Abaporu Tarsila do Amaral. 1928

Saudades do português? Ô

Acabo determinar de ler “Felicidade Crônica” da Martha Medeiros. Um bom manual para quem não tem regras na vida e aceita de bom humor as oportunidades, ocasiões que a vida oferece. Sei que muita gente é fã da Martha – olha só, já falo dela como se fosse íntima minha- e que gosta muito do seu jeito despojado de escrever.

Eu gosto da Marta por tudo isso, mas também porque ela me faz reviver a minha brasilidade. Alguns anos atrás, eu não conhecia a Martha, não sabia nem quem era. Numa viagem que fiz ao Brasil, minha mãe me deixou um livro dela. Acho que se chamava a Montanha Russa. Foi ali que descobri uma certa conexão com ela que acho que vai ser difícil de ser quebrada.

Ler Marta Medeiros fora de Brasil e deleitar-me com os seus textos depois de tanto anos fora é como entrar no túnel do tempo e reviver a minha brasilidade em toda sua essência. Sinto muita falta do meu português, da minha língua, que cada dia vai ficando mais e mais enferrujada na minha cachola.

Idiomaterno

Esqueço das expressões que utilizávamos no dia a dia como “nem que a vaca tussa”, “a cobra vai fumar”, “o bicho vai pegar”, “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”, ou mesmo o nosso “oi” diário. Para quem lê isso e mora no Brasil, tudo que eu escrevo pode não passar de uma baboseira, mas para as pessoas que vivem fora e que cada vez menos utilizam o seu idioma natal, o idiomaterno como dizia o grande Museu da Língua Portuguesa, tudo isso que eu falo tem o maior sentido.

O legal da Martha é justamente isso. Eu não sinto que estou lendo uma literatura antiga, arcaica, super culta ou intelectual. E veja bem, isso não é uma crítica. O legal da Martha é conseguir transformar temas complexos em didáticos e palpáveis para toda uma população.

Falar de inteligência emocional, de livros, de cinema, de filosofia, de viagens com uma linguagem simples é muito mais difícil do que parece. E se ainda por cima, você coloca essa pitada de traquejo, inserindo no contexto essas expressões que a gente gosta de ouvir, que todo mundo se sente identificado com elas e que resumem em poucas palavras todo um pensamento, ai eu lhe outorgo um globo de ouro; um prêmio das letras brasileiras – se é que ele existe-.

Felicidade Crônica

Adorei ler Felicidade Crônica porque a Martha não tem fricote (outra palavra que resgatei dos seus livros). E sem muita lengalenga, balela, enche linguiça, etc. e tal, conseguiu me transportar para o Brasil do fim do século XX e do começo do XXI. O Brasil que eu vivi e que eu me expressava.

Um Brasil rico em ritmo e palavras, cheio de amor e gentileza que por vezes sinto falta aqui. Não me estou queixando, só fazendo um pouco de doce, porque nem doce de leite de minas aqui tem. É pieguice? Eu confesso, é. É saudosismo? Também. Mas fazer o quê?.

Caetano Veloso me entenderia. Só Deus sabe quantas vezes escutei “London London” com lágrima nos olhos. Com vontade de comer pastel e tomar caldo de cana; de escutar bossa nova e comer feijoada, palmito, e pão de queijo. Tudo junto, não tem problema.

13 anos depois aqui estou eu. Também já adaptada na forma que se fala aqui, com sotaque em todas as línguas que eu falo. Brasileira na essência e espanhola de adoção. Tudo bem. Sempre gostei de ser diferente. E não tem problema se a galera já não me considera nem de cá, nem de lá. Nunca gostei de rótulos mesmo. Me enchia o saco na escola. Galera pegando no meu pé.

Ah! Que saber? Até disso sinto saudades. Com limites é claro. Ninguém aguenta ser maltratado, mas uma provocaçãozinha de vez em quando, até que tempera a vida.

Bom, acho que já deu né. To acabando o texto e esgotando os meus recursos. Mas espero que vocês tenham ficado satisfeitos comigo. Mesmo vivendo fora há 13 anos, mesmo utilizando inglês e espanhol 95% do meu tempo, fui capaz de resgatar num cantinho perdido da minha cabecinha e graças ao livro da Martha, todo um tesauro que estava adormecido. Olha só que beleza! Valeu Martha.

