11269451_926184574110645_391729599_n

A arte como linguagem de expressão

A arte (do latim ars) engloba todas as criações realizadas pelo ser humano para expressar ideias, emoções, percepções e sensações.

Quando as mesmas causam impacto quando a obra final repercute ao ser visualizada, surgem questões de ordem objetivas quanto subjetivas, que merecem uma análise profunda de quem as cria e principalmente de quem as observa.

Infelizmente muitas vezes quem as vê, não exterioriza sua verdadeira avaliação critica, pelo receio em contrariar talvez uma maioria – que por sua vez faça o mesmo, ou pela indiferença que a mesma lhe produz. Quando exterioriza, fruto interior de uma comunhão de ilações que tocaram seu íntimo por algum motivo, nem sempre encontra eco num universo crítico de uma comunidade que a analisa e a observa (a arte).

Ausência de avaliações

Talvez por esta aparente ausência de avaliações concretas e externas de um número maior de espectadores, a arte não faz parte do cotidiano de um oceano de pessoas. Outrossim pode ser o motivo, além da vida ritmada pelo trabalho, pelos problemas, pela contemporaneidade da rotina moderna, que a arte não é democrática a ponto de merecer o olho crítico do mundo.

Muitos se questionam (como eu) se todas as expressões plásticas podem ser consideradas artísticas em seu conceito mais profundo possível. Entendo, pelo conceito de quem as cria, que a arte envolve a “não arte” (as obras que carecem de senso estético e harmônico) pois sendo força interna criadora, é movida pelo impulso de reproduzir uma emoção subjetiva.

Apropriação do belo

Esta emoção, que impacta uma coletividade, nem sempre tem em si, uma apropriação do belo, da perfeição, da ordem, da harmonia ou seus revezes. Tem apenas uma essência que qualifica como um “insight” que reverbera em si para exteriorizar num todo. Não tem o condão de avaliar o senso de uma verdade absoluta enquanto beleza com senso estético na acepção da palavra. Nesta condição, não existe o crivo da razão que avalia criticamente seu trabalho tendo como parâmetros tais conceitos. Apenas dá forma ao sentimento que lhe produz, criando o produto final que chamamos de arte, tendo ou não, esta configuração.

No entanto, sob a ótica de quem observa, meu conceito (até juízo de conhecimento em contrário) de arte, não envolve a “não arte”, mesmo me questionando sobre quem tem a dualidade para atestar com certeza no que ela consiste e assim se divide? Me permiti raciocinar que a arte produz um sentimento que emociona – pela ponte das emoções às refrigerações dos dias diários, densos e opressores – um olhar interno que relaxa pelo gozo das sensações e que nos remete ao nirvana de nossas buscas sublimes ou nos coloca nos charcos de um lodo impuro e desprezível.

Intimamente, procuro analisar e subliminarmente crer, que arte em mim, é o melhor das sensações que um paraíso pode repercutir, onde a beleza estética, o padrão harmônico e equilibrado é condição para o meu crivo de razões sentir! Aconteceu-me isto recentemente, ao vislumbrar uma pintura inédita de Simone Campos, pintora paranaense de grande repercussão, onde sua arte subjetiva, apaixonadamente reverberou em meu ser toda sua criação, traduzindo um belo (sob minha ótica) indefinível, ante o caráter lúdico e artístico que meu olhar absorveu.

Impacto

O impacto foi tanto, que lágrimas vieram em meus olhos, sem eu querer ou prever, cujas mesmas fiz o possível para que Simone não percebesse (uma arte de meu ego sem chances de naquele momento, exteriorizar). Também, em uma aula de Raquel Taraborelli, outra mestre do impressionismo brasileiro, tive uma experiência parecida, ao vislumbrar uma bela tela em seu ateliê quando ministrava os detalhes de sua perfeição técnica e artística.

Sensação maior ainda tive, ao vislumbrar pela primeira vez, o Juízo Final, o teto e a Pietà do maravilhoso Michelangelo na Capela Sistina, assim como as obras de Rafael Sanzio (meu preferido) e Bernini e seu baldaquino, no Vaticano, na Itália. Tão ou mais importante reação tive nas obras de Claude Monet, retratando seus atemporais jardins de sua amada residência em Giverny, França.

