Guaxinim. Centro Cultural de Belém, Lisboa - Portugal

Desperdício gera lixo que vira arte

O artista português Bordalo II já gastou 28 toneladas de resíduos desde 2012. Suas obras são uma mistura de crítica social e humor negro. Ele faz parte de um segmento de artistas que transforma o lixo em arte. Obras que chamam a atenção para um problema que o mundo contemporâneo ainda não encontrou a solução definitiva.

É menos lúdico e excêntrico que a paranaense Efigênia Rolim no direcionamento de sua poética artística. 

Enquanto Efigênia inicialmente inspirou-se numa lufada de vento para usar papel de bala e recicláveis na sua criação artística, Bordalo usa seus animais gigantes compostos também por resíduos descartáveis para fazer o observador refletir sobre o destino que estamos dando ao planeta.

O artista diz que não tem nenhum problema em achar matéria prima para confecção. Sabe-se que a quantidade de descartáveis é absurda no cotidiano das pessoas. “O meu bem é o mal do mundo”.

Voo de Efigênia

O que importa é que ambos tratam de uma questão muito séria e atual: o desperdício provocado pelo consumo exagerado de produtos industrializados.

Efigênia foi atraída pelo voo de um papel brilhante de bala, imaginou esse papel reluzindo no espaço transformando-se em flor. Suas obras são feitas dos entulhos jogados pelo homem. Cabeças de bonecas, garrafas, copos e ganham significado lírico, quase infantil pelo mãos e mente da artista. Transforma-os em pássaros, árvores, animais, flores…

Efigênia hoje tem 85 anos e recebeu o título de cidadã honorária do Curitiba. Vive na periferia da cidade com simplicidade.

Bordalo II. foto via internet. Diário de Notícias. Portugal.

Crítica social de Bordalo II

Bordalo vive em Lisboa e é neto de artistas. A sua poética ironiza o comportamento consumista do homem por meio dos animais que ele cria. Suas obras provocam um impacto visual na cena urbana.

«Gosto de trocar os papéis, colocar os animais onde deviam estar as pessoas, fazer delas um terceiro elemento que na verdade somos todos nós.»

São ratos no lugar de homens, para nos fazer pensar qual é a verdadeira praga. São os porcos como símbolo da corrupção e as raposas como ícone da matreirice humana.

O seu primeiro ponto é precisamente o desperdício. Os resíduos que os homens dispensam a uma velocidade alarmante destroem ecossistemas e estão a acelerar a inviabilidade da vida na Terra. Desde que começou a trabalhar com estes materiais, em 2012, já gastou 28 toneladas de resíduos.

«Infelizmente, nunca tenho problemas para arranjar mais lixo. O meu bem é o mal do mundo.» Anda mais em ferros-velhos do que em lixeiras, também tem contactos com autarquias para que lhe entreguem materiais destinados aos aterros. «Além de que a chegada da troika e a introdução das políticas de austeridade levaram ao encerramento de muitas fábricas em Portugal. Esses lugares são inevitavelmente roubados do que é valioso e depois sobra apenas o que ninguém quer. Com o tempo, começam a tornar-se aterros para despejos ilegais. E é nessa imundície que encontro as melhores peças para trabalhar.» Fonte: Notícias Magazine

Ativistas

São os artistas ativistas silenciosos.  O observador que se aproxima de uma obra como a de Bordalo, sempre gigantesca, em paredes de casas, em ruas de grande circulação urbana, vivencia dois tipos de emoções que são antagônicas.

A primeira, à distância, é de encantamento pela magnitude da obra. A segunda, ao se aproximar lentamente, é de assombro e tristeza ao perceber os pedaços enferrujados de carros, torneiras, bocados de uma mangueira, celulares, calculadoras, pedaços de casacos peludos, plástico e mais plásticos….

 

 

 

Coletivo Aos Nossos Pais

‘Afinidades afetivas’ da Bienal para o Brasil

Num Brasil polarizado como agora vivemos, vale prestar a atenção nos artistas que se uniram em suas ‘Afinidades Afetivas’, na Bienal de São Paulo. Nunca um tema foi tão necessário como o escolhido pelo  curador para a 33a. edição.

Apesar da conexão com o atual momento brasileiro feita por mim, a real inspiração do curador Curador Gabriel Pérez-Barreiro foi o romance Afinidades eletivas (1809), de Johann Wolfgang von Goethe, e a tese “Da natureza afetiva dá forma na obra de arte” (1949), de Mário Pedrosa.

A idéia é valorizar a experiência individual do espectador na apreciação das obras em vez de um recorte curatorial que condiciona uma compreensão pré-estabelecida.

