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“Utopia será a marca do século XXI”. Boaventura de Sousa Santos

Num mundo pós pandemia não será possível viver sem utopia. A conclusão é do sociólogo português, poeta e escritor, Boaventura de Sousa Santos. "É a única maneira de ser realista no século XXI". Utopia será a marca deste tempo.

A reflexão é resultado de toda a trajetória histórica do comportamento social a partir das diferentes formas de dominação, sobretudo pelo capitalismo que, cada vez mais, torna a humanidade mais desumana. O  cientista social falou aos Estados Gerais da Cultura (clique aqui para ver) num encontro memorável, pelo qual analisa os equívocos de usar a expressão ‘distância social’ na pandemia, para definir isolamento físico. 

O encontro aconteceu no ano passado (em outubro de 2020), em plena pandemia, no entanto, as palavras de Boaventura não perderam a atualidade, pelo contrário, intensificaram-se no seu significado, com o conflito Ucrânia e Russia. A humanidade não consegue deixar de usar a força para demonstrar poder e diante disso, só nos resta esperançar, a esperança com ação, (como preconizou Paulo Freire),  e ser utópico. Isto é, acreditar que vamos mudar o  mundo,  torná-lo mais justo e menos desigual.

Como mostramos na Mandala da Utopia idealizada pelo designer Marcela Weigert, que colorida e cheia de vidas diversas poderá girar igual para todo mundo.  Sim girar em torno do conhecimento, do livro, da educação para todos os grupos sociais. 

Ilustração by Marcela Weigert

                                        Colonialismo, patriarcado e capitalismo

O retorno ao passado e às formas de dominação foi necessário para entender o significado da “distância física, à social e à cultural” durante a pandemia.  Na magnifica aula de Sociologia oferecida pelo professor, catedrático jubilado da Universidade da Faculdade de Economia da Universidade Coimbra e Distinguished Legal Scholar da Universidade de Wisconsin-Madison, o fato de usar a palavra distância –  um termo que explodiu na comunicação social pela pandemia – pode ser temporal ou espacial.  Mas metaforicamente sempre foi usada nas diferentes formas, no entanto, o que não se prestou atenção durante a pandemia que distância social é diferente conceitualmente da distância física.  

“A distância social é aquela criada entre seres humanos num conjunto de relações sociais que decorre pela desigualdade de poder. Esta distância para ser legitimada deve ser transformada num sentido de vida, num senso comum e então transforma-se em distância cultural. Estão relacionadas mas podem estar diferente”.

É  possível estar próximo fisicamente e socialmente distante. O exemplo citado por Boaventura, foi o caso da primeira empregada doméstica que morreu de covid 19  no Brasil,  porque trabalhava numa casa, cujo patrões vieram da Itália infectados. Ela morreu porque já tinha outras condições de vulnerabilidade. A senhora estava próxima e vivia com eles, mas socialmente distante. É a distância  que determina que esse corpo é distante socialmente mesmo muito próximo.

Livro Escravo Nem Pensar. Ilustração by Marcela Weigert

 

Houve negligência porque  era um corpo não tão importante mesmo que esteja muito próximo.

A partir desse e de muitos outros exemplos que fazem parte da sociedade contemporânea, Sousa Santos mostrou como o colonialismo e o patriarcado se mantiveram como dominação, travestidos com outros nomes e permanecem como  mazelas, acentuando-se com o capitalismo.

“Significa que vivemos em sociedades colonialistas e patriarcais”.

 

O racismo, a violência contra mulher, o feminicídio, concentração de terras, as formas extrativistas de governo, que hoje o Brasil é protagonista mundial, são exemplos de colonialismo que estão inscritos nessas sociedades.

 

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“A ideia que há uma humanidade é uma grande armadilha.

A humanidade é um projeto maravilhoso, mas  é uma utopia porque a humanidade que nós temos nas sociedades capitalistas, colonialistas e patriarcais não existem sem sua humanidade.

Para ilustrar de uma forma muito evidente, na mesma semana em que o Brasil ultrapassou 100 mil mortes do covid 19 (época do encontro) nada aconteceu. Não houve convulsão política, redes sociais não falavam dessa realidade. Uma certa banalização da vida de populações que são pobres, pretas e pardas. Tal é qual como os EUA. A possibilidade nos EUA de um preto morrer de covid morrer é de três a quatro vezes maior que um branco. 