Por outro lado, ao vislumbrar as obras do pintor irlandês Francis Bacon (1909-1992), em uma Bienal de Artes de São Paulo, percebi que ele acentuou distorções sobre imagens e figuras que seu olhar mantinha com as angústias e em face da morte (talvez a psicanálise de Lacan explicasse esta incompletude radical ante um suposto vazio de sua existência), as quais me produziram um choque, fazendo com que o espírito de suas emoções densas, reverberassem agressivamente em meu eu interior, a ponto de me desequilibrar negativamente ao visualizá-las.

Assim, por esta minhas experiências e outras, creio que quando a arte repercute positiva ou negativamente, ela prospera nestas mesmas intensidades. Ela produz um sentimento de atração (por querê-la possuir) ou de repulsão pela completa indiferença, podendo chegar às raias, dependendo do grau deste impacto negativo, de sua própria destruição.

Feedback

Tenho para mim por outro lado, a tese de que, quando o observador não entende uma criação de um artista (como por exemplo numa avaliação crítica quanto aos artistas expositores da Bienal de Veneza nesta edição de 2015), é porque não repercutiu-lhe internamente, não lhe atendeu suas expectativas subjetivas, não lhe deu um feedback que esperava, e nesta condição, não reputo como arte em sua mais pura essência, mas talvez um movimento nesta direção, um mecanismo que direcione seu ego para algo que lhe inclua, mesmo com o risco de lhe excluir. Assim, não incluo a “não arte” e não a venero como arte, na acepção da palavra! Talvez minhas palavras aqui, sejam uma avaliação critica que redunde numa “não – arte”, quem há de saber?

A arte por outro lado, pode inserir um contexto objetivo, quando imediatamente o resultado de sua observação causa uma emoção externa a ponto de ser percebida, seja por atos, seja pelo apelo linguistico que ela produz, como os impactos que tive positiva ou negativamente perante às obras que mencionei. Pode por outro lado, produzir um resultado não exteriorizado, mas sentido internamente pelo observador que poderia lhe produzir um deleite, uma sensação, ou um universo de sensações prazerosas (ou não), que lhe remetessem inclusive a atavismos inconscientes, buscando um arquétipo antropomorfo, num conceito subjetivo.

Sensações

Daí a conclusão de que a arte pode ser transmitida de várias formas e neste mesmo grau, sentidas, por meio de uma grande variedade de linguagens como a pintura, a escultura, a arquitetura, a escrita, a dança, a música, o cinema, em suas multi combinações. Penso que também as variedades artísticas de design, inclusive provindas da era computadorizada e outras reverberações, incluem-se nesta linguagem, pois o processo criativo se elabora e se consome, na certeza de que haja possibilidade de expressar-se pelas emoções, em ideias, objetivando um significado em quem cria e em quem observa.

Se historiarmos os períodos que a arte existiu desde que o homem assim se refletiu, veremos que a arte clássica na civilização ocidental era qualquer atividade que envolvesse uma habilidade especial com regras definidas, sujeita a um aprendizado e a um desenvolvimento técnico. Tão significativa era, que Platão definiu-a como uma capacidade de fazer coisas de modo inteligente através de um aprendizado, sendo um reflexo da capacidade criadora do ser humano, enquanto Aristóteles a definiu como uma disposição de produzir coisas de forma racional.

Encontraremos também no REnascimento uma significativa alteração destes conceitos, em que as obras elaboradas foram conceitualmente separadas do objetivo produtivo, tendo a arte um cunho de ciência, onde a elite pensante intelectual era fim, inobstante a arte desta feita, merecer um aporte de onipotência financeira e neste encargo, demonstrar poder e riqueza de quem a colecionava.

Neste andar sem tréguas pela história, a influência absoluta do iluminismo nos trouxe a arte outrora elevada à ciência, sendo substituída pela emoção e pelo sentimento, cuja estética, foi o termo empregado para defini-la, num padrão de sensações (sendo que o próprio termo “estético” vem do grego traduzindo-o como “sensações”).