Coletivos 

As minhas considerações sobre a Bienal de São Paulo nessa edição ainda são por intermédio de pesquisas online e entrevistas. Pretendo até o seu término avaliar pessoalmente o que nossos artistas estão mostrando nesse biênio.

Num rápido olhar online visitando a página da Bienal, gostei do coletivo Aos Nossos Pais, de Alessandro Cesarco, pelo conteúdo emocional da proposta. Sentido/Comum é outro conceito altamente afetivo. Antonio Balleter Moreno.

Novamente, o que me atrai é a narrativa. Sem ver as obras:

“Somos todos diferentes. Cada um vê o mundo de uma forma distinta.

Cada vez que nos movemos, o fazemos com nosso mundo. O que nos rodeia a cada momento é parte de um universo particular que se move conosco. O ambiente faz o mundo”.

A brasileira Sofia Borges na A infinita história das coisas ou o fim da tragédia do um, parte de considerações filosóficas sobre a tragédia grega e referências mitológicas.

Esse coletivo e o de Waltercio Caldas que estão representados por alguns artistas brasileiros.

Ao final, todos os coletivos trazem para arte, as profundezas da afetividade e nos oferecem uma gama de emoções que estou curiosa em interagir.

Individuais

Dos trabalhos individuais, relembrando que a análise é preliminar e com base nas informações do site oficial, a obra de Aníbal López, ou A-1 53167 (número de seu documento de identidade), me chama atenção pela provocação.

O desestabilizar a rotina: jogar uma tonelada de livros em uma rua movimentada, desmascarar a hipocrisia, entre outras posições, sobretudo políticas.

Césio 137

A obra de Siron Franco na Bienal nos remete ao povo brasileiro, descaso, e saúde pública. Trata-se de uma pesquisa artística que se iniciou em setembro de 1987,  quando um catador de sucata em Goiânia encontrou uma máquina de raio X abandonada em um terreno baldio na rua 57 do Bairro Popular.

“Quando abriu parte da máquina, encontrou uma cápsula de césio 137, substância altamente radioativa usada para fins terapêuticos e que deveria ter sido descartada profissionalmente, e não jogada no lixo comum.

Ignorando suas propriedades letais, o catador ficou fascinado com a substância, que brilhava no escuro, e a levou para casa, onde a mulher e a filha brincaram com ela”.

Uma história triste de preconceito, dor, falta de conhecimento e responsabilidade que até hoje a população do local sofre as consequências.

Visite a Bienal

A 33a. Bienal de São Paulo está aberta ao público até o dia 9 de dezembro. A pequena apresentação que fizemos é para motivar o maior número de pessoas a prestigiar no Parque Ibirapuera, em São Paulo, uma das mais importantes iniciativas em prol da arte  no Brasil.

O artista transporta suas emoções para uma obra de arte, é evidente. No entanto, também sente a necessidade de depois de finalizada a obra, experimentar as emoções do público.

 

 

 

Foto de Antonio Lacerda/EPA

Memória nacional à mercê do mercantilismo

A nossa identidade histórico cultural? Talvez esteja em processo de privatização…

Duas semanas depois do incêndio que consumiu o Museu Nacional, a UNESCO anuncia que será preciso 10 anos para recuperar parte da nossa memória. Na contramão desse processo de reconstrução está a tentativa, por parte do governo federal, de privatizar o setor.

medida provisória (850/18) que autoriza a criação da Agência Brasileira de Museus (Abram), em substituição ao Instituto Brasileiro de Museus (Ibram – Lei 11.906/09), que será extinto, está para análise no Congresso Nacional.

Para a professora de Museologia da Universidade de Liège, Manuelina Duarte, que é também membro do Ibram, a situação não vai mudar. Em seu artigo Desafios do Presente, explica que é “fantasioso imaginar que vão chover investimentos privados”.

Recomendo a leitura do artigo aos interessados em entender como funciona o papel do poder público na administração desses espaços culturais.

Arbitrária

A MP é arbitrária e também um atentado à democracia.

Na recente reunião realizada no Rio Janeiro, em 10 de setembro, os representantes da Rede Brasileira de Coleções e Museus Universitários (RBCMU),  manifestaram apoio à UFRJ e conclamam a sociedade brasileira e internacional a reagir contra o atentado à democracia brasileira e às instituições públicas pela criação de forma arbitrária da Abram.

Esta medida agride frontalmente a continuidade das políticas públicas voltadas ao setor dos museus que resultaram na instituição do Estatuto de Museus e na criação do IBRAM, em que Estado e sociedade civil uniram esforços em prol da Cultura, do Patrimônio e dos Museus no país.”, diz a carta aberta da Rede.

