Nascer do sol em Pézenas

Balance 2017. Rumo 2018

Fim de ano e é hora de fazer balance. Tem gente que nunca faz isso, até porque se deprime com o ano que passou. Eu faço todos os anos, pelo menos para ter uma ideia de como foi, os aspectos que devem melhorar e as coisas que conquistei. No fim das contas sempre temos pontos positivos e negativos.

2017 está acabando e é hora da revisão. Essa frase parece fim de telecurso 2000 mas ela é séria.

Fazer balance não significa ver o êxito ou o fracasso que foi a ano anterior. Fazer balance significa olhar para trás e saber reconhecer tudo com humildade, visão crítica e olhar para frente sabendo o que devemos fazer para melhorar ou para manter aquilo que foi conquistado.

2016 foi um ano turbulento para mim. 2017 foi o grande êxito da minha vida, que não seria possível se eu não tomasse decisões no ano 2016. Fazia muito tempo que eu dizia pra mim mesma o que eu deveria fazer para ter uma vida satisfatória e de certa forma esse ano foi minha grande conquista.

Não conquistei grandes coisas na visão de outras pessoas: sigo no mesmo trabalho, não aumentaram meu salário, nem me deram uma super-promoção, coisa que aconteceu em 2016. No entanto, conquistei minha liberdade, meu saber estar só e feliz comigo mesma. Conquistei amigos, redescobri a escrita e a leitura, fiz voluntariado, viajei, aprendi francês, participei no projeto WWOOF, aprendi a fazer vinho, comecei uma pós-graduação em Marketing do Vinho e montei minha própria pagina web.

Li, li e li. Até agora levo um balance de 38 livros lidos no ano. E vou a caminho do número 39. Praticamente não vi TV, só o jornal. Voltei a fazer esporte: pilates, escalada e trilhas em paisagens lindos. Aprendi a dançar salsa… bom, só um pouquinho, e a desfrutar do nascer e por do sol.

Tive momentos conturbados também, de difícil digestão, mas que foram enfrentados da forma mais positiva que pude, e nisso ando muito orgulhosa. 2017 foi um ano que cresci como pessoa. E nisso, posso dizer que foi a grande conquista. A conquista que durante anos estava em busca e que não era capaz de fazer por algum motivo que me impedia. Esse ano foi redondo, bonito e feliz. Não estive doente nenhum dia, e até reduzi o colesterol. (risos)

Foi engraçado que ontem estive no médico fazendo minha bateria de exames anual. A enfermeira pergunta sobre tudo: hábitos saudáveis, comida, bebida, relações sexuais, problemas sociais, familiares ou laborais, etc, etc e tal. Depois de responder tudo, quando me perguntou sobre meu nível de auto-estima comecei a rir e disse:

-Nas alturas.

Quem lê isso deve pensar: que pretensiosa. Não vou negar. Minha grande pretensão de ser feliz faz com que a minha auto-estima esteja lá no céu.

2018 pode melhorar? Com certeza!!! Esse caminho não tem volta e como dizia Clovis de Barros Filho, para trás nem para pegar impulso. Agora tudo consiste em focar nos objetivos e nas realizações. Não que tudo seja fácil. Posso escrever esse post super feliz mas sei bem que chegar aqui não foi um mar de rosas… deve ser por isso que ando mais e mais feliz com o balance do ano.

Quando tudo vai bem é difícil ver o lado positivo, porque de certa forma damos por sentado que ele existe. Mas quando as coisas não vão bem e finalmente vemos a luz no fim do túnel, o prazer de sair dele é a eterna recompensa de quem sabe o verdadeiro significado da felicidade.

Não tenho mais que agradecer por esse ano, por tudo que passou e por todas as pessoas que estiveram sempre incondicionalmente do meu lado. Não tenho mais que agradecer por tudo que me deixaram fazer, e o muito feliz que fui. 2017 foi um ano intensamente vivido: cada hora, cada minuto, cada segundo. Quem sabe o ano que vivi mais o presente que ninguém. E o ano que esses minutos presentes foram realmente um presente.

Desafios 2018:  o mais difícil já está lançado – seguir com essa atitude positiva. Com objetivos e metas com certeza, mas desfrutando de cada pequena conquista, de cada pequeno detalhe, de cada minuto que me deram para tirar proveito dessa fração de tempo que chamamos vida.

