Berlim - Franzie e eu

Erasmus 10 anos depois

Mexico

Seria complicado escrever sobre uma viagem que ainda não terminei. Mas gostaria de relatar a experiência de como é reencontrar amigos Erasmus depois de 10 anos do nosso primeiro encontro.

Para quem não sabe, Erasmus é um programa de intercambio na Europa entre universidades, que permite que alunos de diferentes universidades europeias cursem um ano de estudos em outro país, permitindo-lhes vivenciar uma nova cultura, aprender uma nova língua e conhecer pessoas diferentes.

No ano de 2007 eu fiz o chamado Erasmus Mundus, com o programa de intercambio da PUC. Fui parar numa cidade minúscula no norte da Espanha chamada Pontevedra. Eu e mais 30 estudantes dos mais diversos países estavam ali, desfrutando das oportunidades que o Estado, a Universidade e os nossos pais nos ofereciam.

Lembro de conhecer gente de Curitiba, que estudavam na PUC, só em Pontevedra; de conhecer gente da cidade dos meus primos, da minha avó e muita gente de outros países. Lembro que fui dividir apartamento com outras cinco pessoas e éramos: um mexicano, dois italianos, duas alemãs e eu num ap de seis quartos e uma sala que nunca usávamos de tão escura.

Foi um ano realmente espetacular, de muita farra, muita festa e que aprendi muito. A experiência foi reveladora: tivemos que conviver com pessoas de diferentes costumes e formas de ver a vida. Tivemos que nos ajudar mutuamente, levar os amigos ao hospital quando era necessário, e escutar muitas risadas e choros naquele ano. Foi um ano bastante complicado pra muita gente, que nunca tinha sentido saudade de casa, nunca tinha estado fora, e nunca tinha experimentado essa sensação de altos e baixos muito rápido.

Por que eu falo sobre isso?

Não porque quero contar minha experiência daquela época, mas sim porque quero compartir a minha experiência de agora, porque nunca imaginei que ia ser assim no futuro.

Já vivi em muitas casas diferentes e comparti quarto, casa com gente que hoje não tenho nenhum contato. Olhos pra trás e vejo que no meu caminho, pra mudar tanto de direção, tive que abrir mão de muitas coisas, inclusive de pessoas. Em Curitiba, praticamente todos meus amigos desapareceram, e os que eu mantenho, posso juntar todos os anos numa mesa de 10 pessoas pra jantar.

Roma
Romam, e os que eu mantenho, posso juntar todos os anos numa mesa de 10 pessoas pra jantar.

Em Londres, devo manter duas amizades da época que eu vivia ali e dois mais que conheci em Madrid e que se mudaram depois. Em Pontevedra, na realidade, também muitos poucos ficaram, e acho que com dois falo com um pouco mais de regularidade. Mas naquele apartamento da Calle Joaquin Costa, 12 meus seis amigos ficaram pra eternidade.

Desde então eu vou visita-los em Roma, em Berlim, em Hamburgo, em Colima, onde for. E eles de vez em quando vem também. E o melhor de tudo: mesmo ficando quatro ou cinco anos sem vê-los a amizade não envelhece. Passo as vezes anos sem notícias e de repente nos escrevemos, nos animamos e compramos um bilhete, pedimos férias e vamos a vê-los.

Hamburgo
Hamburgo

Hoje, eu escrevo de Hamburgo, onde minha amiga Linda mora. De seu flat escrevo essas palavras porque estou emocionada de ver nossos 10 anos de historia: 2007-2017. Cinco anos atrás fui visita-la em Berlim, onde ela morava. Estamos eu, Franzie, que também vivia em Berlim, e ela.

Naquela época Frazie nao tinha trabalho. Linda tinha mas não gostava e eu ainda estava terminando a universidade. Hoje, Franzie trabalha no Festival de Cinema de Berlin, Linda se mudou pra Hamburgo e eu me apaixonei pelos vinhos. Davide se muda de casa, German se casou e Paolo tem a mesma namorada.

Berlim - Franzie e eu
Berlim – Franzie e eu

Temos contatos com todos. Fomos convidadas ao casamento de uns, a viajar com outros, a encontros que nunca ocorreram. O principal é que sabemos que estamos aqui, uns pelos outros e outros por uns.