Mercantilismo e memória nacional

“Não podemos permitir que um órgão fundamental aos campos museal e museológico e que veio para atender a uma demanda reprimida há várias décadas, construído de maneira coletiva e democrática para dar suporte a uma política especifica de museus, seja apagado por uma decisão monocrática sem consulta ou discussão com os setores diretamente envolvidos.

O Ibram, com quase uma década de existência, materializou uma importante conquista para a pesquisa e a preservação do Patrimônio e da Memória, além de representar um grande avanço para a construção identitária e o desenvolvimento da sociedade brasileira”, escreve aos deputados e senadores, o professor Ivan Coelho de Sá, da Escola de Museologia da UNIRIO.

Com seu desaparecimento os museus públicos fatalmente irão ficar à mercê da especulação. Além disso, sua extinção abrirá caminho rápido para a privatização de instituições museológicas, sobretudo de âmbito federal e cujos patrimônios, de importância nacional, transcendem o puro mercantilismo. Patrimônio público e Memória nacional são áreas muito relevantes para a sociedade e não devem sofrer processos especulativos que constituam risco e retrocesso.

 

 

 

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‘A Pulsão Pela Escrita’

‘A Pulsão Pela Escrita’ é o novo livro do jornalista e escritor paranaense Luiz Manfredini sobre a biografia do também jornalista e escritor Wilson Bueno (1949-2010). O título traduz a personalidade de Bueno e, sem dúvidas, envolve-se com a de  Manfredini. 
Amigos de infância e adolescência, ambos professaram já no início de suas carreiras a paixão pela escrita.
“Também me lembraria de como nos conhecemos e como nos tornamos, um o melhor amigo do outro, naqueles anos de formação, entre o final da infância e o início da adolescência, de 1958 a 1966. Certamente foram os livros, embora não me recorde exatamente de como isso aconteceu. Passamos a trocar livros e a emprestá-los na Biblioteca Pública. E a devorá-los com uma compulsão incompatível para nossa tenra idade.” Fonte revista Candido, da Biblioteca Pública do Paraná
Wilson Bueno é um dos autores ‘mais significativos e fascinantes da literatura brasileira’ e Luiz Manfredini, além de sua passagem nos principais jornais e revistas brasileiros como jornalista, é autor As Moças de Minas, Memória de Neblina (sobre a ditatura militar) e Retratos no Entardecer de Agosto ( a vida de Dr. Faivre, um médico francês que lutou pela igualdade social em 1847, no Paraná).

Leitura

Estou curiosa em conhecer a vida de Wilson Bueno. Gosto do texto leve e ao mesmo tempo detalhado de Manfredini, que considero uma característica de jornalista/escritor. Assim que encerrar o Décadence, de Michel Onfray, em italiano e a releitura de Questões de Arte, de Cristina Costa, o meu próximo livro será Pulsão pela Escrita.
Diga-se de passagem que tenho um velho hábito de ler dois, três ou até mais livros ao mesmo tempo. Quando canso de um, passo para o outro e assim a leitura torna-se um exercício rico de informações.
Manfredini é daqueles escritores, cuja relato faz o leitor participar da cena descrita. Gosto de me sentir parte e viajar no tempo e nas palavras. Não esqueço da sensação do francês Dr. Faivre, em Retratos no Entardecer de Agosto, ao refrescar os pés nas águas do Ivaí. A descrição do autor fez com que me sentisse sentada à beira do rio desfrutando do momento junto ao personagem.

Wilson Bueno

“Wilson Bueno, escritor de múltiplas facetas. Ora um flâneur, um vagau, como dizia, colhendo aqui e ali, em andanças sem destino, a vida tortuosa dos marginalizados. Suscetível a influências, ora incorporava Jean Genet, em sua mitologia pessoal de escândalos e rixas, ora o libertino Arthur Rimbaud, vestes rotas, cabelos longos e desarrumados e o comportamento considerado ultrajante. Em seus últimos vinte anos de vida, sóbrio, fechou-se em recato, mostrando-se como um discreto e elegante cavalheiro vitoriano.

A pulsão pela escrita é, enfim, um voo acidentado e pungente, sobre a vida e a obra de um escritor que “não viveria, absolutamente, sem escrever”, e que se agarrava à literatura movido por uma pulsão vital, absoluta”.

Para agendar

O lançamento será no dia 18 de setembro, das 18h às 21h, na Casa de Chá The Kettle, na Rua Prudente de Morais, 836 (esquina com Júlia da Costa), em Curitiba.

Nada melhor, entre uma xícara de chá e outra, algumas guloseimas, ‘jogar conversa para fora’ sobre a vida de um cara que amava escrever. Vamos lá!