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Qual é a intenção da artista numa obra como esta? Manal Al Dowayan

"O deserto sussurra e a voz se eleva".A obra é da artista da Arábia Saudita Manal Dowayan, também ativista pelos direitos das mulheres sauditas. Uma instalação que impressiona!

Uma obra monumental tanto em tamanho como em conteúdo poético para dar voz e espaço às mulheres, que mesmo sendo distantes de nós brasileiras sofrem pela opressão de uma cultura religiosa e patriarcal. Tive o prazer de apreciar a instalação da 60ª Bienal de Veneza.

Manal al Dowayan, juntamente com muitos outros artistas e ativistas, usa a arte como uma caixa de ressonância das revindicações de grupos que são minorias numa comunidade. 

 Isso é genial! 

As grandes placas que tomaram o espaço de uma das salas expositivas do Arsenale, na bienal, representavam pétalas para  fazer a conexão com a ‘rosa do deserto’ e os textos foram serigrafados em seda, representando o que se divulga na mídia  sobre as mulheres sauditas. Proibições como citar nome em público, pouco acesso à educação….

Para completar a obra, Manal gravou o som das dunas e convidou mulheres e meninas para cantar com ela, seguindo os zumbidos e assobios do vento. “Cria um corpo auditivo, invisível, mas ternamente existente, modificável e numa continuidade de experiências de narrativas. 

São lamentos, os gritos de mulheres sauditas que ganham substância contemporânea na representação de dois elementos: o natural e o cultural. Se o primeiro é a fusão com os mesmos grãos de areia, o segundo vem do tradicional canto de batalha de homens que se movem ritmicamente, um só povo, um só sangue.

 

“O deserto sussura e a voz se eleva” é uma criação coletiva, é a voz de uma comunidade feminina que se descobre como uma energia poderosa e resistente, uma força invisível interagindo pela arte capaz, talvez, de subverter a história de um país inteiro.

Achei importante postar o vídeo de Manal, no qual ela trata de uma obra sobre a proteção das palavras. Chama atenção para a riqueza da sua língua materna, que ao longo dos anos deixou pra trás muitas palavras pelo desuso.


Qual é a inteção do(a) artista numa obra como essa? É uma série de artigos que irei postar sobre obras que trazem além da arte uma poética de mobilização, de ativismo. Começamos com Manal Al Dowayan, artista saudita, por ela representar a voz da mulheres num mundo dos homens.

Seja na Arábia Saudita ou em qualquer parte do mundo as estatísticas comprovam a violência contra a mulher é fato e que precisamos sempre denunciar para mudar a versão da história.

 

O tema da Bienal de Veneza em 2024 foi “Estrangeiros por toda parte”. Sim somos estrangeiros neste mundo, todos viajantes e de passagem, com histórias diferentes e preciosas que devem ser contadas e lembradas.

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Biblioteca Joanina é a mais bela entre as belas

Êxtase é sensação inicial ao deparar-se com a beleza artística da Biblioteca Joanina, localizada dentro de Universidade de Coimbra, em Portugal. Para a palavra êxtase considera-se a  definição da Wikipedia, desprender-se subitamente, sair de si, elevar-se.

Por alguns minutos, qualquer pessoa que entrar nesse espaço magnífico pelo que reúne em sabedoria sentirá esse desprendimento. Mais ainda ao se dar conta que há trezentos anos existiam homens que amavam os livros também.

Elevará o espírito, certamente, no instante em que seu olhar estiver percorrendo os detalhes da mais genuína arte barroca ao seu entorno e envolvendo-se com a existência de 60 mil livros que ali existem, na maioria anteriores ao século XVIII e escritos grande parte em latim.

Eles estão organizados nas 72 estantes dispostas em dois andares, de madeiras douradas e policromadas ( de fundo verde ou vermelho), que cobrem as paredes das três salas da ‘Casa da Livraria’, como D.João V, o seu fundador a denominou. Daí o nome da Biblioteca ‘Joanina’. Ao fundo está o retrato pintado de D.João V.

