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As aparições mágicas de Galeano

A primeira vez que ouvi falar de Eduardo  Galeano foi num congestionamento. Eu tinha 17 anos e estava prestes a cursar jornalismo. No carro, um velho amigo ponderou: você não pode entrar no curso sem ler “As veias abertas da América Latina”. Perguntei por que e ele, enfático, respondeu: como iniciar no jornalismo sem ler um grande jornalista? Pareceu-me justo, mas não fazia ideia de quem seria o grande jornalista. Ali, no congestionamento, pedi para que me apresentasse, com uma história, esse senhor que era grande e era jornalista.

“Posso te contar mil histórias do Galeano, mas acho esta ótima: havia um velho bebum que a mulher ameaçou arrancar-lhe o bagos. Para evitar de ser capado ali mesmo, ele abraçou as pernas da mulher ciumentíssima e, chorando, afirmou: ‘Tá aqui este amigo que não me deixa mentir: você é a minha única catedral, as outras são apenas capelinhas’”.

A história contada foi escrita por Galeano e publicada por Ziraldo na revista “Bundas”. Lembro de rirmos, durante meia hora, dessa história insólita. A partir daí, Galeano ganhou um espaço sagrado nas gavetas do meu coração.

No ano passado, quando conclui o curso de jornalismo, fui passar uma temporada no Chile. Numa dessas aldeias, feitas de madeira e de neve, havia uma pousada belíssima chamada Farellones. Ali, passei três dias com o intuito de me aventurar nas estações de esqui. Qual o quê. Minha diversão naqueles dias foi conhecer uma família uruguaia composta por avós, pais e netos. O avô da família era médico e sósia de Galeano. Foram muitas conversas sobre o Uruguai, o Brasil e, claro, sobre o escritor uruguaio e a semelhança dos dois. A cada três palavras, uma dose de chimarrão para aquecer os sentidos.

Galeano estava comigo em muitos momentos, tomando um cafezinho ali na minha frente, em algum lugar. Sua presença era constante, seja nos livros, nos textos, seja nas histórias ou nas conversas. Eric Nepomuceno, que era seu tradutor e “um irmão mais jovem” do escritor uruguaio, me contou que Galeano era um dos maiores seres humanos que conheceu.

A partida de Galeano, no dia 13, me esvaziou. Assim como esvaziou muitos de seus admiradores, amigos, conhecidos e próximos. A gente que fica não se acostuma com a ida de alguém que foi tanto e era enorme em tudo na vida. (Paula Pires).

 

Paula Pires  é jornalista. E, como quase todo jornalista, ama tudo que se relacione a expandir os horizontes: bons lugares, bons filmes, boas músicas, bons livros, boas companhias, a lista nunca acaba… Sempre se descobrem boas coisas. Trabalhou como editora de cultura no Jornal Diário do Povo, em Teresina-PI. Foi produtora de TV do noticiário Jornal Cidade Verde e repórter ocasional do programa cultural Feito em Casa, também na TV Cidade Verde (afiliada do SBT no Piauí). Atualmente é analista de comunicação na área ambiental com enfoque em saneamento.

 

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