Desejo-lhes, do mais fundo do meu coração um feliz 2018, cheio de alegria, paz de espírito, vinhos e muitos momentos de felicidade. Momento esses que não queremos que se acabe nunca, momentos que sabemos que dão significado a tudo aquilo que buscamos. Que a colheita 2018 seja próspera, e que plantemos muitas sementes de felicidade, amor e carinho nesse mundo desiludido com tudo.

Que a nossa vinda ao mundo não seja em vão. Que ela seja um pequeno átomo de felicidade que faça a diferença. Não pense grande, senão pequeno. Tuas pequenas atitudes diárias movem montanhas. Isso é o importante. Dar significado a esses pequenos momentos que os fazem sorrir.  Feliz e próspero 2018!!!

Voluntarios deTe invito a cenar

Convido-te a jantar

Acho que muita gente sabe que esse ano não fui capaz de comprar passagens para o Brasil para o Natal. Estava já fazendo a ideia de ficar em casa e pela primeira vez na minha vida, não celebrar. Cheguei a pensar em trabalhar e quem sabe ganhar um extra nessas festas, mas a minha amiga Nadya me deu uma ideia muito melhor: fazer voluntariado.

Comecei a buscar várias opções, mas infelizmente não encontrei nenhuma delas na noite de natal. Isso não significa que não encontrei em outra data. Foi nessa busca que encontrei o projeto “Te invito a cenar”; um projeto dedicado, todos os anos, a fazer uma janta especial para 500 famílias com poucos recursos.

Te invito a cenar
Te invito a cenar

Faz muito tempo que venho pensando em fazer voluntariado e, sinceramente, como tenho a agenda escassa nunca encontro tempo suficiente para me dedicar a este tipo de projeto. “te invito a cenar” é um projeto pontual, em que você escolhe o melhor turno para trabalhar e ajudar a preparar a janta para essas família.

Vários chefes de cozinha espanhóis se juntam e se dedicam a organizar o menu para toda essa gente. Para isso conta com as doações das grandes empresas, das pessoas e da boa vontade dos muitos voluntários que se apresentam para o projeto.

Quando encontrei essa opção na internet, vi como funcionava, e era bem simples. Uma transferência bancaria de 20 euros e enviar o formulário preenchido com os dados, o comprovante de ajuda e os horários que melhor se acopla a sua agenda.

Escolhi o domingo de tarde. Das 16:30 até as 24:30. E posso contar que foi toda uma experiência. São mais de 500 voluntários que vão durante 3 dias a ajudar a organizar e montar o evento. Pessoas que ajudam na compra, os que ajudam a montar as salas, os que ajudam na cozinha e os que ajudam a servir. Eu fui para ajudar a servir. Tínhamos uma apresentação no início da jornada para explicar todo o protocolo. Nos vestíamos de preto, e tínhamos ordens de como servir o vinho, de como servir os pratos, de como recolher o primeiro prato e colocar o segundo, de como sorrir, enfim, de como fazer com que esse dia seja especial para aqueles que vêm jantar.

Te invito a cenar - organização do evento
Te invito a cenar – organização do evento

Os organizadores disseram que esse ano muita gente mais que o ano passado se voluntariou, o que faz os trabalhos deles serem bastante mais amenos. E que gente: era uma concentração de gente maravilhosa, gente dada a ajudar. Cada um que eu falava, naturalmente soltava um sorriso. Muita gente repetia de ano. Vi famílias inteiras se voluntariando.

 

Outra coisa que me chamou muito a a atenção foi as famílias que ali estavam. Todos super agradecidos pela janta. Algumas ONGs presentearam brinquedos para todas as crianças dali. Tivemos cantores, discurso de todos os involucrados, uma mensagem do Bispo de Madrid e canções de natal no final da jornada.

Foram oito horas de trabalho que não vi passar. Estava morta e com muita fome. Depois do evento, teríamos um jantar aos voluntários, que infelizmente não fui porque tinha análises de sangue no outro dia.

A experiência foi tão boa que se posso, pretendo ajudar nos próximos anos. É um grande momento para pensar aonde estamos e agradecer o que temos. É um grande momento para praticar gentileza.