A vida dá voltas e as pessoas tomam caminhos muito diferentes do que planejaram. Hoje em dia também vejo muita gente querendo começar do zero, mudar completamente de vida; como meu irmão e minha cunhada fizeram, como muita gente que eu conheço fez. Vejo meus amigos Erasmus e digo pra mim mesma que ir a Pontevedra naquele ano foi uma das melhores escolhas que eu fiz. Foi parte intrínseca do meu desenvolvimento e contribuiu para ser a pessoa que sou hoje. Foi a melhor coisa do mundo conhece-los e ter sua amizade.

Já fui visitar a todos, nos seus países, nas suas casas e fui acolhida da mesma forma de quando vivíamos há 10 anos. Mesmo de longe seguimos aí. A vida tomou rumo diferentes para muitos, e por isso essa viagem esta sendo tão importante. Descobrimos como as pessoas mudam, como seus planos se amoldam, mas também que a essência delas continua a mesma.

Erasmus Pontevedra- 2007
Erasmus Pontevedra- 2007
Foi falando com eles que descobri outras formas de vida, vejo outras perspectivas pro meu futuro. Nem tudo tem que ser como o foi planejado há 10 anos. A gente cresceu, amadureceu e mudou de gostos.

E isso é o bom de ver pessoas depois de anos. Apreciamos a sua evolução, analisamos o que passou e vemos como é possível ver não mais que uma, mas sim várias luzes no final no túnel.

Cepa (vid) 
Foto: Rômolo D'Hipolito

Por que o vinho e a literatura têm tudo a ver

Foto: Erik Backlund
Foto: Erik Backlund

É engraçado lembrar da época que comecei a me interessar pelo mundo do vinho e sentir um real interesse em aprender sobre essa matéria. Devia ter uns 24 anos quando meu sogro chegou em casa com 12 garrafas de presente; vinhos espanhóis das mais variadas regiões.

No momento, estava começando a minha vida de casal, com nosso primeiro apartamento no centro de Madrid. Muitas águas rolaram, mas desde então, o vinho e eu criamos relações estreitas.

Sei que o Brasil não é um país que culturalmente se decante pelo vinho. Ademais do calor, e de uma produção ínfima, os impostos e as tarifas alfandegárias que se impõe sobre essa bebida fazem com que a sua apreciação seja privilégio de poucos.

Mundo do Vinho

Tive muita sorte em cair de para-quedas na Espanha, um país com mais de 1 milhão de hectares de produção vitivinícola e com um preço acessível a todos os bolsos. Espanha e Portugal, ademais de serem regiões vinícolas por antonomásia, com os vinhos mais acessíveis do mundo, possuem uma qualidade indiscutível.

O mundo do vinho ainda provoca certa repelência ou também ascetismo. É normal! Nossa ignorância se traduz em um escudo, um mecanismo de defesa inato, que tem certa dificuldade em aceitar aquilo que se desconhece. Como em todas as profissões, espertinhos aparecem por todos os lados; e muitas vezes quitam o prestígio de muita gente que levou o tema a sério e estudou muito pra chegar até ali.

Tentando aprender mais sobre esse mundo, que da noite para o dia se tornou a surpresa mais agradável que tive, comecei a estudar mais a fundo sobre o tema. Li uma serie de livros, comecei a ir a degustações de vinhos e viajar as regiões mais emblemáticas do mundo. Depois me matriculei em cursos de degustações mais sérios, em que ensinavam de verdade como reconhecer e apreciar aquela bebida que estava diante dos meus olhos.

Cepa - Uva Sangiovese - Chiati - Toscana - Italia Foto: Rômolo D'Hipólito
Cepa – Uva Sangiovese – Chianti – Toscana – Italia
Foto: Rômolo D’Hipólito
Os cheiros da cozinha

Comecei reconhecendo cheiros da cozinha – a canela, a baunilha, o tofee, o café, o alecrim, a menta, etc. Toda minha cozinha se tornou um oásis dos aromas. Sem falar das frutas, reconhecer o cheiro e seu sabor sem muito esforço.  Depois passei ao jardim, buscando identificar aromas das plantas – das margaridas, das rosas, do jasmim. E cada vez mais, ia descobrindo cheiros peculiares, como o da minha rua, do meu apartamento, da minha roupa.

