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Cuidando da videira. Uma lição de pai para filho. Série Wwoof

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Agricultura ecológica e biodinâmica não são traduzidas somente pela ausência de pesticidas na hora de tratar uma videira, acrescenta-se também um cuidado exaustivo da planta em todo o seu ciclo.

As práticas e os cuidados se dão ao longo da sua vida e os resultados observa-se no fim de cada ciclo, com a vindima.

É curioso, mas podemos associar o cuidado da videira parecida aos cuidados que proporcionamos aos nossos filhos.

Educamos nossos filhos com amor e dedicação, proporcionando a eles as ferramentas necessárias para enfrentar a vida. No entanto, sabemos que não podemos exceder nessas ferramentas. Muitas vezes temos que ser forte e deixar que os filhos descubram por si só como conseguir alguma coisa ou como encontrar a saída em um problema difícil que estamos enfrentando.

Sofremos juntos com eles, e muitas vezes pensamos em dar uma “mãozinha” no que estão passando, mas sabemos que se interferimos muito no processo, geralmente eles não aprenderão.

Quantas vezes vemos adolescentes que têm tudo completamente inapetentes para enfrentar as adversidades da vida? Quantas vezes nos deparamos com aqueles pais que pensam que ao dar tudo aos filhos, lhes estão proporcionando uma vida melhor e que sofrerão menos no futuro?

Ledo engano.

Com toda certeza, os pais não tomam essa decisão por mal ou porque é o caminho mais fácil, mas também porque evitam esse sofrimento em conjunto e muitas vezes a frustração de ver o seu filho cair pela primeira vez.

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Com a videira passa algo semelhante. Videira mimada rara vez dá bons frutos. O viticultor sabe muito bem que para que a videira dê boas uvas, tem que deixar com que esta passe pela sua fase de “stress”.

Soa pedante, mas é a pura verdade.

Durante os últimos três meses, Languedoc-Roussillon sofreu uma seca tremenda, com falta de chuvas, com algumas garoas. Essa falta de chuva faz com que as plantas necessitem de água, mas nunca em excesso. E nunca periodicamente. As videiras que têm sede, tem um desafio que enfrentar; o de buscar agua debaixo da terra de qualquer forma. A sede, a ausência de água, faz com que as raízes cresçam e busquem cada vez mais fontes de água para sobreviver.

O resultado é uma planta muito mais forte para sobreviver o ano. Geralmente esse processo de stress também faz com que a planta dê menos frutos, mas nem por isso piores. Muito pelo contrário: as uvas que nascem de pés estressados concentram aromas mais intensos.

Resultado: “pais e filhos” orgulhosos – o desafio foi superado um ano mais.

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Após a vindima e todo o trabalho na adega, Stephane me pediu que fosse cuidar das videiras em uma das parcelas que ele tinha plantado esse ano. Tarefa: regar planta por planta, já que os meses de seca foram tão intensos que as plantas podiam morrer sem água.

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Reiko e eu nos encarregamos da tarefa. Ela regava e eu fazia os buracos com a enxada ao lado da videira para que a água penetrasse mais facilmente.

Foi o trabalho mais duro de todos os dias que estive ali.

Remover terra seca exige força nos braços e nas costas. O solo, composto por pedras e argila seca fazia mais difícil a tarefa.

No fim do dia eu estava completamente quebrada.

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Foram 15 horas de trabalho, divididas em três dias e 2200 videiras… mas o desafio foi superado.

Para isso me alongava todas as manhãs antes de começar o trabalho; e quando terminada tinha que me colocar na horizontal por um par de horas para relaxar os músculos trabalhados e para que as costas voltassem a sua posição original.

Menos mal que antes de chegar aqui me dediquei a me preparar fisicamente para o trabalho. Fortalecer os músculos das costas é essencial para não ter lesões.

No último dia, depois de terminar todas a vides, me invadiu uma sensação de satisfação do trabalho terminado e bem feito. Acabo de vencer outro desafio: e agora é a vez das videiras de vencer o seu.