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Que a vida não termine inutilmente

Depois de tanto tempo sem ter tempo… para ler, para desfrutar de um dia só pra mim, tive a oportunidade esses dias de ter o gostinho de novo de como era viver assim. Há um ano estou fazendo uma pós graduação que me tiraram todos meus fins de semana.

Já não sabia mais o que era levantar e ficar horas na cama até o meio dia, lendo e gozando da solidão da minha casa, da minha cama e de tudo que me rodeia.

De tão ocupada acabei esquecendo de quem eu era. De tão ocupada já não tinha tempo para acordar devagarzinho, colocar meu roupão, fazer meu café e ler, ler e ler a manhã toda. Um fim de semana desses, depois de quase nove meses sem fazer isso, sem desfrutar de mim mesma, tive o gostinho de poder saber como era fazer isso de novo. E nada melhor do que voltar a ler com a melhor companhia. Voltar a gozar dessa manhã com um livro da Martha Medeiros.

Felicidade Crônica

Comecei a ler “Felicidade Crônica”, um dos últimos títulos que trouxe do Brasil. Não li nem 50 páginas e já dá vontade de recomendar a todo mundo que leia. Depois de ter lido essas páginas, à noite, fui pra cama com a sábia frase “devemos nos empenhar em não deixar o dia partir inutilmente”. Trás uma linda crônica sobre os pequenos prazeres da vida. Fui dormir pensando no muito que podia agradecer do meu dia.

 “Eu tenho, há anos, isso como lema.  É pieguice, mas antes de dormir, quando o dia que passou está dando o prefixo e saindo do ar, eu penso: o que valeu a pena hoje? Sempre tem alguma coisa. Uma proposta de trabalho. Um telefonema. Um filme. Um corte de cabelo que deu certo. Até uma briga pode ter sido útil, caso tenha iluminado o que andava escuro dentro da gente.

 Já para algumas pessoas, ganhar o dia é ganhar mesmo: ganhar um aumento, ganhar na loteria, ganhar um pedido de casamento, ganhar uma licitação, ganhar uma partida.

 Mas para quem valoriza apenas as megavitórias, sobram centenas de outros dias em que, aparentemente, nada acontece, e geralmente são essas pessoas que vivem dizendo que a vida não é boa, e seguem cultivando sua angústia existencial com carinho e uísque, mesmo já tendo seu superapartamento, sua bela esposa, seu carro do ano e um salário aditivado.

 Nas últimas semanas, meus dias foram salvos por detalhes”.

Foram lendo essas palavras que pensei: nas últimas semanas os meus dias também foram salvos por detalhes. Que ainda que estivesse tudo mal, todos os dias eu pensava que disso ainda ia aprender. E que mesmo que não tenha despertado feliz, o sol seguia brilhando lá fora ou a chuva continuava caindo (para minha alegria e o desespero dos madrilenhos).

Passei dias conturbados, mas todos os dias que passaram foram salvos por algum pequeno detalhe que no fim pensei: nossa que bom. O balance continua sendo negativo, porque nas matemáticas da vida, há dias que não tem como ganhar. Perdas haverão. Mas o negócio é saber como reverter a situação. O negócio é não deixar a peteca cair e seguir adiante porque uma hora as coisas começam a se encaminhar de novo.

Até na tristeza se pode tirar lições.

Não hoje, claro, que tudo parece negro e que o mundo vai acabar… Mas no amanhã, quando a gente se lembra até com certa ternura que bonitinho era quando você estava apaixonada e ficava suspirando pelos cantos… Ou quando você lembra daquela briga tonta com o seu irmão que nunca teve razão de ser, mas que naquela hora você se sentia a mais injustiçada do mundo.

As recordações se tornaram mais amenas?! Você já vê até com certa saudade esse tempo?! Pronto: você acaba de aprender a fazer matemágicas. Tornar o insuportável, a tua dor num sentimento terno e ingênuo.

Pois é. Ontem estava tudo negro! Mas terminou cinza – porque a Martha colocou a sua pitadinha de branco e beleza no meu dia. E eu me deixei levar.

É tão bom quando isso acontece. Quando você mesmo se dá conta do infantil e mimado que pode ser um capricho e se dá conta do bonito da vida. No meio de tanta atividade, esqueci por um momento que o mundo estava ali fora, esperando por mim, para que eu brincasse com ele. E que meu prazer de escrever sobre a vida não desvanecesse na correria do dia a dia, priorizando os outros mais que a mim mesma.

Oi mundo! Estou de volta com vontade de fazer que esse dia e todo os outros que virão não terminem inutilmente.