Foi pouco a pouco, descobrindo esse novo mundo, que tive a sensação que cada garrafa de vinho que abria em casa, que cada vinho novo que descobria, uma história se contava. É isso mesmo: cada garrafa de vinho é uma novela em si, tão complexa, tão surpreendente que você tem que estudar muito, mas muito mesmo pra começar a ler e entender essa história.

Literatura e o vinho

Quem gosta de literatura sabe como é gratificante ler romances que parecem um quebra cabeça, e que quando você termina, sente como se um novo mundo se abrisse diante dos seus olhos. Penso sempre em Ulisses; que livro mais complicado – e que vitória terminá-lo. Ou Amarelinha de Cortazar – o livro que você pode se dar ao luxo de começar a ler por capítulos diferentes que o primeiro.

O vinho é assim. Não é uma historia linear, coerente e com um só ponto de vista, uma só interpretação. Mas lê-lo é algo realmente extraordinário.

Em cada garrafa se esconde sabores, aromas, histórias de uma terra, de uma região. Descobrir-lhes é aguçar os sentidos, aperfeiçoar os sentimentos. É utilizar os sentidos para começar a entender o que se esconde detrás daquele líquido, daquelas uvas, daquela terra, daquela taça.

Geralmente eu chego em casa todos os dias, depois de um dia longo de trabalho e me sirvo uma taça de vinho. Junto a ele pego meu livro e leio por mais ou menos uma hora. Esse momento, para mim,  não é só um momento de desconexão do mundo, mas também o de juntar prazeres, juntar literaturas, ler duplamente.

Lazio - Italia Foto: Romolo D'Hipolito
Lazio – Italia
Foto: Romolo D’Hipolito

Quando tenho uma garrafa nova em casa, muitas vezes espero para abrir em uma ocasião mais ou menos especial, com amigos ou sozinha. Também faço muitas vezes um exercício solitário, de ler, de desvendar cores, aromas e sabores – isso que hoje em dia damos o nome de degustar.

Um exercício sensorial

Uma vez feito esse exercício,  busco tudo sobre a garrafa – região, ano, uvas, forma de preparo e manipulação. E de toda essa informação começo a entender a sua história, o seu passado, o seu legado, e a apreciar o momento presente em que a desfruto.

São duas literaturas que se confluem: a que já foi escrita e está dentro da garrafa, a e que eu começo a escrever – do meu momento presente, de admiração e contemplação da vida: carpe diem!

Foto: Erik Backlund
Foto: Erik Backlund

Como os livros, não são todas as garrafas que escondem uma grande história. Argumentos medíocres também se podem encontrar nas melhores regiões.

Mas quando se descobre o grande clássico, imortal e perene a tudo ao que rodeia, os posso garantir que para o bom leitor, uma taça basta.

Una mostra nel Museo della Lingua Portoghese

Eu escrevo com tesão

Como explicar em outro idioma o significado da palavra “tesão” como nós, brasileiros a usamos… Eu escrevo com tesão!

Você já chegou naquele momento, em que está formulando uma ideia, um conceito, uma frase e por alguns instantes fica com palavra na boca?

Você esquece completamente aquilo desejava expressar, seja uma palavra ou uma ideia. Ela estava aí e de repente se esvaneceu, se esfumou, e fica você com uma cara de “tacho”, esperando por fim, encontrar de novo o fio da meada e continuar com o raciocínio.

Isso comigo acontece o tempo todo, e principalmente quando escrevo em outras línguas. Não é só a falta de vocabulário, mas também de palavras que no nosso contexto soariam super bem, mas em outra língua não.

Museu da Língua Portuguesa destruído por um incêndio em dezembro de 2015. Nossa homenagem...
Museu da Língua Portuguesa destruído por um incêndio em dezembro de 2015. Nossa homenagem…
Cada país tem palavras com personalidades únicas

Desde que comecei a explorar o universo das línguas estrangeiras, noto uma ausência de vocabulário e expressões que nunca vão existir devido ao seu contexto sócio-cultural. Já dizia Bakthin que a língua, o vernáculo de um país é próprio do seu entorno.