Morcêgos

A Biblioteca Joanina tem 300 anos e foi executada pelo arquiteto Gaspar Ferreira, de Coimbra. Ninguém sabe quem foi o autor do projeto. O fato interessante é que a Biblioteca tem seus morcêgos de estimação. Por lá, eles são queridos e não temidos. A Biblioteca Joanina mantém-se por eles que comem os insetos (em especial as traças), preservando assim os livros numa relação simbiótica.

Os morcêgos da Joanina foram até citados na A Obsessão ao Fogo, de Umberco Eco.

Ouro do Brasil

O ouro utilizado na decoração vinha do Brasil. Os dourados Chinoiserie – pequenas pinturas decorativas feitas em folha de ouro – revestem quase todas as estantes. O trabalho é assinado por Manuel da Silva que realizou em 40 meses. Antonio Simões Ribeiro e Vicente Nunes foram contratados em Lisboa para realizar a decoração dos três tetos das salas. As pinturas são ilusionística, ou seja, que cria ilusão de ótica.

Cada afresco tem uma simbologia. A primeira revela a figura da Biblioteca e nas sancas quatro figuras femininas que representam os quatro continentes (África, Ásia, Europa e Ámerica) sugerindo a abertura à sabedoria proveniente de todas partes do mundo.  A legenda em latim significa “estas estantes ornam-se de livrinhos, felizes”.

O teto central o afresco refere-se a própria Universidade rodeada pelos atributos que devem nortear o exercício de sua missão: Honra, Virtude, Fortuna e Fama – e insistindo na cultura clássica como base do saber universal. Os medalhões periféricos representam os autores latinos, Virgílio, Ovídio, Sêneca e Cícero.

No teto da terceira sala a Universidade surge como síntese do saber universal. As principais áreas do saber da época, Teologia e Cânones, Direito e Leis, Ciências e Natureza para Medicina e por fim, Artes.

Parabéns ao povo português que preserva com tanto orgulho esse patrimônio cultural, histórico e artístico. Um verdadeiro tesouro para humanidade!

 

 

 

 

 

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“Se hoje temos liberdade é porque um dia faltou a alguém”

A reflexão de Catarina(13 anos) sobre a Revolução dos Cravos, que libertou Portugal da ditadura salazarista foi pontual.

“Se hoje tenho liberdade foi porque, um dia, faltou para alguém. Foi porque, um dia, foi preso alguém. Foi porque, um dia, lutou com alguém. Foi porque, um dia, alguém invadiu uma rádio e colocou uma música e…. Aconteceu uma luta, sem lutar. Uma guerra sem guerrear, uma ferida que, um dia, vai se curar!”

Ilustração por Catarina W. R. 04/2025

Catarina é minha neta e vive em Portugal desde os 7 anos.  A sua poética na tarefa escolar sobre a celebração do dia 25 de abril, da Revolução dos Cravos, em Portugal, colocou o ‘dedo na ferida’ porque mesmo sendo “uma guerra, sem guerrear,”como diz ela.  A falta de liberdade dói e fere. Uma ferida que custa a curar.

“Se hoje tenho liberdade foi porque, um dia, faltou para alguém!”

A Revolução dos Cravos aconteceu no dia 25 de abril de 1974  a partir de um movimento militar  que pôs fim a ditadura salazarista que se mantinha  por mais de 50 anos no poder.

Na madrugada do dia 25 de abril de 1974, foi tocada na rádio a música “Grândola, Vila Morena”, de José Afonso. A música foi senha para a população de que os militares estavam em marcha para conquistar a tão sonhada liberdade.

Amúsica no movimento português foi o estímulo para a mobilização de um povo. Arte presente!