Sei que muita gente pensa que essas coisas não se devem contar, sei que muita gente pensa que voluntario se faz baixinho e em silêncio. Eu sinceramente penso que devemos gritar a todos os cantos que fazemos: não para que as pessoas pensem que somos boas, mas para que se motivem a seguir a corrente e se inspirem com exemplos de pessoas de carne e osso que se propõem a fazer.

E se você não pode, pense em outras muitas maneiras de ajudar: doe sangue, doe alimentos, doe órgãos. Pratique gentileza.

Te invito a cenar
Te invito a cenar

Fiquei maravilhada em ver famílias inteiras ali, e emocionada em ver como as pessoas doam seu tempo sem pensar. A quantidade de jovens, de gente entre seus 16 e 25 anos que estavam ali, mostra que quem sabe temos uma geração mais humana vindo por aí, com vontade de ajudar e que mais além de buscar a sua missão no planeta, se dedicam a fazer pequenas coisas que vão mudando o quotidiano de muita gente.

Eu fiz, e espero que esse seja o começo de muitos outros anos em que possa ajudar a tais iniciativas.

Publicidade da máquina de escrever Olivetti Valentine 1969

Por que escrevo

Difícil explicar porque pensei em escrever esse artigo. Mas o fim do ano está chegando e é inevitável não começar a fazer um balanço anual. Tenho muitas coisas para analisar, sem dúvida, e uma delas é a minha relação com a escrita esse ano.

Acho que esse foi o ano que mais escrevi de todos. Não consigo pensar na época da escola, ou da faculdade que também escrevia bastante. Mas no meio de tanta atividade, sei que usei muito tempo meu para me dedicar a duas atividades que eu amo: a leitura e a escrita. Como a leitura devo fazer um análise mais profunda em outro post, neste de hoje, quero deixar claro o bem que foi escrever durante este ano e poder compartilhar um pedacinho meu com vocês.

Já dizia a minha amiga Franzie que 2017 ia ser o ano das surpresas. E como. Acho que nunca pensei que realmente seria capaz de fazer tantas coisas, que exigem tempo e concentração. Mas parece que sim. Desde que a Mari me convidou para colaborar no Pan, vi uma oportunidade única de parar e escrever. Quem conhece o Pan há tempo sabe que comecei a escrever em 2014 quando reencontrei a Mari em Roma.

Naquela época tentei ser mais regular com a escrita e infelizmente não foi possível. Esse ano foi curioso. Desde que fui a morar sozinha e dispus de mais tempo para organizar aquilo que eu gosto de fazer, a escrita apareceu sozinha. Muitos dias eu queria ficar em casa ou lendo ou escrevendo. E pouco a pouco, a regularidade e a disciplina tomaram conta de mim. Cada livro que terminava, me dava ideia para escrever algo mais. Cada conversa que tinha, me proporcionava pensamentos que queria plasma-los numa folha de papel. E assim, sem querer, pouco a pouco, fui sentando diante do computador, da minha máquina de escrever, e as ideias iam saindo.

E de repente, não mais que de repente, me dou conta que estou vivendo um deja-vu. De repente me sinto identificada com aquele texto tão lindo da Natalia Ginzburg chamado “meu ofício”. E eis que escrever é o meu ofício. Dar vida as palavras e poder encantar pensamentos com frases. Não que escrever valha algo para os outros…

“Meu oficio é escrever; e o conheço bem e já faz muito tempo. Confio que não se me interpretará mal: não sei nada sobre o valor do que eu posso escrever. Sei que escrever é o meu oficio” (Natalia Ginzburg – Meu oficio).

Para mim vale muito. E tenho que agradecer a internet por existir e permitir que eu dê voz aos meus pensamentos. Eis que escrever é a minha terapia. Mais que a leitura, mais que a biblioterapia. Encontro conforto na escrita, e soluções para muitos problemas. Escrevendo sou mais feliz. Simplesmente porque desfruto do que eu faço.

Meu ofício é a escrita, mesmo que ela não seja útil ou me dê comer. É nesses momentos do dia, em que eu escrevo, que noto, uma vez mais, que o dia vale a pena, que a vida vale a pena. E agora, enquanto os meus dedos deslizam sobre o teclado, sei que sou mais feliz que nunca, porque aqui, estou em uma constante, realizando uma atividade que me proporciona prazer.