Museu da Língua Portuguesa
Museu da Língua Portuguesa

Então é certo que não teria sentido buscar palavras com conotações completamente diferentes em um país que no outro.

Um exemplo que encontrei quando cheguei na Espanha é o da palavra tesão. Tesão que literalmente significa desejo sexual masculino ou feminino ou mesmo ereção do pênis, utilizamos para expressar o nosso desejo, vontade, e paixão por determinada atividade, coisa, etc. Lembro muito de uma professora de GRD que dizia que tínhamos que dançar com tesão.

Museu da Língua Portuguesa
Museu da Língua Portuguesa
Nunca vou encontrar uma palavra espanhola equivalente o real significado de tesão e que tenha essa mesma conotação.

Eu queria expressar o meu sentimento em relação e minha atividade escrita e não encontrei forma de dizer aquilo que eu queria.Eu escrevo com tesão” em espanhol seria “yo escribo con pasión”. Pasión, palavra em espanhol que literalmente significa paixão, não é capaz de expressar aquilo que eu sinto quando eu falo “tesão”.

Acho que nos encontramos varias vezes em essa situação quando viajamos e tentamos utilizar outro idioma para expressar aquilo que sentimos no nosso. “Saudades” nunca vai ter o mesmo significado de “I Miss you”, “Añorar” ou “Murriña”.

Museu da Língua Portuguesa
Museu da Língua Portuguesa
Porque cada palavra significa um sentimento muito singular.

IMG_0195Falando outro idioma, muito vezes chego no Brasil e me falta palavras para expressar o que eu sinto.

Meus sentimentos em português não podem ser expressados em espanhol, assim como meus sentimentos em espanhol tampouco podem ser expressados em português. Porque depois de muitos anos, aprendi também a pensar e sentir nesse idioma, que se expressa de forma bem diferente do nosso português.

Quem é capaz de sentir uma língua, um idioma, um vernáculo diferente do seu começa a entender sobre dimensão de uma cultura, a grandeza de cada idioma, seus altos e baixos, seus defeitos e qualidades.

Milan Kundera

Acho que um dos escritores que fala disso magistralmente, sem dúvida é Milan Kundera. Em vários livros seus, Kundera fala sobre o mistério que reside no vocabulário das línguas estrangeiras. 

Buscar o significado real daquilo que sentindo e expressar em outra língua, pedindo que o nosso interlocutor nos entenda,  pode ser uma tarefa mais complicada do que parece. 

Um dos exemplos claros que nos dá é no livro “A ignorância”. A novela plasma a vida de personagens que viveram na França durante anos, exilados pela ditadura do seu país, até por fim, o retorno a sua terra natal: a Republica Tcheca.

A trama discorre sobre esse sentimento, esse paradoxo de personalidades que fazem com que um exilado nunca se sinta em casa, nem onde nasceu, nem onde decidiu viver.

A ignorância – Milan Kundera

“Em grego, retorno se diz nóstos. Álgos significa sofrimento. A nostalgia é, portanto, o sofrimento causado pelo desejo irrealizado de retornar.

Europeus e a definição de nostalgia

Para essa noção fundamental, a maioria dos europeus pode utilizar uma palavra de origem grega (nostalgie, nostalgia), e também outras palavras com raízes em sua língua nacional: añoranza, dizem os espanhóis; saudade, dizem os portugueses.

Em cada língua, essas palavras possuem uma conotação semântica diferente.

Muitas vezes significam apenas a tristeza provocada pela impossibilidade da volta ao país. Nostalgia do país. Nostalgia da terra natal.

Aquilo que em inglês se chama de homesickness. Ou em alemão: Heimweh. Em holandês: heimwee. Mas essa é uma redução espacial dessa grande noção.

No islandês, a mais antiga língua europeia

Uma das mais antigas línguas europeias, o islandês, distingue bem dois termos: söknudur: nostalgia no seu sentido geral; e heimfra: nostalgia do país. Os tchecos, além da palavra nostalgia de origem grega, têm para a noção seu próprio substantivo, stesk, e seu próprio verbo; a frase de amor mais comovente em tcheco: styska se mi po tobe: sinto nostalgia de você; não posso suportar a dor da sua ausência.

Em espanhol, añoranza vem do verbo añorar (ter nostalgia), que vem do catalão enyorar, derivado, este, da palavra latina ignorare (ignorar).