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Durante o ano todo, dependendo da quantidade de chuva se rega mais ou menos as vides.

É uma ciência sem regras, tal como educar. Cada filho se comporta de forma diferente e o seu entorno também determina como ele vai se comportar.

Assim como a vida não vem com manual de instruções, cuidar de cada parreira também é uma ciência incerta.

Ninguém sabe o que vai passar amanhã; se vai chover ou fazer sol, se vamos ter algum desastre ambiental, ou se simplesmente as videiras podem ser atacadas com algum tipo de doença desconhecida… ou quem sabe tudo vai de maravilhas.

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Além disso, ao não utilizar pesticidas ou agrotóxicos, a videira está muito mais vulnerável ao entorno e o seu fortalecimento se faz necessário para a sua sobrevivência. Um vez forte, seus frutos com certeza terão um outro sabor e o resultado pode ser comparado e contrastado.

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Sempre falo para as pessoas que não acreditam nas técnicas de agricultura ecológica para provar um tomate normal e um tomate orgânico.

Quem está acostumado a comer alimentos crus e gostam de frutas e verduras ao natural sentem a diferença no ato.

O mesmo faço com a qualidade do peixe criado em cativeiro com o peixe do mar. E nos vinhos, sempre deixo as pessoas provarem os vinhos sem ver o rótulo. Só assim as pessoas descobrem o seu gosto e não estão influenciadas pelas etiquetas, pelas marcas ou pelo status.

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Não basta ser Bio para um vinho ser bom o mal.

O manipulado e a forma como se trata a uva até o momento que é engarrafado também determina a sua qualidade. A diferença é que um vinho com etiqueta Bio garante que este foi passado por processos e critérios que aportam qualidade ao produto final.

OU seja, se o viticultor coloca amor no que faz e sabe a forma correta de educar os seus “filhos”, teremos com certeza um grande resultado para ser compartido.

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Fazendo vinho. Série Wwoof

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A vindima pode ser uma das partes mais apaixonante do trabalho de um viticultor.

Digamos que é o começo de uma história: a história da nova safra.  Ou também o final dela: o ciclo da videira termina justamente na colheita.

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O fato é que o trabalho do enólogo, do viticultor começa justamente nela.

A partir do momento que as uvas são colhidas têm que ser transportadas diretamente a adega, que geralmente está ao lado das parreiras. E nesse momento, ninguém perde um minuto. Começa aí todo o processo para que as uvas se convertam em vinho.

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Stephane nos convidou a participar de parte desse processo, mostrando-nos como se faz o desengace e como se prensa as uvas. O desengace se faz com uma máquina especial, a chamada “Destemmer” em inglês. Uma vez que as uvas são colhidas, o primeiro processo é passa-las a essa máquina, que tem como única função separar as uvas dos bagos.  Muitas uvas ficam presas nelas, e nesse caso o desengace é feito manualmente, para não perder nenhuma uva.

Pisar nas uvas

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Acho que todos conhecem o processo mais antigo do desengace: pisar nas uvas. Ao pisa-las o que estamos fazendo é um processo de esmague e desengace juntos. Stephane separou duas caixas de uva só para ter essa experiência.

Foi uma experiência super curiosa: porque não estávamos todos os dias ali com ele aprendendo passo por passo, mas todos os dias que nos chamava tinha sempre algo diferente que mostrar.

De ali se passa todas as uvas a um tanque de aço inox e deixa repousar entre 10 ou 15 dias. Nesse período a uva começa o seu ciclo de transformar mosto em vinho.

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DSC_0265Foram vários dias de trabalho alternados ali na adega.

Um dia tivemos que encher as barricas novas que Stephane comprou de vinho branco, para começar o envelhecimento das primeiras uvas que foram colhidas. O vinho branco feito com as uvas Vermentino, Clarete e Grenache branca prometem. Cada balde que enchíamos e derramávamos dentro do barril de carvalho se podia sentir os aromas das frutas do mediterrâneo.

 

DSC_0858 DSC_0867Outro dia tivemos que entrar num barril e amassar as uvas com os pés durante a fermentação.