O  fato de uma menina de 10 anos, vítima de estupro, é  histeria contra a retirada do feto. O que é isso? De um lado um 100 mil  vidas ( outubro de 2020) de outro, um alarido. Há vidas e vidas. As 100 mil mortes são típicas das severinas como em Morte e Vida Severina. 

                                                                   Vidas descartáveis. 

Ao passo que vida do embrião é uma vida manipulada por uma religião colonialista, cristã que deu um valor extraordinário a esse embrião, transformado em fundamentalismo. Nem sequer a vida da criança interessava, era uma criança certamente parda,  Era uma vida que trazia com ela sem sua vontade. Portanto dois pesos e duas medidas. São duas imagens de uma mesma sociedade e tão perturbadora. (…)

Vida que vale é  vida que é descartável.  Essas formas de desigualdade de poder estão na origem da distância social em que nós nos encontramos. De alguma maneira a distância social agravou-se com a pandemia. Por que ? O vírus agravou as desigualdades sociais. Quem é morre mais: os presos, as mulheres, os refugiados, as populações negras e pardas. (…) A distância cultural legitima a distância social e o que dá sentido a vida. Uma cultura dominante é uma forma de legitimar a sociabilidade de uma sociedade. Acultura dominante pode designar o que é cultura e o que não é. Pode criar a distância cultural de uma maneira muito simples negar a existência de outra cultura. A negação total. Pode reconhecer a existência de outras culturas de que somos completamente indiferente obviamente considerada inferior. (…) O fundamentalismo religioso é algo que existiu desde o século XVII. Agravou-se com a Pandemia. Fundamentalismo religioso é forma de dominação cultural.

 Uma das grandes oportunidades que nos dá é a utopia porque vem reabilitar a ideia de alternativa.

Nós vivemos nos últimos 40 anos numa grande pandemia, a do neoliberalismo (…). 

A pandemia está a dar uma lição. Não é um inimigo,  é um pedagogo cruel porque ensina matando,  que precisamos mudar o modelo de desenvolvimento. Portanto, não podemos ter vergonha de ser utópicos. 

Fonte: Da  distância física à distância social e à distância cultural ( leia aqui o pensamento completo).

* Em tempo: 

 Ao leitor do PanHoramarte, como editora, quero ressaltar aqui o quanto é importante uma análise feita por um cientista social como o renomado professor Boaventura de Sousa Santos. Como é importante a Sociologia, como ciência e que hoje é negada na sua importância por um desgoverno destrutivo. Tão triste é a realidade brasileira em relação a disseminação de notícias falsas e maldosas que esta semana vi uma postagem no Facebook que me deixou indignada com o teor.  Era uma foto mostrando jovens dando a ideia de degradação da juventude. Sobre a foto, em cima, dizia assim: “Olha a formatura dos novos sociólogos da Unicamp 2021”.  
O mais triste disso tudo, é constatar que a pessoa que postou tem formação universitária,certamente com moralismo hipócrita, no entanto, sem o mínimo discernimento e vontade para verificar a verdade e em que contexto foi capturada a foto.  O fato é que, por trás dessa postagem fora de contexto existe o desejo que seja realmente verdade.  Um jeito de manipular a opinião pública e justificar a retirada da Sociologia no ensino. Para que ensinar a pensar!
 

 

 
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Por uma ABI presente em todo Brasil

Mulheres vão à luta para renovar a Associação Brasileira de Imprensa. A candidatura das jornalistas, Cristina Serra e Helena Chagas, é a esperança de uma ABI mais presente em todos os cantos do Brasil.

 Nestes tempos sombrios de pós-verdade a imprensa precisa de muita garra para manter-se livre da dependência financeira e ideológica dos interesses escusos de poderes políticos que não contemplam a sociedade como um todo.

A Associação Brasileira de Imprensa é a mais indicada para exercer o papel de defensora da verdade tão necessária nesse momento perigoso para democracia  no  Brasil.  “Aumentar a representatividade da ABI é um ponto chave e essencial para nossa chapa Democracia e Renovação”, afirma Cristina Serra, ao reconhecer que a organização é mais concentrada no Rio de Janeiro.  