Como os franceses expressam a nostalgia

À luz dessa etimologia, a nostalgia surge como o sofrimento da ignorância. Você está longe e não sei o que se passa com você. Meu país está longe, eu não sei o que está acontecendo lá. Certas línguas têm algumas dificuldades com a nostalgia: os franceses só podem expressá-la pelo substantivo de origem grega e não possuem um verbo; podem dizer: je m’ennuie de toi, mas a palavra s’ennuyer é fraca, fria, em todo caso muito leve para um sentimento tão grave.

Alemães dizem…

Os alemães utilizam raramente a palavra nostalgia na sua forma grega e preferem dizer Sehnsucht: desejo daquilo que está ausente. Mas a palavra Sehnsucht pode se referir tanto àquilo que foi como àquilo que nunca existiu (uma nova aventura) e não implica necessariamente a ideia de um nóstos; para incluir no Sehnsucht a obsessão do retorno, seria preciso acrescentar um complemento: Sehnsucht nach der Vergangenheit, nach der verlorenen Kindheit, nach der ersten Liebe (desejo do passado, da infância perdida, do primeiro amor)”.

Milan Kundera, escritor tcheco, viveu na França durante a maior parte da sua vida, saindo também exilado da Republica Tcheca. Nenhum escritor que até hoje tenha alcançado as minhas mãos e os meus olhos, conseguiram descrever de forma tão magistral esse sentimento de impotência daquele que experimenta o exílio, o retorno a casa, a frustração e impossibilidade de expressar o que sente em todos os lugares que vive.

“O que é a Litost?

Outro livro que Milan Kundera fala sobre essa esse abismo cultural plasmado na falta de vocábulos é no livro “O livro do riso e do esquecimento” em que tem que recorrer a um sentimento tcheco que não é capaz de encontrar em outro idioma.

O livro do riso e do esquecimento- Milan Kundera

“O que é a Litost?

Litost é uma palavra tcheca intraduzível em outras línguas. Sua primeira sílaba, que se pronuncia de maneira longa e acentuada, lembra o lamento de um cachorro abandonado.

Para o sentido da palavra, procuro inutilmente um equivalente em outras línguas, embora eu tenha dificuldade de imaginar que se possa compreender a alma humana sem ela.

Vou dar um exemplo: o estudante tomava banho com sua amiga, também estudante, no rio.

A moça era esportiva, mas ele nadava muito mal. Não sabia respirar embaixo d’água, nadava devagar, a cabeça nervosamente levantada acima da superfície.

A estudante estava tão irracionalmente apaixonada por ele e era tão delicada que nadava quase tão devagar quanto ele. Mas como o horário de banho estava quase na hora de acabar, ela quis dar por um instante livre curso a seu instinto esportivo e dirigiu-se num crawl rápido à margem oposta.

O estudante fez um esforço para nadar mais depressa, mas engoliu água. Sentiu-se diminuído, desmascarado na sua inferioridade física, e sentiu a litost.

Lembrou-se de sua infância doentia, sem exercícios físicos e sem amigos, sob o olhar excessivamente afetuoso da mãe e ficou desesperado consigo mesmo e com sua vida. Ao voltarem para casa por um caminho campestre, os dois se conservaram calados.

Ferido e humilhado, ele sentia um irresistível desejo de bater nela. O que está acontecendo com você?, perguntou ela, e ele a censurou: ela sabia muito bem que havia correntes perto da outra margem, ele a tinha proibido de nadar daquele lado, porque ela corria o risco de se afogar – e deu-lhe um tapa no rosto. A moça começou a chorar e, diante das lágrimas em seu rosto, ele sentiu pena dela, tomou-a nos braços e sua litost se dissipou.

Então o que é a litost?

A litost é um estado atormentador nascido do espetáculo de nossa própria miséria repentinamente descoberta.

A litost funciona como um motor de dois tempos. Ao tormento se segue o desejo de vingança. O objetivo da vingança é conseguir que o parceiro se mostre igualmente miserável. O homem não sabe nadar, mas a mulher que levou o tapa chora. Eles podem, portanto, se sentir iguais e perseverar em seu amor.