Durante todo o tempo ali dentro respiras tanto álcool que acaba se embriagando sem querer. Foi bem divertido, mas as vezes você tem que parar para respirar. Amassar as uvas foi como se caminhássemos na areia da praia macia, em que o pé afunda a cada passo. Cansa-se rapidamente, principalmente se você tem que fazer isso constantemente.

DSC_0323Acho que o dia mais curioso de todos, foi um dos últimos dias que trabalhamos na adega. Fomos todos os wwooffers aprender como se traspassa o vinho repousado de um tanque de aço inox a outro, essa vez sem nenhuma uva sobrante.

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Em volta dos tanques Stephane colocava um tipo de toalha térmica para manter a temperatura alta e debaixo dele um aquecedor; sua intenção era subir a temperatura do tanque para que as uvas desprendam mais aromas ao vinho.

Tivemos que remover todo o material em volta e preparar para fazer o transporte de um tanque a outro.

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Os tanques estão completamente adaptados para extrair só o “mosto”, já que durante todos estes dias de descanso, as uvas, pelo seu peso, se acumulam no fundo do tanque, deixando na parte superior somente o líquido. Com uma mangueira especial se faz todo o processo e uma vez terminado temos que abrir o tanque, extrair as uvas e o resto do líquido que não foi capaz de ser absorvido pela mangueira.

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Esse acho que foi o trabalho mais duro dali.

Brian e eu passamos a tarde inteira tirando as uvas do tanque e passando a prensa. Era tão duro como pegar na enxada. As uvas estão grudadas umas as outra e você têm que fazer força para tirar de dentro do tanque. Uma vez no balde, erguíamos entre dois e jogávamos as uvas na prensa de novo. A prensa se encarrega de separar o resto de líquido que tinha dentro do tanque.

Uma vez vazio, Stephane coloca as suas botas de borracha e se mete dentro do tanque para limpá-lo. Foi difícil de imaginar que ele conseguisse entrar por uma porta tão minúscula. Mas de repente ele estava a li dentro, com a esponja de aço na mão limpando completamente o tanque.

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Durante toda essa tarde também fizemos uma degustação dos seus vinhos para apreciar como eles iam evoluindo. Cada um deles, Stephane extraia dos tanques e nos dava uma taça para que pudéssemos provar.

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Provar um vinho não terminado requer conhecimento e muita sensibilidade.

Primeiro porque nunca vai ser o sabor de um vinho finalizado e aquele que o prova deveria saber, e segundo porque as impressões que o vinho a  meio-caminho te passam te dão pistas sobre como vai ser uma vez que estiver no mercado.

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Stephane verifica a evolução dos seus vinhos periodicamente; e também tem um enólogo preparado na sua adega que também os prova e faz os testes necessários para aconselhar os próximos passos.

A decisão final sempre vai ser de Stephane, e portanto o resultado final é nada menos que o resultado das suas percepções e do seu gosto. Ou seja, dentro de cada garrafa levamos, de certa forma, a identidade e personalidade daquele que o cria.

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Desde que cheguei aqui fico impressionada como me apaixona cada processo e cada passo que realizamos na produção do vinho.

Acho que os dias que passei na adega foram um dos mais especiais: junto com o vindima e o trabalho no campo, senti que ali começava a colher o resultado de todo o trabalho que foi feito previamente. É na adega que começamos a ver os resultados das sementes plantadas e do fruto colhido.  É na adega onde começamos a esboçar o resultado do que vai parar dentro da garrafa.DSC_0464_2

Levarei essa experiência, esses momentos durante toda a minha vida.

Daqui um ano aparecerei no Brasil com garrafas dos vinhos que ajudei de certa forma a fazer e dos vinhos das uvas que eu colhi. Porque sei que dentro deles compartilharei não só um momento presente com os meus amigos, mas também a história dessa experiência, de ser Wwoof e estar com pessoas tão especiais fazendo coisas especiais.

