O testemunho de Frans Krajcberg

O artista Frans Krajcberg morre aos 96 anos. Pintor, gravador, escultor e artista plástico, Krajcberg transformou a violência destrutiva do homem sobre as florestas brasileiras, em poética artística. As suas obras são testemunhos silenciosos, chocantes, da ação do homem sobre preciosos ecossistemas para o planeta.

Ele silenciou, mas o eco de sua indignação estará sempre presente em suas obras. Elas permanecerão no tempo para contar a história.

“Eu não tenho ninguém na vida. A única paixão que eu tenho é pela vida natural”.

Frans Krajcberg era polonês naturalizado brasileiro. Chegou no Brasil no início dos anos 50 traumatizado pelo Holocausto – quando perdeu toda a família. Depois de passar pelo Rio e São Paulo se instalou no Paraná e foi trabalhar nas indústrias Klabin, na fazenda Monte Alegre, em Telêmaco Borba.

Quem o convidou foi outro artista estrangeiro, que também amava o Brasil, Lasar Segall, parente dos proprietários da fábrica. A natureza brasileira chamou a atenção do artista que se instalou na floresta próxima à cidade e ali criou a “arte ecológica” em defesa de nossas florestas.

Suas obras eram criadas a partir do aproveitamento de árvores, arbustos, material encontrado na natureza devastada por uma queimada ou pelo desmatamento.

Bienal de São Paulo

Foram oito edições de Bienais de São Paulo que deram espaço para as obras de Krajcberg. Na 1a. em 1951 foi montador. Na última, 32a. – Incerteza Viva – o artista esteve presente com uma instalação de 400 metros quadrados, na seção Recuperação da Paisagem.

Que seu testemunho sirva de alerta!

 “Eu nasci deste mundo chamado natureza. 

Mas foi no Brasil que ela me provocou um grande impacto.

Eu a compreendi. Aqui eu nasci uma segunda vez.

tomei consciência de ser homem e

participar da vida com minha sensibilidade.

meu trabalho, meu pensamento. Eu me sinto bem assim.

À exceção dos índios, todos nós viemos de fora

e eu preciso de florestas selvagens, ricas, movimentadas,

das cores vibrantes, crescendo livremente.

Os bosques da Europa não me emocionam

e as intolerância européias continuam a me inquietar.

Eu me sinto judeu porque o sou.

principalmente porque me fazem sê-lo, mas não sou religioso.

Eu desprezp o fanatismo dos nacionalismos e das religiões.

Sempre fui internacionalista,

e a natureza me tornou planetário. “

 

                                                          Frans Krajcberg

                                               In: Frans Krajcberg.

                                               Rio de Janeiro, MAM, 1992.p.13

 

 

 

attuale Amelia in cui l'antico si mescola con il moderno.

Amelia em três tempos

Amelia não é o samba famoso de Ataulfo Alves. Amelia a que nos referimos, sem o acento agudo, é uma das mais antigas cidades da Itália, localizada na região de Umbria, no coração verde da península italiana.

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Amelia vista do Monte São Salvador (1564- Dosio)
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Amelia ( Petroschi – cerca de 1700)

Visitá-la é como observar a passagem do tempo através de um telescópio, pelo qual as várias épocas históricas se tramam.

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Porta Romana – entrada principal

Entrar pela Porta Romana, via principal de acesso e andar por suas vielas medievais para chegar no alto da colina já é um percurso capaz de dar a impressão de que se transita em outra dimensão no tempo. Com os sentidos aguçados poderá fazer uma viagem ao passado, tentar vivenciar as três épocas que passaram por ali. O pré-romano, romano e medieval que interagem com Amelia atual que permaneceu para contar sua história aos turistas que gostam de conhecer vestígios sobre  civilizações antigas.

Vista do alto da colina a paisagem verde de Umbria.

A parte histórica, a mais antiga, dentro do muro, é fácil de percorrer a pé ou de carro até chegar ao alto da colina, pois foi no topo de um monte rochoso que a cidade se construiu ao longo dos séculos. Por isso, é mais interessante hospedar-se nas imediações, na Amélia moderna, fora do muro ou em hotéis de agroturismo ao entorno e aproveitar para apreciar a paisagem verde de Umbria, a boa comida e a hospitalidade de seu povo e as inúmeras cidadelas próximas dali.