Como a vingança nunca pode revelar seu verdadeiro motivo ( o estudante não pode confessar à moça que lhe bateu porque ela nada mais depressa do que ele ), a vingança tem de invocar razões falsas. A litost portanto nunca pode dispensar uma patética hipocrisia.”

Debate léxico

Dentro do debate léxico, descrever sentimentos, para bem ou para mal, pode ser o calcanhar de Aquiles daqueles que falam mais de uma língua. Expressar de forma clara aquilo que se sente é mais complicado do que parece.

Por exemplo, alguém aqui já tentou explicar o significado da palavra Saudade em toda sua essência? Eu tô ainda tentando escrever em espanhol a palavra “tesão”.
Nas Nuvens- Ana Carolina Matsusaki

Escritura Criativa: escrevendo em diferentes idiomas

Desde criança eu sempre quis escrever. Mas reconheço que no início nunca me dei bem com a escrita como me dava bem com a Matemática, mas como diz o poeta William Shakespeare:, “há mais mistérios entre o céu e a terra do que a vã filosofia dos homens possa imaginar”.

Ser jornalista

Foi assim que eu cresci, empenhada em ser jornalista e escrever até os meus dedos não permitirem mais. É engraçado que meu prazer de escrever não encontrei nos meus primeiros anos. Era algo que eu queria, mas na hora do “vamos ver”, achava uma chatice ficar na frente de uma folha em branco pensando em idéias.

Nunca entendi bem a gramática e tenho certeza que foi porque, até então, nunca tinha encontrado uma pessoa realizada em dar aula, que explicasse esse tema com paixão.

Foi só na época do vestibular que comecei a entender um pouco de sintaxe e de semântica. Também foi na época do vestibular que comecei a escrever pra  mim mesma  e comecei a descobrir minha paixão pelos livros e pela literatura.

Dessa época saiu uma escritora medíocre, mas com muita vontade de seguir. É complicado falar sobre o processo criativo. E das muitas vezes que a gente desiste no meio do caminho. O poeta já dizia que no meio do caminho tinha uma pedra.

Saber um novo idioma sem ser nativo

Dominar uma língua não significa ser nativo. E eu descobri isso quando fui morar na Espanha. Ademais de transferir todo o curso de jornalismo para cá, me empenhei em aprender espanhol como ninguém. Já que estava ali na faculdade letras, me exigiam o mesmo que se exigia de um aluno nativo. Não estudava Engenharia, nem Medicina, estudava uma matéria em que o domínio da sua língua era fundamental. E foram horas e horas estudando na biblioteca seus manuais para conseguir entender e acompanhar as aulas de “Lengua Española I”.

Foi nessa época que comecei a me divertir. Não só em escrever mas também em aprender. Tudo era como um jogo: escrever em outra língua que não é a sua exige mais, porque todo o tempo te falta vocabulário.

Me lembro da primeira vez que comprei uma revista de palavras cruzadas em espanhol. Quando vi que podia completar o primeiro jogo inteiro vi o quanto eu tinha aprendido. Porque cada dia eu aprendia mais; cada dia era uma vitória.

Um novo mundo

Mais tarde, os professores já quase nem corrigiam as minhas redações em forma e estilo e pouco a pouco um novo mundo foi se abrindo diante dos meus olhos.

Aprender uma língua é uma atividade contínua. Todos os dias um novo vocabulário aparece na sua frente, e uma nova história, uma nova forma de escrever. Você inventa e se reinventa todos os dias. E não pode deixar nunca de lado senão você esquece.

Essa rotina eu montei pra mim mesma, pra não esquecer dos pequenos mundos que venho descobrindo: tanto o inglês, o espanhol como o português, tenho que praticar semanalmente, e isso exige ser muito disciplinado.

Ler um livro em cada idioma por vez, revisar gramática e vocabulário constantemente. Minha casa é um santuário dos manuais e dicionários em todas as línguas que eu aprendi e estou aprendendo.

Pouco a pouco vou descobrindo que utilizo cada língua para um estilo de redação diferente, e vejo que dentro de cada caixinha que armazena na minha cabeça foi criado também uma diferente personalidade e uma diferente forma de escrita. Mesmo com pouco vocabulário, exercitar a escrita em outra língua pode ajudar a descobrir outros caminhos na sua própria. Você já tentou?