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Degustando vinhos por Languedoc Roussilon. Série WWOOF

Vida de wwoofers não é só trabalho pesado. Temos nossos momentos de descanso e momentos que de folga que compartilhamos sempre da melhor maneira possível.

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Aqui na Grange de Bouys somos todos aficionados por vinho e umas das coisas que fizemos no nosso primeiro fim de semana de folga foi pegar o carro e ir por ai, para degustar os vinhos produzidos na região. A experiência foi um tanto peculiar: não pelo vinho em si, mas pelo inusitado de toda a visita.

Languedoc- Roussilon é um região vinícola da França, não tão conhecida e que se destaca principalmente por ter uma grande variedade de pequenos produtores com casas humildes e amor pelo que fazem.

 

As visitas que fizemos não foram a grandes Chateus maravilhosos como podemos encontrar em Bordeaux, Champagne ou Borgonha, que têm pessoas designadas para guiar você durante o roteiro mostrando o lindo das suas parreiras, a amplitude da sua Adega e terminando com a degustação de vinhos no restaurante da Adega.

Aqui, os produtores quando aceitam mostrar o seu vinho abrem, muitas vezes, a porta da sua casa. Muitos tem parcelas de vinhos espalhadas pela região, perto de casa mas não ao lado e geralmente utilizam a garagem, ou o porão como lugar para fabricar o vinho.

Isso não significa para nada que o vinho seja ruim ou de qualidade inferior. Tive o privilégio de comprovar por mim mesma que muitos vinhos produzidos assim, tem a mão do produtor em cada processo e a sua artesanalidade aporta um valor – “añadido” – adicionado que nem toda Adega grande faz.

Três lugares

Estivemos em três lugares diferentes. Dois deles fabricavam o vinho na sua casa e degustamos ou na cozinha ou no jardim, e outro tinha uma pequena adega no centro da cidade em que pudemos degustar e apreciar todo o processo do vinho na sua própria adega.

O melhor de tudo é que estávamos diante do próprio produtor, que nos apresentava a sua história e os seus vinhos com histórias completamente novas e inusitadas. Não havia pergunta que não pudessem responder: se notava que cada decisão foi tomada com muito critério e sabendo exatamente o que estavam fazendo.

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Mas Coris

Nossa primeira visita foi a Mas Coris com denominação de origem Languedoc e selo de vinho biológico. Provamos quatro vinhos, entre eles, brancos, rosés e tintos. Eu pessoalmente gostei mais do tinto e do branco jovem.

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O produtor abriu a porta do seu estabelecimento só pra mostrar todo o processo como ele faz os vinhos e abriu garrafas novas pra gente provar. O lugar era simples, mas cheio de encanto. Pudemos perguntar sobre como ele fazia o vinho, a particularidade do vinho dele e todo o resto. Saímos com algumas garrafas, não todas que queríamos obviamente, mas o suficiente.

Deborah e Peter

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Segunda parada foi na casa de uns amigos de Stephane e Florence: Deborah e Peter que têm uma produção de vinhos maravilhosos chamado ‘Mas Gabriel’, um deles com 91 pontos obtidos pelo célebre crítico Robert Parker.

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Deborah e Peter são britânicos, radicados na França há anos. Eles têm toda a produção feita no porão da sua casa. Foi umas das degustações mais curiosas que já fiz em minha vida. Primeiro fomos conhecer a sua adega, onde a produção de 20 mil garrafas por ano em média eram produzidas.

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O lugar era pequeno, mas acolhedor.

Uma das curiosidades foi ver pela primeira vez barris de concreto para estocar o vinho, em vez de aço-inoxidável.

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Ao lado deles, as barricas de carvalho ocupavam quase todo o lugar. Dalí, passamos ao jardim localizado no fundo da sua casa, onde nos sentamos numa mesa , debaixo de um toldo, onde íamos fazendo a degustação de cada um dos seus vinhos.

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Não resisti e tive que comprar dois, um branco e um tinto, também sem carvalho. Quanto mais conheço os vinhos produzidos nessa região mais me convenço que a maioria deles realmente não precisa de carvalho para melhorá-los.

