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A Imortalidade de Milan Kundera

‘A Imortalidade’, do escritor tcheco Milan Kundera, é um livro surpreendente. O autor trata de um tema subjetivo, num texto leve, mas pragmático.É uma leitura tranquila, sem tramas intensos, quase um “livro de cabeceira” sobre o comportamento do homem e do seu desejo de imortalidade.

Será bem provável que o leitor irá se identificar com as situações que Kundera define com simplicidade, como é o capítulo  A Adição e a Subtração.

Para conseguir a originalidade do eu as pessoas ou adicionam ou subtraem para se identificarem.  “Em nosso mundo, não é tarefa fácil para o homem querer confirmar a originalidade do seu eu e conseguir convencer-se de sua inimitável unicidade. Há dois métodos para cultivar a unicidade do eu: aditivo e subtrativo”

Aí cita seus personagens como exemplos. Agnes ( a principal) que é reservada, subtrai de seu eu tudo que é exterior e emprestado, para chegar a sua essência pura, e Laura, a irmã, extrovertida e manipuladora, é o inverso, usa sem cessar novos atributos, aos quais tenta se identificar.

Também faz uma comparação interessante sobre o papel de uma gata na personalidade de Laura. A gata que adquiriu para ajudá-la a enfrentar a solidão de um divórcio. “De tanto viver com ela, falar dela com seus amigos atribuiu a essa gata, escolhida mais por acaso e sem grande convicção (pois afinal a princípio quisera um cachorro!), uma importância cada vez maior: em todos os lugares elogiava seus méritos obrigando todos a admirá-la. Via nela a bela independência, o orgulho, a desenvoltura, o charme permanente (bem diferente do charme humano que se alterna sempre com momentos de inépcia e de falta de graça); via um modelo em sua gata; via-se nela”.

Kundera cria Agnes a partir de um gesto que capturou numa mulher mais velha. A introdução do livro é sobre a imortalidade de um gesto, que seduz pelo tom reflexivo. “Esse sorriso e esse gesto eram cheios de encanto, enquanto que o rosto e o corpo não eram mais. Era o encanto de um gesto sufocado no não encanto do corpo. Mas a mulher mesmo que não soubesse que não era mais bonita, esqueceu isso naquele momento”.

No entanto, na sequência do texto, Kundera, não se curva à  vida cotidiana de Agnes. Se aprofunda no significado da imortalidade e a apresenta nas suas diversas faces.  Em meio a narrativa, insere Goethe, Betina, Hemingway e exalta a imortalidade para quem vive nesse mundo. A imortalidade da memória da posteridade, da permanência na história da humanidade.

” Trata-se de uma outra imortalidade, profana, para aqueles que permanecem depois de mortos na memória da posteridade. Qualquer pessoa pode esperar por essa imortalidade, ou maior ou menor, mais ou menos longa, e desde a adolescência pensar nisso”.

O texto não segue uma estrutura literária comum. O leitor tem a sensação de que o autor se confunde ou talvez, ao contrário, o autor quer confundir o leitor.

Kundera esmiúça o significado da imortalidade para os homens que a buscam. É soberba a maneira como ele recoloca no cenário o encontro em Napoleão e Goethe, que realmente aconteceu em 1808, em Erfurt, embora nesse caso o foco era refletir sobre a a morte e imortalidade do poeta imortal e de um imortal estrategista. Essa riqueza literária ocorre também nos encontros com Hemingway.

‘A imortalidade’ não é um livro previsível, muito menos em seu final. Mas certamente o conteúdo estará para sempre na memória do leitor.

 

 

 

 

 

 

 

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