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Lucia Stall distribuiu afetos para cinco meninos de rua e hoje recebe gratidão

O  tempo é de esperançar, segundo Paulo Freire, esperançar é a ESPERANÇA com ação. Também é justo oportuno  homenagear minha amiga Lucia Fernandes Stall, que há 24 anos desenvolve o Contrato (clique aqui). É um projeto social que surgiu das circunstâncias ao transformar a vida de cinco meninos que pediam dinheiro nos semáforos. Hoje os meninos já são homens e ela ainda os acompanha como uma madrinha dando apoio emocional e às vezes financeiro a eles.

Neste final de 2022 recebeu um presente que não tem preço, das muitas manifestações de gratidão de toda a turma. Um singelo áudio de Elias Vieira agradecendo a ela o presente, que foi um pouco de dinheiro que Lucia ofereceu como ‘ajuda de Natal’ a todos. Elias ficou muito grato e disse que iria doar o que recebeu para um parente de sua mulher, que vive em São Paulo e neste momento está passando fome.  

foto 2017 – Meire, Elias, Adilson e Lúcia

Concordam comigo que esse áudio tem valor imensurável?  É prova eloquente que a atenção e o apoio emocional oferecido por Lucia ao longo desses anos, ajudou a formar na personalidade de Elias, a importância do amor ao próximo, a solidariedade e os valores éticos e morais. Elias aprendeu a ‘olhar para o outro’. Essa é a missão do contrato “um olhar para o outro”.

Elias era um dos meninos que Lucia encontrava no semáforo a caminho de seu trabalho pedindo uma moedinha. Hoje, já um homem feito, pai de dois filhos, e chaveiro de profissão. Mas faz diversos ‘bicos’ para dar conta do recado e sustento da família, mulher e os meninos(um recém nascido). Portanto, a vida para ele é de luta diária em busca da subsistência e não hesitou em oferecer o seu presente para o outro que necessitava mais que ele. Uma lição para todos nós, sobretudo num Brasil que precisa olhar para quem tem fome.

Faço questão de frisar bem esse aspecto da história de o Contrato porque acompanho o projeto desde 2006. Não somente a cesta básica mensalmente e o material escolar Lucia que ofereceu a eles nesse acordo, mas também seu apoio e em muitos casos proteção. Como advogada abriu seu escritório para atendê-los em dúvidas, incertezas e dificuldades, que não foram poucas. Sem dúvida, esse gesto afetuoso de atenção ajudou na formação da personalidade de cada um deles.

Não esqueço o dia que Elias, já um rapaz, tinha um pedaço de barbante na mão com alguns nós. Lucia tinha lançado um desafio e a cada um deles deu um pedaço de barbante, meses antes de acabar o ano, e disse que queria ver os meninos praticando boas ações e a cada boa ação deveriam fazer um nó no barbante. Com toda a seriedade Elias me contou que ajudou a uma senhora que precisava ser levada urgente a um hospital.

História

“Era final do ano de 1998, todos os dias eram muito iguais, chovia, o céu ficava cinzento, fazia sol e o céu se ilumi­nava, mas naquela esquina no semáforo do supermercado estavam aqueles meninos, alegres, bonitos nos seus trajes simples, sempre atrás de uma pequena ajuda. “Tia tem uma moedinha?”,  trechos do diário de Lucia publicado no site.

Ilustração por Marcela Weigert. (Um olhar para o outro)

Lucia é advogada e todos os dias fazia o mesmo trajeto para seu escritório. Num determinado semáforo lá estavam eles pedindo alguma coisa para aos motoristas que paravam o fechamento do sinal. Certo dia, ela parou e perguntou seus nomes e assim fez durante vários dias, sempre perguntando sobre a escola. “Agora já es­peravam por mim ansiosos. Talvez a única motorista que fazia a gentileza de baixar o vidro e conversar al­guns segundos com eles. Assim fiquei sabendo o nome de todos os cinco, com quem viviam, onde moravam, onde estudavam “de vez em quando”.

Comecei a achá-los ótimos, espertos, inteligentes e bonitos. Até que o Elias então com 14 anos, me pe­diu um presente porque era seu aniversário, respon­di que deveria me trazer a Certidão de nascimento. Não teve dúvida, no dia seguinte lá estava ele com sua Certidão erguida no alto, na frente do semáforo e recebeu o presente. Neste momento percebi que já éramos amigos, que aqueles meninos precisavam de uma ajuda efetiva.
A primeira questão a considerar é que as crianças, em hipóte­se alguma, devem ser retiradas de seu ambiente familiar. Observar que neste início de história, Lucia resolve estrei­tar os laços de amizade e conversar com eles num ambiente neutro, distante da sua própria família. Os meninos são con­vidados para uma conversa em seu escritório profissional.
“Vocês querem fazer um contrato comigo? Dou uma cesta básica mensalmente para cada um em troca vocês saem da rua, vão à esco­la e apresentam todo mês o boletim com nota e a frequência, dou ainda mais a cesta escola no início e no meio do ano. Aquele que voltar para a rua ou não frequentar a escola sai do acordo. OK? Todos concordaram.

– Ah, tem um negócio, este contrato é sigiloso. Vocês prometem não contarem para os outros meninos, senão vai formar filas na porta do es­critório e não vou conseguir trabalhar mais, e sendo assim babau nosso acordo, sem cesta bá­sica e sem cesta escola, pois não vou ter mais dinheiro para comprar.

Assim, meus novos amigos saíram felizes da vida do escritório.Eram meus filhotes do coração que esta­vam nascendo.”

Assim a grande família de Lúcia foi crescendo e muita história rolou nesses 24 anos de tristezas, alegrias, no entanto, que resultaram muitas e muitas conquistas.

Todos os anos, antes da pandemia, tinha festa de fim de ano com direito a presentes e celebrações. Lucia angariava os presentes com a ajuda de Elair Savinski, sua secretária, entre as amigas e culminava a campanha em festa de confraternização. Muitas reuniões lindas e emocionantes fazem parte da memória dessa grande família. A gratidão por parte deles é imensa, Elias, Marcos Aurélio de LIma (casado, pai de três filhos, trabalha em supermercado), Alex Marcelino ( casado, um filho, trabalha em lanchonete), Leandro Matos de Mello ( casado, pai de cinco filhos trabalha como motorista de ônibus.), Valdinei Felix Ribeiro (casou-se e separou-se, pai de dois filhos) e mais Carla, Luanna e Diego, irmãos de Leandro que também receberam apoio e afeto de Lúcia. Os três últimos têm curso universitário.

A atitude de Lucia foi corajosa, sem dúvida. No seu propósito jamais assumiu o papel de mãe ou responsável pelas crianças que viu crescerem. Todos mantiveram-se em seu núcleo familiar e acolhidos pelas famílias de origem. Quando indagava a ela: Mas até quando você vai oferecer ‘cesta escolar’ e cesta básica? Eles já estão com filhos?

Lucia sempre me respondeu que um projeto social para dar certo e alcançar a transformação é necessário que se estenda o acompanhamento até a segunda geração.

Um Feliz Natal a todos e todas!

Para recordar um pouco:

 

 

 

 

 

 

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