudando a resolver um problema de um amigo e buscava nos livros alguma resposta para o dilema. Ele começou a rir e me disse:

_ Se vive muitas vidas com os livros.

Que razão tinha. Era isso a chave de tudo. Os livros me davam a possibilidade de viver muitas vidas, conhecer muitas histórias e contextos, de ser muitas pessoas diferentes, de ter problemas que nunca tive, vivenciar sentimentos que desconheço e mais do que isso, entender a raça humana em toda sua plenitude e complexidade.

Somos seres diferentes, que pensamos diferentes, atuamos diferente e nos comportamos de formas diferentes. Os livros recorrem todos esses personagens: desde o violador até o ladrão de galinhas, desde o amante apaixonado por duas pessoas diferentes, até a mulher devota, o marido infiel, o filho obediente, o conflitivo, a tia vingativa.

Nos romances, os personagens nunca são lineais. Sua complexidade faz com que sejam reais e possamos ver e neles um espelho das pessoas que temos às nossas voltas, ou nós mesmos.

Faz uns dois anos estive em Londres na The School of life fazendo um curso de Biblioterapia. Esse curso de tratava justamente sobre o que escrevo: sobre como a literatura era capaz de ajudar-nos a entender nossos problemas, nossos sentimentos e como deveríamos utiliza-las para um processo de ajuda e autoconhecimento.

Mundo complexo

Vivemos num mundo complexo, cada vez mais veloz e que nos quitam minutos da nossa vida da forma mais rasteira possível. Entender a nós mesmos, e o nosso entorno é uma tarefa quase impossível nesse mundo hiper-fragmentado e pós-moderno que vivemos.

Ler é uma forma de contra arrestar essa perdida de tempo e fazer com que essas horas diante de um livro se tornem conhecimento intrínseco sobre a melhor forma de viver e de conviver consigo mesmo e com os outros.

Estamos em busca do tempo perdido.