 

Jogadores de xadrez  Marcel Duchamp

Mindfulness

Já faz algumas semanas, antes de viajar para o Brasil, fiz um curso de mindfulness aqui na empresa onde trabalho. Complicado falar sobre mindfulness quando tantas coisas estão na nossa cabeça constantemente. Eu mais do que nunca sinto que preciso urgente … mas isso não significa que um dia de curso me faça uma grande ‘expert’ no quesito.

A coisa é que nesse fim de semestre, os prazos estão apertando, os problemas seguem aparecendo e as vezes parece que a ansiedade vai tomar conta da gente. Sempre tento controla-la de alguma forma, mas vou notando de um modo latente para que ela não tome conta de mim, tenho que parar, respirar e refletir.

Nesse momento de reflexão é quando tomamos decisões sérias para poder levar tudo isso que afeta com mais filosofia. É nesse momento que realmente vemos que precisamos de um trabalho vital com nós mesmos para poder enfrentar o dia a dia da mesma forma que estávamos fazendo antes.

Nessa reflexão, pensei em várias coisas que às vezes fazem a gente fugir dele ou mesmo fingir que o problema não existe.

1 – Tempo

Tirar tempo para si não é fácil. Até porque todo mundo sempre quer prioridade na sua vida. E você, por culpa ou mesmo por medo, acaba dando prioridade aos outros em vez de si mesmo. Parar e pensar é difícil porque exige mais que tempo e dedicação de nós mesmos. Exige honestidade consigo mesmo.

E isso é complicado. Então, para não encarar o meu maior medo, eu fico buscando ocupações e dando volta no problema dos outros.

Para dar um basta nisso e voltar ao equilíbrio mental, é preciso criar tempo para si…Parece de loucos, mas não é. Sei que o tempo é o que é. Mas por quê dentro de uma agenda lotada não criar um lugarzinho para nós mesmos. Começar a colocar na agenda o tempo que dedicamos a nós mesmos.

Se nos dedicamos tanto a outras pessoas, ao trabalho, aos compromissos sociais, por que não criar um tempo só para você. E para levar a sério ele, é necessário colocar na agenda. Durante essas horas, você pode dedicar às atividades que te dão prazer e também um tempinho para reflexionar sobre si, sem ruídos exteriores.

2 – Sem tecnologia

Para que esse tempo seja de qualidade também é preciso dar um basta na tecnologia. Quero dizer, não radicalmente, mas dentro de certos parâmetros. Se você não está de férias você sabe que precisa da tecnologia para muita coisa, inclusive para trabalhar. Agora, uma coisa é certa: não precisa dela as 24 horas. Então por que não apagar por um par de horas o celular e todas as outras formas de comunicação?

Por que não dedicar um tempo do seu dia ao mundo analógico?! Sem whatsapp ou qualquer outra rede social. Sem computadores, sem filmes, sem TV, sem nada. Com essa atitude você realmente determina que este tempo é seu. E que ninguém pode interferir. Porque nesse exato momento está trabalhando na construção do seu EU, daquilo que quer ser… E para isso é necessário toda atenção possível; dedicada única e exclusivamente para consigo.

O celular mantém as pessoas nervosas e o estar conectado e respondendo mensagens que não lhe dizem respeito só leva as pessoas a fatiga mental. Desconectar é preciso. E não só quando se dorme.

Já tem muita gente falando de dieta detox da tecnologia, e não me parece absurdo. Estudos demonstram que os celulares nos deixam cada vez mais ansiosos, e que a tecnologia é demandada 24 horas por uma pessoa somente para suprir o seu sentimento de solidão. Isso leva muitos a depressão… e se não leva a depressão, muito provavelmente levará à loucura.

Lendo estudos na própria internet sobre os danos da tecnologia sobre o ser humano, decidi cortá-la de forma saudável. Não com todo seu radicalismo, mas decidindo conscientemente os horários que preciso estar comigo mesma, com os outros (ao vivo) e que não quero que a tecnologia atrapalhe.

3- Mindfulness

O trabalho não acaba aí. Mas esse foi o meu ponto de partida. Para poder enfrentar os problemas e o estresse do dia a dia é necessário buscar soluções sérias. Fazer meditação é um dos desafios. Voltar a estar em contato consigo, fazer uma atividade que me mantenha no presente todo o momento e que me permita ver as coisas de melhor maneira para afrontá-las.