Escrever me permite ser mais feliz, me permite ser mais equilibrada, me permite ver e rever as minhas perspectivas, analisar meus erros e buscar soluções, se há. Não busco transcender em palavras, apenas me sentir bem comigo mesma. E eis que quando escrevo a televisão do mundo se apaga e é apenas eu, meus pensamentos e as palavras.

Hoje em dia, não saberia fazer outra coisa sem a escrita. Porque noto o bem que me faz, porque noto que a Jaqueline que escreveu no começo de 2017 e a de hoje já não são a mesma. Porque noto a mudança nas atitudes e nas palavras, nas formas, nas estruturas. Eis que a escrita me permite ver a minha evolução, como pessoa, no meio de um mundo que muda todos os dias.

A escrita me trouxe conforto nos dias ruins, naqueles que pareciam que o mundo ia acabar. E me permitiu usar a imaginação e escrever um desfecho diferente, mais bonito e florido, como nos contavam quando éramos crianças.

“O meu ofício é escrever histórias, coisas inventadas ou coisas que recordo de minha vida, mas sempre histórias, coisas que não têm a ver com cultura, mas somente com a memória e a fantasia. Este é o meu ofício e o farei até a morte”. – (Natalia Ginzburg – Meu oficio)

Hoje lembro, que já quando aprendi a escrever, a juntar palavras, queria ter um diário. E escrever sempre nele. Pensava nas pessoas que contavam a sua vida, o seu dia naqueles livros intermináveis. Perdi as contas de quantas vezes comecei um diário e desistia lá pelos meios de abril. Lembro do meu primeiro diário e quantos erros gramaticais tinham, um hoje sem H, não sabia onde ia a CH, o X, o S ou os SS ou mesmo a Ç. Quanta graça pode ter o pensamento de uma criança; que bonito ela poder ver a vida.  Eis que aqui, sem saber, o meu oficio começava.

“E, se nós mesmos tivermos uma vocação, se não a traímos, se continuarmos a amá-la no decurso dos anos, a servi-la com paixão, podemos manter longe do coração, no amor que sentimos por nossos filhos, o sentimento de posse. Porém, se não tivermos uma vocação, ou se a tivermos abandonado e traído por cinismo, ou medo de viver […] então nos agarramos aos nossos filhos como um náufrago ao tronco de árvore, pretendemos vigorosamente que nos devolvam tudo o que lhes demos, que sejam absoluta e implacavelmente tais nós os queremos, que obtenham da vida tudo o que nos faltou”. – (Natalia Ginzburg – Meu oficio)

E tive muitos momentos de crises de identidade e de aprender a escrever. Ouvi muita gente dizer que não escrevia bem, que não ia aprender nunca. Ouvi gente que dizia que progredia, mas que não acreditavam que queria escrever.

Escrever em outra língua também foi o grande desafio. Tive uma professora de língua espanhola, que na sua maior sinceridade me disse que eu nunca ia escrever bem. E eis que de certa forma consegui. Talvez não no nível que ela quisesse, mas certamente aquela crítica me motivou a ir à biblioteca e passar horas estudando e desenredando os mistérios da gramática espanhola.

Não queria realmente provar nada a ninguém, nem provei nada e ela porque nunca mais a vi. Nem a ela nem a muitos professores que cruzaram meu caminho. Tenho até carinho por eles terem sido tão sinceros comigo. Muitas pessoas desistem no meio do caminho… minha persistência veio daquela paixão que eu sabia que eu tinha. E de certa forma, para chegar até ali, tive que enfrentar as minhas limitações. Meus diários são reflexo do meu progresso, na escrita e como pessoa, na evolução de quem fui e hoje quem sou, no amadurecimento da mulher que aqui se apresenta: com inseguranças e desejos como todos… mas de peito aberto para enfrentar.

Hoje sei que a escrita, sem dúvida é o meu oficio; a minha praia, o que eu mais gosto de fazer. Aquilo que me proporciona conforto nas horas difíceis e mais alegria no decorrer do meu dia. E tenho a certeza de que seguirei escrevendo, assim como Natalia, até o dia da minha morte. Se ninguém quiser ler, paciência… já estarei contente em escrever para mim mesma.