Se vencerem a eleição prevista para dia 29 de abril, as duas mulheres irão quebrar a tradição da organização ser presida por homens durante 113 anos. Será um fato histórico e um gol contra o machismo brasileiro que está enrustido em todas camadas sociais e categorias profissionais, sobretudo na que se diz tão liberada, a jornalística. Desta vez será vez das mulheres que estão propondo com toda a energia  retirar a organização da sua ‘bolha’ carioca e fazer jus ao “Brasileira” que está no nome.  

Cristina Serra e Helena Chagas participaram de um encontro nos Estados Gerais da Cultura para falar sobre o que pretendem realizar e suas propostas de ação para melhorar e fortalecer o papel da ABI no Brasil.

 

Cristina Serra esclarece que a ABI tem hoje no  quadro associativo jornalistas de todo Brasil.  Mas concorda na necessidade de ampliar a representatividade porque segundo ela, de fato a presença do Rio de Janeiro e do Sudeste em particular é muito desproporcional.  Além de entender que a ABI precisa  trazer para dentro de seu quadro de sócios toda a diversidade regional do jornalismo brasileiro e as diferentes formas de fazer jornalismo. “Hoje eu diria que temos jornalismos”, afirmou. “Precisamos contemplar companheiros que vivem em cidades menores”. Citou o documentário Boca Fechada sobre os casos de violência contra jornalistas que se concentram em cidades com até 200 mil habitantes e para reforçar a tese de acolher a todos lembra que é preciso inserir, sobretudo as diversidades regional, de gênero e racial.

 “É trazer o perfil demográfico do jornalismo brasileiro para dentro da ABI que hoje sabemos ser majoritariamente feminino e também com significativa  participação de negros e negras”.

Qual é a saída proposta por elas para viabilizar essa participação?  Cristina e Helena na  chapa Democracia e Renovação, diga-se de passagem, um chapa de continuidade do processo de modernização realizado pela atual diretoria presidida por Paulo Jerônimo- a qual têm o apoio, colocam algumas prioridade e entre elas está a de trazer jornalistas que representam setores  da população para instâncias decisórias da ABI.

Todos os interessados em conhecer mais sobre os programas poderão segui-las no Instagram  e no Facebook. 

“A ABI tem um papel histórico de lutas em defesa da democracia. Na época das Diretas, ela teve um papel muito importante. O presidente era o Barbosa Sobrinho, um senhor de bastante idade que participou ativamente da campanha. Eu era estudante de jornalismo, via a atuação dele, achava inspirador. Me sentia muito representada por aquele senhor de terno, cabeça branca. Mas ele falava por mim, naquele momento, como cidadã, eu me sentia representada por ele e mais ainda como jornalista. E por isso me associei a ABI”, conta Cristina Serra  em uma entrevista ao Portal da Imprensa. 

Vamos apostar numa Associação Brasileira de Imprensa mais presente e moderna ! O Brasil precisa de uma imprensa menos manipuladora e interesseira e a ABI é o caminho para a defesa da democracia brasileira e tem meios  para descontruir  a mentira que se tornou  verdade na sociedade brasileira. 

Cristina Serra é jornalista e filiada à entidade desde a sua formação profissional. É colunista da Folha de São Paulo e autora dos livros Tragédia de Mariana, a história do maior desastre ambiental do Brasil e Mata Atlântica e o mico-leão-dourado. 

Helena Chagas é também jornalista e foi ministra-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República do Brasil durante o governo Dilma Rousseff. Hoje é consultora de comunicação e escreve esporadicamente para o blog no Noblat.

Barbatuques, Só +1 Pouquinho por Tati Wexler 11

Barbatuques nos EGC mostram que pessoas são melodias

Existe algo mais vibrante e também poético do que transformar o corpo num instrumento musical, com ritmo, sonoridade e movimento?

Certamente é mágico!

Também é a  própria definição do Barbatuques. Um grupo de pessoas que usa a percussão corporal, como bater palmas, estalar dedos ou estalar a língua no céu da boca e a partir daí produzir  incríveis criações rítmicas e gostosas melodias. 

Em torno de 15 pessoas que  “furaram a bolha” da arte musical e provaram do novo para criar recursos percussionistas e buscar  as ilimitadas possibilidades do corpo e o encanto dos ritmos sincronizados. O resultado é incrível!