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Enquanto percorre a cidade, seu comércio, as casas de pedras antigas, poderá se perguntar que civilização deixou seus descendentes ali. O que permaneceu dos misteriosos etruscos, dos bárbaros que a devastaram, dos gloriosos romanos e do controlador poder papal? O que ficou na essência do povo italiano instalado nessa comunidade de um pouco mais de 11 mil habitantes…

Pesquisando a história da região, guerras e conquistas, acreditamos que pouco ficou do passado no sangue do povo pacato que vive ali. Pessoas que convivem pacificamente com a história antiga e a modernidade.

Antiga Ameria fazia parte do caminho romano

inscrições em latim no mármore do século I d. C
inscrições em latim no mármore do século I d. C

Vale uma visita ao Museu Arqueológico da Cidade para conhecer o que foram os três tempos da cidade no passado.

O nome Amelia foi resultado da transliteração de Ameria, seu primeiro nome, em consequência de a comunidade estar localizada no caminho romano que a ligava a Roma e a outros centros do Império: a Via Amerina.

Durante o século VI a.C Amelia foi devastada pelas invasões bárbaras e foi quase destruída pelos godos. Na Idade Média se estabeleceu como uma Comuna livre e, em 1307, submeteu-se ao Estado Papal, do qual fazia parte até a Unificação da Itália.

Achados Arqueológicos

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O escritor e político Catão, que viveu no final do século II a.C, atribuiu uma data de fundação muito anterior,  de 1134 a.C. para Ameria. No entanto, os primeiros depoimentos arqueológicos datam do século VIII e IX  d.C, embora como sociedade organizada começou a existir a partir do século VI a.C.

Na era romana era uma cidade florescente em Umbria, a sexta região da Itália na divisão administrativa imposta por Augusto (final do século I a.C). Os autores antigos fazem pouca menção à história de Ameria, que fica ao longo da Via Amerina, estrada inaugurada em 241 a.C. para conectar Roma a Todi e Perugia.

Com toda a probabilidade, desde o início do século III a.C. a cidade estava ligada a Roma, por um tratado que a confiou ao fornecimento de forças militares e, após a guerra social, como resultado de que todos os povos itálicos tinham cidadania romana (90 a.C), tornou-se um município.

A cidade era famosa em particular por seus produtos agrícolas: isso explica a presença no distrito de inúmeras vilas (fazendas), que se desenvolveram entre o século I e o século IV d.C. Também havia uma indústria de tijolos e azulejos florescente, por ser o local rico em veias de argila.

Germanicus

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A estátua de bronze de Nero Claudius Drusus Germanicus  foi descoberta em 1963, numa demolição de um muro. Até hoje intriga os estudiosos do porquê de ser encontrada em Amélia. Supõe-se que era um campus dedicado a exercícios militares. Germano era sobrinho de Tibério e foi um grande general romano, mas morreu precocemente de uma doença misteriosa depois de participar de uma guerra na Síria.

Cães e gatos com carinho e afeto

Nada mais interessante do que observar pequenos detalhes da cultura local e deixar de lado a seriedade da história.

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E esse recado ao cão e seu dono na porta de uma loja:

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“Gentilíssimo cão…Que é sempre fiel amigo do homem, a tua companhia e sempre impagável, assim como o teu trabalho em operações policiais em socorros, somos muito gratos! Rogamos: pede ao teu dono para não o deixe fazer ‘pipi’ perto dos comércio, restaurantes e habitações. Diga-lhe que com isso ganhará estima e economizará imprecações ao seu endereço. Certos que acolherá nosso apelo, renovamos nosso afeto e estima que nutrimos sempre por você…. Comerciantes e residentes da Via Reppublica”

Na antiguidade os cães também tinham espaço no coração de quem viveu ali. Um esqueleto de um cão foi encontrado na tumba de uma criança romana e sua ossada encontra-se no museu de Amelia. Presume-se que era uma espécie de guardião e assim permaneceu também na morte.