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Deborah e Peter nos contaram que foi um dia jantando em alguma parte de UK que decidiram que iam ser produtores de vinhos.

Buscaram um lugar onde pudessem aprofundar seu conhecimento sobre a produção de vinhos e escolheram a Nova Zelândia como o lugar idôneo. Passaram ali uma temporada e ficaram amigos de produtores da região. Entre eles estava Britany, filha de um casal amigos de ambos que agora estava aqui região fazendo Wwoofing na casa deles.

Cristian
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Por último visitamos a Cristian, uma adega que o Wwoofer alemão Tristan trabalhou anteriormente, proprietário do Domaine Baillat. Esta é outra experiência que vai ficar marcada na minha memória.

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Cristian também é um pequeno empresário, que vem se dedicando ao mundo do vinho há mais de 30 anos. Começou primeiro com o seu irmão e mais tarde seguiu sozinho no caminho da produção.

A casa de Cristian me faz lembrar muito a casa dos meus avós nos pampas gaúcho. Mobiliário simples, aconchegante e com sabor de saudades em todos os cantinhos.

Como todos produtores, começamos a visita pela sua Adega, que também encontra-se no porão ou garagem da sua casa. O lugar é bem maior que o lugar da Deborah e do Peter, também com cubos de concreto para armazenar o vinho; e de aço-inoxidável também.

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Começamos a degustação ali mesmo, provando os vinhos diretamente dos cubos de concreto, de aço e do carvalho. Foi uma degustação super atípica porque de certa forma o vinho não está completo, nem perfeito, mas ao provar dali você tem a sensação de como um vinho pode evolucionar no seu processo até chegar a garrafa.

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Cristian se define como um contador de história, termo muito apropriado depois de ter passado tantas horas com ele na sua adega e na cozinha. Entre taças e taças passamos momentos inesquecíveis de sorrisos, risadas. Sua forma de contar a história do seu vinho, de como chegou ali, de como tomou as suas decisões nos envolve de uma tal maneira que fica difícil dizer adeus a tamanha experiência.

Significado do pequeno empreendedor

Esses três produtores, viticultores, são um imperativo do trabalho que significava ser pequeno empreendedor: gente que se sacrifica muito para se dedicar a um negócio apaixonante e que nem sempre tem retorno imediato sobre aquilo que está fazendo.

Fiquei impressionada em ver como essa gente, com um sorriso singelo e sincero são capazes de cativar-nos nesse pequeno momento que compartilhamos. São pessoas dedicadas de corpo e alma ao seu negócio, e com capacidade para levar esse amor transformado em garrafas a muitas partes do mundo.

Toda a sorte do mundo

Desejo a estes três produtores toda sorte do mundo na sua jornada, porque na suas mãos, nos seus olhares e nos seus sorrisos pude captar a essência de cada um deles. A simplicidade do seu negócio. A artesanalidade do seu vinho aporta mais valor a cada garrafa que se abre e se compartilha.

Languedoc- Roussillon sem dúvida é uma região única na França para quem quer conhecer profundamente vinhos originais, artesanais e sem dúvida inesquecíveis.

Vino, vidi, vici.
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Vindimando. Série WWOOF

Chegou finalmente o dia que eu estava esperando há muito tempo: a vindima, em outras palavras, a colheita da uva.
A experiência da colheita na Grange du Bouys foi um ato de amor e trabalho coletivo tendo como cenário inicial o sol nascendo no horizonte.

E posso dizer com toda certeza que não tem coisa melhor para fazer aqui no programa que ajudar a coletar uvas nessa época do ano. Esperava por esse momento desde maio, quando me inscrevi para participar do WWOOF, e elegi setembro porque sabia que a maioria das colheitas aqui na Europa se faziam nesse mês.

21624129_10155006566935829_1473238807_nInfelizmente, este ano tivemos um tempo peculiar e a vindima adiantou-se por algumas semanas. Muitas uvas como a Vermentino, a Grenache e a Cinsault foram colhidas na última semana de agosto quando eu ainda não tinha chegado ao projeto. E quando cheguei na primeira semana de setembro, numa sexta-feira, disseram que só faltava a colheita da Carignan e que pretendiam fazer primeiramente na quarta feira.

