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Mai devi domandarmi

Quase sempre tenho a sensação de que todas às vezes que eu leio um livro e gosto muito, queria que o mundo inteiro lesse comigo e experimentasse a mesma sensação que eu experimento.

O pior, é que isso acontece a maioria das vezes lendo no metrô e, de repente, começo a ter ideias em paralelo à leitura, que poderia começar a escrever naquele instante mesmo. A inspiração chegou; só que no momento equivocado.

Bom, felizmente já não estou no metrô. Já estou na frente do computador, e depois de uma hora e meia sem poder colocar no papel aquelas ideias maravilhosas, minha cabeça já perdeu o fio da meada e já nem sei mais o que estava pensando.

Às vezes ser escritor dá muito trabalho. Porque parece que você tem que estar sempre preparado, com papel e caneta na mão, ou com um teclado para poder anotar tudo aquilo que passou pela cabeça naquele instante. Em diversas ocasiões, isso só acontece nos lugares mais inusitados e sem possibilidade de pegar qualquer coisa para anotar. Ô impotência!

Por exemplo, hoje estava no metrô lendo um livro da Natalia Ginzburg (com certeza não é a primeira vez que eu falo dela), e junto ao livro que eu peguei na biblioteca vou com um bloquinho de marca páginas para ir colocando nos parágrafos que mais gostei de ler para depois voltar ali, reler de novo e anotar, antes de devolver o livro à biblioteca.

O que aconteceu foi muito mais desesperador. Estava de pé no metrô, feito sardinha em lata, lendo o livro e cada ensaio dela me dava uma ideia de história, conto, relato ou mesmo ensaio. Pensei em frases lindíssimas, que por não poder pegar nada para anotar, se perderam nessa viagem a caminho do trabalho. Cheguei no trabalho frustrada, com aquela sensação de ter perdido as frases mais lindas da minha vida… aquela que me daria um dia aquele prêmio que eu nunca vou receber.

Mesmo assim, estava na “vibe” de escrever. Outra frustração constante. Acordo todos os dias com vontade de ler e escrever e não posso. Estou limitada pelo tempo do metrô e, quando chego no escritório, pelo trabalho. Mas o mais frustrante não é poder escrever nesse momento, mas o de não poder anotar aqueles pensamentos maravilhosos que me assaltaram nas horas mais inesperadas e inconvenientes possíveis. O que fazer? Eu fico martelando a cabeça para não esquecer de tal momento de iluminação e mais tarde vejo que todo esse esforço foi em vão.

Mai devi domandarmi

Daí a vontade de continuar lendo a Natalia Ginzburg, na esperança de voltar a inspirar-me. Seu livro “Las tareas de casa y otros ensayos” (título original, “Mai devi domandarmi” – não encontrei traduzido ao português, mas a tradução literal é ‘nunca deves perguntar-me’) são nada menos que os pensamentos de uma escritora que parece que sempre tinha papel e caneta na mão para anotar tudo o que passava pela sua cabeça. Seus ensaios são fabulosos porque emitem a opinião e o pensamento de uma pessoa que se dedicou a pensar muito sobre a vida, sobre as nossas relações, sobre a velhice, sobre os livros que lia e não tinha mais que fazer que escrever sobre tudo isso.

“Hoy el público acepta contemplar durante horas, inmóvil, un objeto inmóvil. Acepta no entender, no recibir explicaciones, tener delante cosas indescifrables y no descifrarlas. Por no sé qué malentendido ha nacido la idea de que el aburrimiento resulta de algún modo necesario, obligado e indisolublemente ligado a las más altas actividades del espíritu. El público se ha vuelto extrañamente dócil, sumiso y paciente”. – Dillinger ha muerto – Natalia Ginzburg

Nesses ensaios ela fala sobre o seu trabalho… e às vezes chego a pensar que ela mente. Como uma pessoa que escrevia e lia tanto seria capaz de trabalhar com tradução, algo tão absorvente e depois passar horas dentro de casa escrevendo para si mesma?!

La casualidad nos parece algo bastante vil y despreciable. Creemos tan solo en nuestras elecciones, y nuestras elecciones son arrogantes, inquietas, caprichosas y agitadas. Estamos, no obstante, con los prismáticos a punto, esperando que aparezca alguna”. – El Pueblo de Dickinson – Natalia Ginzburg

Às vezes penso que devo ser uma escritora medíocre. Não porque penso na beleza do que eu escrevo. Na verdade eu nunca penso sobre isso. Escrevo para mim e tenho a sorte que têm pessoas que vem algo de útil naquilo que eu escrevo.

O fato de me achar uma escritora medíocre é pela pouca disciplina na tarefa de escrever. Sou mais constante com muitas outras tarefas, a de escrever não. Adoro escrever, mas muitas vezes quando chego em casa depois de um dia longo de trabalho não consigo olhar para lado nenhum. Só penso em fechar os olhos, dormir muito e me sentir descansada para o dia seguinte. Às vezes penso que deveria escrever todos os dias, mas não sou capaz de colocar nenhum pensamento em ordem.