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 Talvez um cão parecido com essa raça.IMG_2807

 

 

 

Ciência e Caridade (1897). Pablo Picasso (1881-1973). Óleo sobre tela, 197 x 249 cm. Museu Picasso (Barcelona).

“Quereis conhecer o segredo da morte”

Minha avó faleceu quando ia completar 80 anos. Anos antes de sua morte já comentava entre os familiares que já tinha vivido demais. Que estava na hora de ir embora. Isso dito sem amargura, depressão ou sentimento suicida. Era uma afirmação serena, como se quisesse preparar, principalmente a sua filha única, minha mãe, que ela iria embora logo.

Quando ela se lamentava e falava sobre isso, certamente que os filhos e netos se assustavam com tal serenidade. Credo vó, pare de falar em morrer!

É engraçado que a formação judaico-cristã busca tanto o paraíso pós-morte, mas as pessoas contraditoriamente não conseguem nem falar sobre o assunto de uma maneira tranquila, em paz e sem medo.

Vovó não se dava por vencida quando a família pedia para não mais falar sobre o assunto, tinha sempre um argumento na ponta da língua. “Já cumpri a minha missão nesse mundo”, dizia. “Criei meus filhos ( cinco e duas sobrinhas) e já vivi demais.  Estou cansada”.

Sua espera pela morte demorou um pouco mais do que previa e aquele desleixo por viver e desejo de morrer só foi realizado aos 80 anos, com uma serenidade sem precedentes. Aliás, graças a sabedoria do médico que a assistia nos seus momentos finais.

Um bom médico

Esse médico tinha no seu conceito que os velhinhos são especiais e devem ser respeitados na sua vontade de ir embora deste mundo. Para ele, os poderosos equipamentos tecnológicos da área médica, máquinas para respirar, fazer o coração funcionar artificialmente foram construídos para salvar vidas, sim, mas para idosos seu uso deveria ser analisado sempre com muito cuidado.

Vovó Helena sem explicações aos familiares, certo dia deixou de se levantar da cama, não queria mais comer e só dormia. Esta apatia sem uma doença anunciada deixou apreensiva a família e preocupou o seu médico,  que  imediatamente internou-a num hospital para uma série de exames.

Ela foi revistada inteira e nada apareceu. Nenhuma anomalia aparentemente, apenas uma infecção sem alarmes no exame de sangue. Pelo menos foi isso que o médico disse aos familiares e mandou vovó para casa – era que ela mais queria, ficar perto da filha – e acompanhou-a com medicações diárias.

Cansada de respirar

“Ela está cansada de respirar”, brincava o doutor. “Não descobrimos nada de alarmante nos exames e num caso destes seria preciso operar para descobrir se existe algum problema”, argumentava, e já arrematava dizendo que não aconselhava cirurgia nessa idade. Talvez ele soubesse o que ela tinha, quem sabe uma doença grave incurável…

Será um mistério que nunca saberemos ao certo porque segredo médico será sempre um segredo.

O fato é que vovó ficou em casa sendo assistida por todos, especialmente por minha mãe ( a única filha)  e meu irmão que ainda morava na casa dos meus pais e era o neto preferido de vovó, em razão de que ela tinha praticamente criado ele desde bebê. Sua agonia durou pouco tempo.

Um dia em um dos seus delírios, quando mamãe chegou perto da cama e começou a acariciá-la, ela recobrou a lucidez,  e como se tivesse acordado de um sono profundo  em função do toque em seu corpo disse:

– ”Nossa! Eu ainda estou aqui!”, exclamou. Depois retornou a inconsciência e algumas horas depois deixou esse mundo e foi embora serena e em paz!

Gibran Khalil Gibran

O poeta, filósofo, ensaísta libanês Gibran Khalil Gibran, no seu livro O Profeta fala sobre a morte.

Seu estilo é único e seus pensamentos sobre situações comuns da vida são revestidos de beleza e originalidade. Eis um pequeno trecho da reflexão sobre a morte:

(…..) Pois, que é morrer senão expor-se, desnudo, aos ventos e dissolver-se ao sol?