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Mais tarde Stephane finalmente nos disse que íamos fazer na sexta-feira, que foi quando conseguiu juntar o maior número de pessoas para ajudar. Stephane e Florence têm amigos por toda a região que lhes ajudam no dia da colheita. É curioso ver que todos estavam aqui as 6:45 da manhã na porta da Adega, prontos para organizar o trabalho.

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Muitos deles também são produtores locais e admiravelmente com idades muito avançadas. Os pais de Sthephane também estavam ajudando na colheita.

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Da gosto de ver gente entre seus 70 e 80 anos com tanta vitalidade. Acho que eles eram os que colhiam as uvas mais rapidamente. Fomos para o parreiral ainda de noite e tivemos a oportunidade de ver o sol nascer no meio do campo.

Nos juntávamos em grupo de duas pessoas e cada um ia fazendo cada lado da parreira. Era incrível como cada raio de sol iluminava as parreiras e as uvas.

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Uma luz diferente dos raios solares provocavam composições mágicas

Era uma dessas composições mágicas fotográficas que juntam todos os elementos necessários para tirar a foto perfeita. Cada raio proporcionava uma luz diferente para cada folha. Cada detalhe, cada momento que eu estava vivendo tentava capturar com o fundo da minha alma porque sabia que mais tarde teria que traduzir meu sentimento em palavras.

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Palavras que agora custam ser encontradas para transmitir esse encontro de emoções que vivi enquanto trabalhava. Era um sentimento de plenitude, capaz de preencher um ser. Chegava a conversar com as uvas, a tratá-las como se fossem parte intrínseca de mim mesma.

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Dina, Tristan e Alex se encarregavam de levar as caixas enquanto colhíamos. Cada um de nós tínhamos um cesto em que cabiam cerca de 5/10 kg de uvas, mas depois tínhamos que colocar nas caixas que estavam dispostas no centro de cada parreiral para que eles transportassem o mais rápido possível à Adega e não deixassem que a uva começasse a fermentar ali mesmo.

Fiz três pares diferentes durante a jornada. E cada um tinha a sua forma de trabalhar. As 11 horas da manhã fizemos nosso break para tomar um café, comer um pouco e continuar o trabalho. Florence fez um maravilhoso bolo de chocolate que todos queriam a receita.

Uma pausa

Também tínhamos uma variedade de queijos franceses e café com leite para todos. Foi revigorante. O sol já começava a pegar e tínhamos ainda duas horas para continuar. Geralmente Stephane escolhe fazer a vindima entre as 7h e 13h, quando o sol ainda não está alto, aqui na França, para que as uvas não fossem afetadas pelo calor e nem as pessoas.

Nesse preciso dia fazia um temperatura ideal, mas imagino que outros dias de agosto o sol deveria pegar forte. As 10h já estava com proteção solar 50, chapéu e óculos escuros. E ainda assim me queimei um pouco. As uvas estavam em perfeito estado, resultado de um ano de amor e dedicação.

Trabalho duro e dedicado

Todos sabíamos que o que estávamos fazendo ali, toda a colheita era o resultado de um ano de trabalho duro e dedicado. As uvas da casta Carignan são de uma variedade bem doce, que eu diria que podíamos até comer em casa sem saber que é uma variedade para fazer vinhos.

Quanto mais açúcar, mais graduação alcoólica vai ter o vinho na hora de fazer a fermentação. Colhemos as uvas de uma parcela em que as parreiras tinham 60 anos de antiguidade. Isso se traduz em melhor qualidade de uvas, ou seja, que quanto mais antiga uma parreira, se bem cuidada, obviamente, produzem melhores uvas.

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As vinhas velhas produzem os melhores vinhos

As parreiras novas tendem a produzir mais uvas e distribuir as suas propriedades e aromas entre elas.