Não por acaso, o romantismo nesta mesma linha, valorou a criatividade do artista e o quanto a sua liberdade em criar lhe erigiriam, se merecesse, à condição de supremo artista, cuja razão jamais seria norte a lhe moldar, embora a razão a meu ver, reconhecesse que sua expressão atendia aos melhores padrões estéticos. Muito interessante relevar o dualismo que Charles Baudelaire conceituou a arte, entendendo subjetivamente que nela se encerrava um corpo e uma alma, transfigurados pelo sonho lúdico ao lado da realidade que a emoldurava.

Em um tempo mais contemporâneo, Arthur Schopenhauer, ao lado de outros, conceituaram a arte pela arte, com um fim em si mesmo. Num complexo sistema de interpretações, não há como olvidar também a contribuição maravilhosa de Jung e Freud, os quais entendiam que a arte era uma exaltação do ego de seu criador, o qual exprimia através dela, seus sonhos simbólicos e repressões dinamizadas pelos desejos reprimidos, originando inclusive destas sensações, a figura famosa do arquétipo de Jung, que seria talvez alçar a arte, à uma representação subjetiva material destes símbolos.

Walter Benjamin

E ainda não fosse o bastante para ressaltar no que consistia a arte, Walter Benjamin e sua escola, refletindo sobre a modernidade e suas consequências na sociedade, obtemperou que a massificação cultural (em todos os seus sentidos) influiu a arte de tal forma, que o objeto criador foi nela fundido a ponto de ser banalizado, cujo resultado era uma arte (se é que nesta condição poderia ser assim reconhecida) sem identidade própria e alçada a um ostracismo, já que sua aura (do objeto de criação) teria sido perdida. Estaria aí ele vislumbrando a “não-arte” sepultando a arte estética e harmônica?

Exercitando a arte de sentir, me permito concluir que arte é uma habilidade interior, emergindo de uma força criadora com status de expansão divina, transcendendo a emoção em sentimento e que atende a um modelo estético de harmonia, equilíbrio e beleza, cujos padrões repercutem tanto em quem cria como no observador, um prazer de sensações venturosas. Pode ser ela aprimorada, resultando de aprendizagem externa que agregue a estas tendências, uma perfeição técnica eficaz.

Ineditismo

Assim, reputo, aliando-me a muitos, que “qualquer coisa” não pode ser considerado arte em seu contexto original, onde esta “não arte” jamais seria alvo de um crédito que ela não possui. Seu suposto “ineditismo” oriundo talvez de uma excitação com níveis leves até máximos, culminando em expressões artísticas de bizarra imaginação ou aberrantes fantasias, nunca poderia ser assim atestada.

Em derradeiro, um sistema em que a reconhece como tal, deve se submeter ao crivo de emoções inteligentemente transfiguradas, cujos sentimentos são afinados com o belo, com o estético, com a ordem e enquanto “fato artístico”, possui parâmetros externos objetivos que merecidamente a consagra.

Em derradeiro, entendo que este mesmo sistema, jamais deve permitir que se faça arte com o objetivo de ser valorada economicamente para este fim, e sim reconhecer que a arte tal qual ela se insere, é uma dádiva de talentos, uma criação habilidosa e útil, que evolui numa trajetória geométrica considerável ao longo do tempo, tendo o poder de transformar um mar de firmamentos sombrios em um céu de divinos jardins celestes.

IMG-20200114-WA0032

Precioso legado de Raquel Taraborelli que buscou em Monet sua inspiração

A arte se despediu há pouco (12/01)do melhor que o impressionismo brasileiro produziu. Raquel Taraborelli, uma engenheira que descobriu mais tarde que faria da sua vida a arte de viver, doou ao mundo não só seu talento, como pintora e jardinista, mas uma vida de surpreendente generosidade.

Interessante, o que me atraiu primeiro em sua personalidade foi seu lúdico jardim de dálias, rosas e lavandas – justamente minhas flores prediletas – publicado pelas melhores revistas da época! Imediatamente enviei-lhe um e-mail e perguntei sobre uma linda e delicada flor amarela que inundava a frente de sua casa que construiu em Votorantim-SP.