         E que é cessar de respirar senão libertar o hálito de suas marés agitadas, a fim de que se           levante e se  expanda e procure a Deus livremente?

         

         É somente quando beberdes do rio do silêncio que podereis realmente cantar.

         É somente quando atingirdes o cume da montanha que começareis a subir.

         É quando a terra reivindicar vossos membros que podereis verdadeiramente dançar. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Museu Oscar Niemeyer em Curitiba

Curitiba deu significado para arte em 15 anos

Ao iniciar minha visita à Bienal de Curitiba pelo Museu Oscar Niemeyer, lembrei da primeira inauguração do MON, em 2002, como Novo Museu. À parte, as intrigas políticas do fecha e abre e muda de nome, a cidade entrou na rota das grandes exposições. No final, ganhou Curitiba que deu significado à arte. 

Em minha memória como jornalista que atuava na área de cultura da Agência de Notícias do Governo, a primeira inauguração, a do Novo Museu, antes de fechar o governo Jaime Lerner foi apoteótica e ousada.

Três jovens nuas escandalizaram a cidade

A obra ‘Três Graças’ expunha ao público no salão do magnífico e imponente ‘Olho’, em horário determinado, três jovens nuas, entre outros trabalhos contemporâneos. O Olho ainda não era escuro e a claridade entrava pelas paredes de vidro, deixando a paisagem verde da vegetação do entorno integrar ao local. A obra tirou as traças dos conceitos moralistas da época e jogou para o alto o conservadorismo da república das araucárias.

Escandalizaram o público, sim, não ao ponto que chegamos, na Idade Média brasileira do século XXI. Se fosse hoje, provavelmente o MON seria obrigada a fechar suas portas.

Um pouco de fofoca

Só para não perder o link da história e deixar registrada a fofoca: o governador eleito, Roberto Requião era arqui-inimigo de Lerner e fechou as portas do Novo Museu por quase um ano. Não por puritanismo, mas por brigas políticas entre dois que não vale a pena esmiuçar os detalhes sórdidos.

Apenas vale o registro para mostrar como a arte periodicamente sofre ataques. A grande ameaça na época era que ninguém sabia se o espaço ia abrir como um museu. Informações da primeira inauguração foram apagadas não só da memória do povo curitibano, como também de qualquer arquivo público. Eu pelo menos não achei nada. Na web muito menos. Wikipédia é breve e resumida.

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Aliás, participei ativamente da segunda inauguração, como Museu Oscar Niemeyer. Fiz divulgação pela agência de notícias governamental e a mostra de abertura era a ‘Novecento Sudamericano’. Obras do início do modernismo. Portanto, o recém aberto museu, cujo nome homenageava o gênio brasileiro da arquitetura, Niemeyer, estava agora mais comportado e contido. Renasceu como Fênix das cinzas, embora com novo conceito.

Bienal de Curitiba

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O crescimento da Bienal de Curitiba, na sua edição 2017, reafirma a evolução que Curitiba sofreu nesses últimos 15 anos como anfitriã de grandes eventos e mostras de arte. Nasceu há 24 anos, envolveu o Mercosul e encontra em Curitiba o aporte necessário para se impor como grande evento no campo das artes plásticas. São mais de 100 espaços com obras de artistas do mundo inteiro.

Quando o curador, Tício Escobar, que trouxe os extremos aproximados sob o tema Antípodas, considerou a diversidade do momento. A arte não sai imune desse processo.

“A refutação da ordem moderna permite que a própria arte seja considerada também por outras expressões que ultrapassam o terreno das artes plásticas. Assim, os limites entre os meios audiovisuais e literários ficam borrados e são promovidas experiências espaciais plurais. A erupção das tecnologias digitais e a hegemonia da cultura globalizada atuam como forças transversais que agitam ainda mais os domínios da arte outrora organizados”.

A grandiosidade da Bienal de Curitiba não pode ser relegada a final de matéria. Seria muito injusto. Antípodas tem muito para oferecer e destacar.

Esse foi apenas o prefácio!