Quanto mais antiga uma parreira, menos uvas ela produz, porém mais concentração de propriedade e aromas se encontram em cada agrupamento. Por isso muitas garrafas de vinho, quando vendidas tem especificado na sua etiqueta a frase “vinhas velhas” -é uma forma de dizer que as uvas que foram feitas esse vinho tem uma maior quantidade de propriedades e aromas.

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A jornada foi estupenda!

Nesse dia me sentia como se pudesse fazer esse trabalho por anos. Cada grupo de parreiral parecia que falava por si mesmo o muito que foi cuidado durante o ano.

Era como se fosse o trabalho de um poeta: estava colhendo palavras para depois transformá-las em poesia.

Eu colhia uvas que seriam depois transformadas nesse maravilhoso líquido que se encontra dentro da garrafa: o vinho.

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É curioso ver como o trabalho de tantas pessoas se podem encontrar dentro dela. Não era só a minha mão e a minha experiência, mas sim de toda uma gente que ano após ano as colhem, as transportam, as prensam, as provam, até que um dia decidem que essa bebida, essa experiência está pronta para ser compartida.

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Depois da colheita, tivemos um almoço com todos os amigos do casal que vieram para ajudar. Nesse almoço Stephane serviu o vinho da mesma variedade de uva que colhemos, só que nesse caso, colheita do ano anterior. Ali tive contato com gente muito interessante: muitos deles, pequenos produtores de vinhos locais, outros apenas amigos do casal e que se dedicam a algo do setor, etc.

Uma garrafa de vinho como presente

A cada um deles, Stephane os presenteava com uma garrafa de vinho em agradecimento pela ajuda. Não fomos capaz de terminar com toda a colheita na sexta, o que significava que no sábado tínhamos que trabalhar de novo e terminar com a colheita. O trabalho terminava para os amigos de Stephane e Florence, mas continuava para nós.

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Não só no sábado, mas sexta de tarde também com o transporte da uva até a Adega e a limpeza de tudo.

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Ajudamos a transportar as caixas, limpá-las, separamos as uvas dos bagos e colocamos na prensa para que sejam prensadas levemente. Foram no total quase 12 horas de trabalho e sabíamos que sábado tínhamos que terminar com a colheita.

Foi super divertido e a verdade é que não fiquei cansada nenhum minuto. Era o que eu estava esperando: parecia uma criança num parque de atrações. Queria fazer tudo. Aparte dessa experiência, Stephane também conseguiu um cliente.

Que melhor história que pode ter garrafas de vinhos feitas com as uvas que você mesma colheu.

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Amassar uvas com os pés

Mais tarde, Stephane separou duas caixas de uvas para que pudéssemos amassá-las com os pés, só pra ter a experiência de sentir como o vinho era feito antigamente. Ao pisar tínhamos que separar as uvas dos bagos e fazer o trabalho não só de prensa mas também de separação. Foi super divertido.

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Foi um dia pra ficar marcado e espero poder fazer isso durante muito tempo. Porque a vindima, ao contrário do que as pessoas falam não é tão dura. É certo que tem que estar preparado fisicamente e com os músculos das costas muito fortalecidos para não sentir dor, mas é um trabalho recompensador.

Ali sentia a verdadeira história de cada produtor de vinho, de cada agricultor; ali senti a historia que cada garrafa que abro e me quer contar. A história de o trabalho de muitas pessoas, do amor de muitas pessoas, e da dedicação que colocaram para que esta bebida tão maravilhosa, que consideramos sagrada, chegasse a nossa mesa para ser compartilhada.

Um vinho nunca é aberto sem uma boa razão, seja com os nossos amigos, com os nossos amores, com a nossa família ou com quem quer que seja.

Hoje vejo que ao comprar uma garrafa de vinho, ao escolher o dia e o momento para compartir, estamos juntando duas histórias: a das muitas pessoas que trabalharam para que ela chegasse a sua mesa; e a sua, a que você esta compartilhando no momento em que voce “descorcha” uma garrafa, seja com alguém especial ou com você mesmo.

In vino veritas.