Vale destacar aqui que  Barbatuques foi interagir no debate “Como furar a bolha e sair do quadrado” realizado pelos Estados Gerais da Cultura,  que reuniu a filósofa, Márcia Tiburi e o professor João Cézar de Castro Rocha( clique aqui para assistir). Os dois intelectuais reconhecem o papel importante da cultura, a não acessória, no desenvolvimento de um país e na liberdade de um povo. “A cultura é a práxis política mais profunda que uma sociedade pode ter, que um governo pode ter, ou seja, é ali na cultura que a gente vai fazer com que as pessoas pensem, pratiquem, sintam, vivam aquilo que consideramos ser os valores democráticos. Mas podemos também fazer da cultura um inferno. A cultura pode ser um território do ódio”,  afirmou Márcia Tiburi durante o debate, ao tratar do grave e sério momento em que vivemos com o crescimento do poder da extrema-direita no mundo.

“Reconhecidos pela sua linguagem única de percussão e música corporal, o grupo Barbatuques tem mais de duas décadas de atividades artística e pedagógica pelo mundo. O músico, pesquisador e educador, Fernando Barba (1971 – 2021) foi o criador dessa história. A música do grupo é produzida apenas com o corpo: palmas, estalos, vozes, pés e diversas outras técnicas que criaram, resultando em uma sonoridade singular e impactante.

No palco, o Barbatuques traz um show com repertório especial, que circula por todos os trabalhos já lançados pelo grupo. Clássicos dos primeiros discos como Baianá (hit que ganhou o mundo), Barbapapa´s groove, Carcará e Baião Destemperado, juntam-se ao repertório mais recente que traz músicas como Ayú, Skamenco, Kererê e Você Chegou (Rio 2). Um apanhado rítmico que representa a sonoridade do grupo desde a sua criação. 

 

 O grupo se apresenta pelo mundo, fazendo shows para todos os públicos, oficinas e atividades pedagógicas para perfis variados e projetos para crianças.

Entretanto, a música do Barbatuques alcançou grandes voos e foi além dos palcos – dos mais de 30 países quejá se apresentaram, estão em trilhas sonoras diversas no cinema, em séries para TV, publicidade e jogos, estão nas pistas de dança pelo mundo, embaladas por grande DJs, como Alok, e também em diversas versões remix. Entre os eventos que participaram, vale citar a cerimônia de encerramento das Olimpíadas Rio 2016, a Copa do Mundo da África (2010), tantas edições do International Body Music Festival (EUA), Europalia (Bélgica) e Lollapalloza Brasil. A linguagem musical desenvolvida pelo grupo contribuiu significativamente para a difusão da música corporal, tornando-se ainda uma importante ferramenta pedagógica.

A sonoridade do Barbatuques mostra uma sobreposição de estilos e estéticas, passando pelo baião, coco, samba, maracatu, rap, afoxé, funk, carimbó, toré indígena, choro, rock, beatbox, kecak e a música africana. São canções e músicas “instrumentais” que exploram a fonética, aspectos rítmicos, harmônicos e melódicos. Variando entre o erudito, a tradição popular brasileira e o pop contemporâneo.
O Barbatuques leva a música corporal pelo mundo sempre surpreendendo o público, comouma orquestra corporal ou uma banda que toca da cabeça aos pés. Fonte: Barbatuques – Tenda Artística / Estados GErais da Cultura

Mulheres Facetadas - Di Cavalcanti /1968

“Escrever é minha zona de prazer e é também minha cena de dor”

Nada mais justo que homenagear Conceição Evaristo na semana dedicada a mulher e junto ilustrar com Mulheres Facetadas de Di Cavalcanti.

A obra de Di Cavalcanti representa as inúmeras mulheres em uma só voz e é  pela voz e escrita da grande escritora contemporânea Conceição Evaristo, que ecoam  lutas contra injustiça, desigualdade social e combate ao racismo. A sua escrita é um ato político.

Romancista, poeta e contista premiada, é também educadora aposentada e pesquisadora da cultura afro-brasileira, Conceição Evaristo carrega  em sua ancestralidade a história oculta de um Brasil racista e por intermédio de sua ‘escrevivências’ fortalece e potencializa o papel  da mulher negra como influenciadora da nacionalidade brasileira.  

Num encontro dos mais contundentes, ao dar seu depoimento aos Estados Gerais da Cultura,  a escritora destacou o conceito ‘escrevivências’ como o direito em escrever e o prazer em ler. 