Nelson Rodrigues - Foto de elpais.com

Nelson Rodrigues e a Tragédia Carioca

Essas últimas duas semanas foram um pouco peculiares em relação as minhas leituras: li seguidas cinco obras do mesmo autor. Não sei se foi uma neura, uma obsessão, mas Nelson Rodrigues me pegou pelas pernas; ou melhor, pelos olhos.

Voltar a ler em português, ver de novo a minha língua e entender o panorama brasileiro  e o comportamento da nossa sociedade foram um dos motivos que um livro me levava ao outro.

Esse ano já tinha lido, pela primeira vez, O Beijo no Asfalto, umas das obras míticas quando falamos em teatro brasileiro e crítica a hipocrisia nacional. Durante o ano, li umas tantas outras obras em português, também bastante ácidas e com muita crítica. Quincas Borba, de Machado de Assis é um claro exemplo de uma crítica a hipocrisia humana.

Obras

valsa n6 viuva porem honesta vestido-de-noiva anti nelson rodrigues a mulher sem pecado

Foram cinco obras que me dediquei a ler estas últimas duas semanas: A Mulher sem pecado, Vestido de Noiva, Valsa nº6, Viúva, porém honesta e Anti-Nelson Rodrigues. Em todas elas pude detectar um elemento em comum, que ao contrário do que muita gente pensa não é são os temas clichês em torno da obra (homossexualismo e adultério) senão de como era, se comportava, a sociedade brasileira entre os anos 40 e 60.

Levei essas obras a casa de um amigo e fiz uma narração em voz alta. Quando lhe contei os anos que estas obras foram apresentadas no Brasil, ele não acreditou. Ora, nos anos 40, aqui na Espanha, com a ditadura Franquista, estas obras estariam proibidíssimas. Coisa que mais tarde passou no Brasil com o decreto AI5.

Análise

Todos os seus diálogos, todas as suas obras, mostram o comportamento de uma sociedade preconceituosa e machista ao extremo. Temas como a negação do homossexualismo, a submissão da mulher, a violência de gênero aparecem na sua obra da forma mais sórdida e latente que chega a ser um tapa na cara em cheio na cara daquela sociedade. Pensemos que elementos que hoje estariam mais que reprováveis pela nossa sociedade eram coisas comuns há uns 50/60 anos atrás.

Esses temas, que hoje já não são falados nem questionados por muitos, são essenciais para entender como se constrói uma sociedade e uma cultura. Analisá-los, lê-los podem nos proporcionar perspectivas diferentes de como nós cremos que é uma sociedade e como ela realmente é ou foi. No caso do Brasil, estou mais convencida que ela foi, mas hoje vendo alguns movimentos extremistas que olham mais para o passado que para o futuro, corremos o risco de que o nosso país volte a ser uma peça de Nelson Rodrigues.

Nelson Rodrigues na sala de aula

Hoje, acho que mais do que nunca, deveríamos estudar Nelson Rodrigues na sala de aula, ler seus textos em voz alta, e fazer um debate com os alunos sobre o muito que uma sociedade pode evoluir. Entender que as coisas mudam, que os valores também e esse motor de mudança, de evolução, é essencial para construir um futuro.

Nelson Rodrigues é necessário para indagarmos, hoje em dia, se queremos voltar a viver numa sociedade em que a mulher não tem voz – em que era agredida, violada e condenada a carregar com a culpa do seu agressor. Queremos viver numa sociedade sem respeito ao próximo, sem respeito ao homossexualismo, aos que sofrem de alguma deficiência, em suma, aos diferentes.

Queremos viver numa sociedade em que toda a carga econômica tenha que ser levada pelo homem, em que este não possa chorar na frente dos outros e tenha que demonstrar por meio da violência a sua virilidade?

Padrão Nelson Rodrigues

A sociedade de Nelson Rodrigues, das peças de Nelson Rodrigues, não é só injusta com as minorias, senão também com uma maioria que não tem direito a ser quem realmente quer porque se vêm presos numa série de padrões e comportamentos que estão obrigados a atuar.

Esta sociedade, este rol, pode ser que já esteja longe de muita gente, mas não esqueçamos que ela, um dia, há não muito tempo, já foi a nossa realidade. Não esqueçamos disso, para garantir que ela não volte.