Daí vou ler; e leio a Natalia e a admiro, venero, desde a minha mediocridade. Admiro sua forma de ver a vida, de transmitir através de palavras toda a singeleza dela. Admiro a sua perseverança e escrever dia trás dia sobre tudo, do banal até o mais inusitado. Admiro sua forma de contar em cada ensaio as coisas mais ordinárias do dia-a-dia e colocar poesia na sua prosa. Parece fácil, mas é difícil.

Não existe uma atividade mais quebra-cabeça para mim que escrever. Buscar as palavras certas no momento certo. Buscar metáforas que exemplificam as questões mais vãs do universo. Mais difícil ainda é fazer com que todas estas palavras juntas tenham coesão, coerência e que ademais, envolvam aquele que lê e o inspire a ler mais e mais.

Sempre fui melhor na matemática que em línguas. Sempre me resultou mais fácil atribuir um resultado a X que identificar uma oração subordinada substantiva completiva… ou sei lá o quê. Mesmo assim acabei optando pelas letras. Porque me parecia um quebra-cabeça delicioso buscar palavras, substantivos e adjetivos tão perfeitos capaz de construir em uma só frase, um sentido tão complexo e perfeito, que fosse mais profundo que o resultado de qualquer X.

Assim são os textos da Natalia; completos, perfeitos, universais. Porque não há nada mais universal que a quotidianidade da vida. Não há nada mais certo que as dúvidas que rondam o pensamento do ser humano são as mesmas desde faz décadas, séculos, milênios.

“Las tareas de casa y otros ensayos” é um daqueles livros que todos deveríamos ter na cabeceira da cama, e ler um ensaio por dia antes de dormir. Um só. Porque cada um deles tem uma dimensão que se ofuscaria na leitura do outro. Um ensaio por dia antes de dormir seria o suficiente para deixar o inconsciente atuar sobre a sabedoria das suas palavras e interiorizar o profundo de cada questão. Este livro sem dúvida merece uma segunda leitura.

Por quê? A resposta é da própria Natalia:

“Porque las novelas están entre esas cosas del mundo que son a la vez inútiles y necesarias. Totalmente inútiles porque carecen de una razón de ser visible y de cualquier clase de finalidad, y no obstante necesarias en la vida como el pan y el agua, y entre esas cosas del mundo que a menudo se ven amenazadas de muerte y que, sin embargo, son inmortales”.

Um fato curioso

Este livro foi emprestado da biblioteca Eugenio Trías de Madrid. Sou sócia faz pouco tempo porque decidi que ia passar mais tempo na biblioteca esse ano. O curioso foi que quando abri esse livro, já em casa, vi que estava cheio de “post it” com anotações de algum leitor anterior a mim.

As notas eram excertos dos livros, com os parágrafos mais interessantes, do ponto de vista do leitor, e com as páginas que estavam.

Achei sensacional!

É como se escritor não só estivesse se comunicando comigo mas também o leitor, que de alguma forma deixou ali todas aquelas notas que diziam o que mais chamava a atenção sobre a escritora, e sem querer o que mais chamava a atenção sobre ele mesmo.

É como se o universo conspirasse para criar uma conexão entre todos nós, criando um vínculo entre duas pessoas desconhecidas, que acabaram sendo unidas pelo amor a esse livro.

Viva as bibliotecas e aos leitores por existirem y resistirem nesse universo tão complexo e cheio de coisas inúteis!

As notas do leitor:

“Porque las novelas están entre esas cosas del mundo que son a la vez inútiles y necesarias. Totalmente inútiles porque carecen de una razón de ser visible y de cualquier clase de finalidad, y no obstante necesarias en la vida como el pan y el agua, y entre esas cosas del mundo que a menudo se ven amenazadas de muerte y que, sin embargo, son inmortales”.

“Porque los fantasmas dela angustia no tienen nombre ni lugar, y porque las interrogaciones acerca de la angustia están destinadas a quedar sin respuesta y porque los lugares de la angustia se sitúan quien sabe dónde, en un país de nuestra alma abrasado no se sabe si por el verano o por el invierno”.

“Con los niños de hoy la tristeza no tiene éxito. Los atrae la crueldad, pero huyen de la tristeza”.

“Pero habría querido durante un instante existir en el campo de su mirada”.

“Lo falso no es más que una imitación, falsa y muerta, de lo vivo y de la verdad. Hoy en día, la honestidad, el honor, el sacrificio nos parece muy lejano de nosotros, tan extraños a nuestros mundos que no conseguimos convertirlos en palabra, y estamos completamente mudos, porque, en los tiempos que corren, nos horroriza la mentira. Por eso esperamos, en absoluto silencio, encontrar palabras, nuevas y verdaderas para las cosas q amamos”.

“Fiel a su ilimitada desesperación sin palabras, porque la palabra humana resulta insuficiente y miserable. Fiel para siempre a su ilimitada libertad de no pronunciar jamás una palabra”.

“Rechazar el presente, arriscarse en la nostalgia de un pasado ya muerto significa negarse a pensar”.

“El peligro más triste que corremos con las personas no es tanto que no vean o no amen nuestras cualidades sino que, por el contrario, supongan que nuestras cualidades reales han hecho proliferar en nosotros numerosas cualidades que no existen en absoluto”.

 

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