 

Ela, não só me respondeu como me enviou pelo correio, um envelope (que guardo até hoje) com as sementes do “velocino de ouro”, nome da flor encantada. Nasceu assim nossa amizade, muito antes inclusive, de eu pensar em fazer o curso superior de Belas Artes em Curitiba. Compareci, felizmente, para sua última vernissage na renomada Galeria André, em São Paulo (a qual lhe garantiu um sadio mecenato desde o  início de sua trajetória), como depois fui hóspede de sua vivenda linda em estilo provençal, onde tive o privilégio de ter, ao mesmo tempo, aulas quase exclusivas neste lugar de sonhos e o desfrute da beleza e dos aromas das flores de seu jardim que jamais pensei um dia conhecer.

Raquel também tinha hábitos que me surpreenderam: não via televisão (pois nada considerava melhor que fazer uso de uma vida mental saudável), se alimentava moderadamente, andava muito, inclusive fazia trilhas culminando em “flanar” pelo caminho de Compostela assim como acordava duas vezes por semana, às 04h00 da manhã, para servir café da manhã para “homeless” (sem-teto) de Sorocaba.

Nunca esqueci de um dia onde me disse que um “ministro” do STF lhe fez uma encomenda mas nem sabia quem era, pois não via TV, muito menos jornais, sendo que somente soube quem o sujeito era, por uma vizinha que lhe questionou o que a “autoridade” estava fazendo na residência dela. Coisas assim, bem Raquel. Também era muito simples no vestir e jamais alguém a reconheceria como a mestre do impressionismo brasileiro.

Nas aulas, era enérgica e me fez ver por outro olhar, desde as formas e cores até o percurso que meus pincéis deveriam seguir. Nunca esqueço do onírico azul hortência que me “obrigou” a utilizar em quase todos os movimentos de meu inesquecível aprendizado. Sem falar que a diva ainda dominava a aquarela como ninguém e não foram poucas as vezes que a vi, com autoridade, chamar a atenção de outros  seus discípulos.

Raquel era de uma persistência absurda no alcance da pincelada ideal, principalmente na busca das de Monet, seu paradigma confesso. Foi tanta resistência pictórica ao lugar comum, que foi várias vezes ao Museu Dorsay, em Paris, estudar passo a passo as pinceladas do mestre, onde através dos livros específicos franceses que comprava, analisava e rabiscava cada folha e flor pintada pelo gênio de Giverny!

Nada vi igual!

A par de sua personalidade forte, era muito sensível como me demonstrou na poesia que lhe fiz na sua última vernissage, fazendo uma postagem pública em sua página de artista, agradecendo o presente. Mal ela sabia que o presente maior era ter lhe conhecido. Raquel nos deixou um legado mas ao mesmo tempo um vazio profundo a ser preenchido. No entanto, como acredito que nada se perde, tenho certeza de que sua arte repercutirá no tempo e transcenderá os mundos, fazendo quem sabe, até Monet se curvar ao lhe receber de braços abertos…afinal, ela merece!

” T E U S . S A C R A M E N T O S

Qual natureza despenca em flores
Onde pétalas denunciam prantos
Senão as pinceladas de tua alma
Com o retrato de tua calma
Transbordando um painel de sentimentos…

Como num olhar vencido
Reinam em ti mil matizes de paisagens
Tecendo telas num desfile de imagens
Do melhor estilo ao tom da melhor obra
Sangrando cores num universo de momentos…

Testemunhando o belo sempre
Imaginando linhas a cada olhar
Traços firmes caminham teu trilhar
Eternizando lúdicos apelos
Transformando em fel o pior de todos os tormentos…

Credenciando nobreza em ti
Ao compor manhãs de corações prementes
Ao testemunho de sóis poentes
Tu fostes a escolhida entre tantos dons latentes
Luarizando sagas e venerando vidas com teus sacramentos…”

Novembro 18, 2014.
Suzel Koialanskas