Vale escutar Grândola Vila Morena neste  vídeo, um achado maravilhoso gravado há 10 anos que aproxima Brasil e Portugal na arte. Voz e vocais – Kátya Teixeira e Luiz Salgado Participações Especiais Voz e vocais – Susana Travassos (Portugal) Voz e vocais – Uxía Senlle (Galiza) Percussão Corporal e vocais – Barbatuques (Brasil) André Venegas, André Hosoi, Dani Zulu, João Simão, Mairah Rocha, Renato Epstein

 

Capitães de Abril é um bom filme para entender a revolução portuguesa, que neste momento da história quase não teve violência. 

Vale lembrar sempre que a conquista pela liberdade teve uma preço e, às vezes, a vida de uma pessoa. Manter a memória viva é muito importante para que os jovens tenham consciência de como foi conquistada a liberdade. Catarina tem razão. Só sentimos falta da liberdade quando nos falta!

foto Mari Weigert, Alicante, Espanha

Pensamentos moleques

 "As esquinas são filhas das ruas. Pois elas nascem quando as ruas cruzam".

É um jogo de palavras muito divertido que Eno Theodoro Wanke( 1929-2001) dispôs de sua criatividade para brincar e construir frases bem humoradas e as reuniu num livro: Pensamentos Moleques. Eno era engenheiro civil, escritor, poeta e trovador, muito irônico e espirituoso, que às vezes se assemelhava a um menino travesso. 

Apesar de ser meu primo em segundo grau o chamava de tio porque tinha idade do meu pai e ambos eram muito amigos.  Certa vez, quando nos visitou, para justificar comportamentos meio excêntricos de sua personalidade, contou que a sua psicóloga explicou a ele que era uma célula infantil que não se desenvolveu no seu cérebro. Dizendo isso dava aquele sorriso maroto. Jamais esqueci o recado e fiquei na dúvida se o problema tinha passado para outras pessoas da  família… rsss

O meu destino se encerra num grave e eterno conflito: - meu corpo é feito de terra... meu coração de infinito!

 Com certeza, o coração ou seja as emoções de Eno registradas em seus livros e poemas permanecerão em anos infinitos. Ele foi neto de Marie Weigert Wanke e foi tocado pelo gosto de ler e escrever, assim como muitos de seus descendentes, inclusive eu! Leia a saga da família: Ser Dona de Casa, eu?  I     Viagem de Marie ao BrasilII     Um resgate necessário III   Tributo a Marie IV

Como curto demais a história da palavra fui buscar a origem de ‘moleque’ que significa ‘menino’.  Muleke do idioma quimbundo, uma das línguas banto faladas em Angola era para referir-se a menino e foi estigmatizada no Brasil Colônia, sendo usado de forma pejorativa, para filhos de escravos. 

Mas hoje na linguagem popular significa menino levado, travesso. Quer conhecer os pensamentos moleques de Eno registrados no livro?

Continue lendo e divirta-se com as travessuras que Eno fez com as palavras construindo frases muito bem elaboradas pela sua mente criativa…

“As praias são as toalhas onde o mar se enxuga.”

 

“Estou fazendo planos para escrever minhas memórias póstumas. Só ainda não descobri como, depois de morto, poderei escrever”

“O céu é um eterno domingo, o inferno é repleto de de segundas-feiras”..

“A filha da quiromante entrou, esperançosa, na escola que anunciava: ‘Ensina-se alemão’. Depois de uma semana de aulas, veio, chateada, contar à mãe:´Acho que eu vou desistir, mãe, pois até agora, nada. Eles parecem interessar-se mais por ensinar uma língua esquisita do que a ler a mão´.

“Quando eu morrer, não me venham de espanadores, ventiladores ou aspiradores, pois pretendo ser um pó tranquilo”.

 “Quando morrem, os aviões nunca mais vão pro céu.”

Antes de existirem os relógios todos tinham tempo. Hoje, todos têm relógios…

Melhor perder o trem do que perder a linha.

Felicidade, vantagem que todos querem ganhar, não é bem um fim de viagem, é um modo de viajar!