Não precisa ser meditação… se pode começar com atividades que mantenham a cabeça no presente, tais como esporte, atividade física pensada, que exija concentração para realizá-la. O negócio é não fazer as coisas no piloto automático. Dizia a professora que nos deu aula sobre a importância de estar focado naquilo que se faz.

Depois disso se pode passar a meditação. Três minutos por dia é suficiente para começar… treinar viver no presente.

4 – Trabalho contínuo

A receita parece fácil. E sinceramente não é. Teus problemas não vão desaparecer. E isso aqui não é ciência certa ou receita de bolo. Funciona para uns, para outros não. Mas não vale desistir no começo pensando que para mim isso não vale. Ter tempo para si, viver o presente, observar o entorno são receitas antigas dos grandes filósofos da humanidade. O texto só é um pouco mais didático e muito mais simplista que o de antes, mas a essência é a mesma.

Então, por que não tentar um pouquinho todos os dias?

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Interafetividade. Música e imagem na trama das emoções

 A vocalista da banda mineira Pato Fu, Fernanda Takai, e a artista paranaense Sandra Hiromoto, criaram Interafetividade para envolver público nas tramas emocionais da palavra e da imagem.

A conexão entre música e pintura, a primeira pela voz suave de Fernanda e a segunda, por imagens definidas pelos traços de Sandra, fazem o observador sentir-se parte desse universo imaginário, em que o ritmo cadência a imagem.  Uma parceria que uniu tecnologia, sensibilidade e talento.

A mostra está no Shopping Pátio Batel, em Curitiba, Paraná, até 30 de junho.

Diálogo afetivo

Como as artistas definem a mostra Interafetividade é um diálogo afetivo. A parceria começou em 2016 e  resultou em seis animações em português e uma em inglês e outra em japonês.

Sandra Hiromoto é uma artista paranaense com olhar contemporâneo, que trabalha com apropriações entre objetos urbanos e de nosso afeto. Nessa mostra, sobretudo, ela acentua nos traços o estilo de seus ancestrais japoneses: a suavidade. Mas, um observador mais atento perceberá que entre apropriações e traços, a cor está sempre em evidência e é muito brasileira.

Fernanda Takai é cantora, compositora e cronista. É também vocalista da banda mineira Pato Fu há 25 anos. Assim como Sandra, a cantora tem ascendência japonesa, mas por parte de pai apenas. Ambas são artistas premiadas e reconhecidas em diversas partes do mundo.

O resultado final do trabalho envolveu uma equipe técnica e artística de grande gabarito. Na curadoria, Julia Ishida, artista plástica paranaense, animação Pixel Sav, Produção Executiva, Carolina Montenegro, Fotografia, Capture Zapp/Ticollor, Assistente de Produção, Silvia Yokoyama, Produção Técnica, Filipe Castro, Design, Editorial Design, Assessoria de Imprensa, Ieme Comunicação.

E o Vento Levou

É a ilustração da capa do nosso artigo. A música é do disco Ruído Rosa, o sexto álbum da banda Pato Fu. A canção fala do tempo e da vida nas cidades. “Um minuto para pensar, que a vida leva e trás, O que eu faço ela desfaz”…

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Por Causa de Você Menina

A canção do compositor Jorge Ben Jor dá ritmo à animação de um grande coração pulsando…

30.000 pés

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A animação nos remete ao pequeno príncipe em seu planeta desconhecido. A canção diz: “Acima das nuvens, o tempo é sempre bom, E o sol brilha tanto que pode te cegar, Eu quero estar bem longe do chão, Só pra não ver você chorar”….

Entretenimento

A parceria entre arte e tecnologia é inevitável e cresce a cada dia. O artista contemporâneo há muito que se preocupa com o público e com a sua participação na obra. Interafetividade está inserido nesse contexto ao proporcionar um diálogo entre a música e o desenho, fazendo com que o observador  viaje na poética e explore as suas emoções.

Ao analisar a mostra pelo local onde foi realizado, considerando a questão de provocar uma experiência lúdica, a localização em um grande shopping como espaço espositivo está dentro dos objetivos de interagir com o público. Correto quando o olhar é para o entretenimento.

Por outro lado, Interafetividade é uma obra de arte. Com esse olhar o shopping é um espaço em transição, cujo o encanto das possibilidades é apreciá-la em ambientes favoráveis em acústica e visibilidade, como cinema, casa de shows ou salas escuras de museus.