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Culinária sensorial e criativa

A culinária é arte que exige criatividade e estética, além do empenho na elaboração de um prato. É como compor uma música, pintar uma tela ou escrever um poema. Muitas vezes o ritual de servir e os sabores combinados nos pratos provocam sensações que alteram nosso humor. Filmes, livros, poemas são inúmeros sobre o assunto e contam o quanto é sensorial e criativa a arte culinária. Cada cultura, cada povo, tem seu estilo e marca e é um mundo fascinante!

Inesquecível foi um jantar na casa de Roberto e Fernanda e ao participar dele lembrei do livro Afrodite, de Izabel Allende, que descreve o prazer sensorial da comida e de uma mesa elaborados com arte e imaginação. Esse jantar aconteceu há alguns anos e ainda permanece vivo em minha memória.

“O prazer de um sabor centra-se na língua e no céu da boca, embora com frequência não comece ali, mas na lembrança. E parte essencial desse prazer reside nos outros sentidos, na visão, no olfato, no tato, inclusive na audição. Na cerimônia do chá no Japão, o gosto da bebida é o menos importante – na verdade o chá é amargo – mas a serena intimidade das paredes nuas, as formas depuradas dos utensílios, a elegância do ritual, a concentrada harmonia dos gestos de quem oferece o chá, o quieto agradecimento de quem o recebe, o tênue odor da madeira e do carvão, o som da concha ao verter a água no silêncio do aposento, tudo constitui uma celebração para alma e para os sentidos”. (…) Izabel Allende. 

Apenas um parêntese, Roberto é um jovem amigo do meu genro Gustavo e Fernanda, amiga da minha filha Paula. O casal me ofereceu um carinhoso jantar para agradecer por ter feito parte da história deles. Isto é, os dois marcaram o primeiro encontro na minha casa, depois de muitos e-mails trocados. Roberto vivia em São Paulo e Fernanda em Curitiba.

Sensorial

Bem…. voltando ao tema arte culinária e os prazeres sensoriais dos alimentos, Roberto seguramente usou sua própria imaginação e incorporou, naquele jantar, o mais refinado e verdadeiro gourmet, ao ponto de somente servir e não degustar junto com Fernanda eu e Paula e Marcela. Durante o jantar dedicou-se a performance de ‘chef’ e na medida que servia os pratos à mesa, quando recebíamos a iguaria, nossos olhos as devoravam antes da primeira garfada chegar à boca.

Já no início do ritual, ops… do jantar, recebemos o cardápio. Pensando bem, foi um ritual. O cardápio era feito de forma artesanal, simples, de papel A4, mas por ser personalizado para o momento, descrevendo os pratos a serem servidos e uma ilustração com meninas na capa, transformou-se  no mais elegante menu aos nossos olhos. Mais um parêntese, Roberto é um rapaz muito espirituoso, brincalhão, mas desta vez fazia tudo com um seriedade admirável.

Daí para frente, Roberto ia e vinha da cozinha, em silêncio, concentrado na sua tarefa de agradar e alimentar com arte suas convidadas.

 Cardápio

Primeiro a entrada: Rondeli elaborado com mussarela de búfala, acompanhado por um aperitivo – um espumante batido com pêssego – de sabor doce e suave para aguçar o paladar. A partir daí  já estava me sentido protagonista de um filme semelhante ao da “A Festa de Babette”, que Izabel Allende descreve tão bem a sensação dos convidados no livro Afrodite:

 

 “Em ‘A Festa de Babette’, aquele comovente filme baseado no conto de Isak Dinesen, a câmera vai e vem entre a cozinha, onde se preparavam amorosamente os pratos, e a sala de jantar, onde os rostos severos desses estóicos habitantes de um mundo distante e gelado vão mudando, à medida que o vinho e os alimentos se apoderam de seus sentidos”…

Não eramos habitantes de uma terra distante mas seguramente os alimentos começaram a se apoderar dos nossos sentidos e o “rir à toa”, regado pelo bom vinho que Roberto nos ofereceu, fez parte daquela noitada inesquecível.