 “Para chegar a esse conceito vou pra História das mulheres escravizadas na casa grande. O corpo delas estava inscrito na economia de produção, do lazer, do prazer, da educação… Seus corpos produziram trabalhos. Mas não só os seus corpos: as suas palavras. A palavra dessas mulheres vai influenciar muitíssimo a nacionalidade brasileira a partir da língua, é o que Lélia Gonzalez fala: que nós falamos o pretoguês.

Um autor que a gente lê com muito cuidado é o Gilberto Freyre. Ele fala em “Casa Grande & Senzala” que a descendência dos colonizadores aprendia a falar o português muito mais com essas mulheres do que nos próprios espaços de educação que a casa grande reservava pra eles, que eram os colégios religiosos. Elas foram também as primeiras professoras da prole da casa grande. Elas tinham que contar as histórias pra prole da casa grande. Tinham seus corpos escravizados e tinham também a palavra direcionada, a palavra delas cumpria uma função.

A nossa “escrevivência” não é pra adormecer os da casa grande, e sim para acordá-los de seus sonhos injustos. A nossa palavra hoje quer borrar essa palavra que ficou pra trás, essa palavra escravizada, mas ao mesmo tempo essa palavra escravizada que nos deu sustança, que foi o nosso fio de prumo.

A potência da palavra dessas mulheres também foi usada no processo de escravização. Então até a palavra delas tinha um dono, era o senhor. Se elas quisessem guardar silêncio naquela noite, não podiam. Pelo menos enquanto aquelas crianças não dormissem. É a famosa Mãe Preta tão incensada na literatura brasileira, que pensa nessa mulher com tanta abnegação.

O que que eu quero contrapor a isso? A escrita das mulheres negras. É como se a nossa escrita borrasse esse quadro. Nossa escrevivência não é para adormecer os da casa grande, e sim para incomodá-los nos seus sonos injustos. O que as mulheres negras estão produzindo hoje a partir de seus lugares de pertença, é uma produção que não tem esse compromisso de apaziguar a casa grande, pelo contrário, incomoda a casa grande. Nossa escrevivência nasce dessa coletividade negra que traz toda uma herança, uma ancestralidade, dos povos afro-diaspóricos.” Fonte: EGC

 

Autora de Olhos D’água, Insubmissas lágrimas de Mulher, entre outras obras que  revelam a ternura de um coração sensível, ao ponto de não ser branda em expressar a crueldade de uma sociedade desigual, a escritora . 

Conceição Evaristo nasceu na periferia de Belo Horizonte, era filha de uma lavadeira. Aos sete anos foi morar com uma tia que não tinha filhos, teve oportunidade de estudar, mas mesmo assim, “os períodos de estudo foram entremeados com o trabalho de babá, muitas vezes, trocava a limpeza da casa por livros”, conta. “Em dado momento, estudava à noite, limpava casa de manhã e fazia estágio à tarde”.

Também ajudava a mãe e a tia a lavar e a entregar as trouxas de roupas. Olhava crianças da vizinhança, tudo que pudesse render um troco, mas sem deixar os estudos de lado. Ao terminar o antigo primário, ganhou o primeiro prêmio de literatura com a redação: “Por que me orgulho de ser brasileira”.

Nos anos 70, se mudou para o Rio de Janeiro, onde passou em um concurso. “Trabalhei com o ensino fundamental, fiz mestrado e doutorado, mas só comecei a escrever nos anos 90”, contou num artigo publicado no site Geledes.

Performance com Ramon Paixão. Foto via Facebook de Conceição Evaristo. Todos os direitos reservados

Uma gota de leite
me escorre entre os seios.
Uma mancha de sangue
me enfeita entre as pernas.
Meia palavra mordida
me foge da boca.
Vagos desejos insinuam esperanças.
Eu-mulher em rios vermelhos
inauguro a vida.
Em baixa voz
violento os tímpanos do mundo.
Antevejo.
Antecipo.
Antes-vivo
Antes – agora – o que há de vir.
Eu fêmea-matriz.
Eu força-motriz.
Eu-mulher
abrigo da semente
moto-contínuo
do mundo.

  • Foto destaque-Mulheres Facetadas – Di Cavalcanti /1968