 O prato principal: salmão com ervas e tomate seco – foi servido logo após termos degustado a salada, tão colorida quanto a diversidade natural de nosso Brasil. A concha roxa de repolho, ali tão bem colocada no prato, mais parecia uma delicada pétala de flor, abrigando as tenras folhas verdes picadas em meio as azeitonas suculentas, tomates e rodelas do mais macio palmito pupunha.

 Para encerrar esta orgia sensorial, Roberto serviu mamão com cassis que foi saboreado avidamente pelas convidadas como se fosse servido no Olimpo, na categoria de sobremesa dos deuses. Izabel Allende tem razão quando escreve com a delicadeza de uma inspiração poética sobre o ato de servir alimentos e saboreá-los. Ela mostra que o cenário e a performance transformam o olhar e os sentidos.

Tanto é verdade que certa vez, há muito anos, na minha época de “bicho grilo”, fazendo um curso de Yoga, na chácara da Mary, uma exótica e extravagante professora que morava em Piraquara, numa casa também exótica, em meio a gatos e cachorros, experimentei um pedaço de pão sem fermento e de farinha integral. Lembro que era duro e seco e o achei de sabor incrível, acompanhando panquecas branquinhas de polvilho recheadas com tomates refogado. Essa comida simples de sabor único me transportou para um templo de cultura natural e sagrado naquela atmosfera excêntrica da casa de Mary!

 

 

 

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Maravilhas do ‘em tempo real’ na divulgação da arte

O universo online tem seu lado obscuro, temível com as notícias falsas, mas ao mesmo tempo é a ‘oitava maravilha do mundo’ quando se trata de saber o que acontece  ‘em tempo real’. Especialmente no que se refere a celebridades no mundo da arte. Um exemplo disso foi a publicação da nova obra de Banksy, o mais famoso e misterioso artista de rua.

Em poucos minutos a obra que Banksy grafitou num muro de tijolo da cidade  Birmingham, na Inglaterra, estava sendo comentada por milhares de pessoas em redes sociais e pelos apaixonados pela streetart. Ele grafitou duas renas presas às rédeas do trenó do Papai Noel à direita de um banco  e a partir daí elaborou um vídeo mostrando um morador de rua instalado neste banco e mantendo-o como seu lugar cativo. Em menos de 24h recebeu outra intervenção de um desconhecido encapuzado que para alguns é ‘ato de vandalismo’, que pintou de vermelho cintilante os narizes das renas.

Porém Banksy aceita intervenções de outros artistas, ao contrário daqueles que comercializam arte e estão preocupados com a descaracterização da obra e, sobretudo porque elas valem milhões de dólares. O grafite agora está em vigilância permanente com apoio da Jewellery Quarter BID, comunidade empresarial que mantém a região onde a arte de Banksy foi depredada a poucos metros do Jewellery Quarter Museum. Grades e placas de acrílico foram utilizadas para reforçar a segurança.

Sem-teto no Natal

O artista coloca em suas criações temas sociais, ambientais e políticos em tons de crítica sutis para chocar ou emocionar seu público. Exatamente o que propôs foi impactar com sua nova criação. A imagem controversa do Natal. Um sem-teto em período natalino, sendo atrelado às renas envoltas em estrelas cintilantes.

Imediatamente, minutos depois de sua publicação, uma crítica sutil ao consumo da sociedade que ignora os que vivem à margem deste universo mágico, pelo qual só entra quem tem poder de compra, o site The ArtNewspaper estava divulgando o fato. Fiquei sabendo pelo storie  do site italiano Artribune no Facebook. E assim foi como um efeito dominó na disseminação da notícia.

Mais interessante ainda é a sensação que a internet deixa na pessoa, aquela de ser parte do grupo e ao mesmo tempo não. Sou seguidora de Banksy no Instagram, posso me sentir a mais importante das pessoas porque pertenço ao grupo de Banksy mesmo sabendo que faço parte de uma multidão de fãs e vejam que contrassenso, isso significa nada no sentido de relacionamento direto. Mas a genialidade está na voracidade em que se dissemina as informações e no acrescentar mais conhecimento sobre temas que você gosta.

Para refletir sobre um texto publicado pelo perfil Banksy, um questionamento muito interessante vindo de alguém, cuja obra custa uma fortuna.

“A arte deve nos fazer sentir de forma mais clara e inteligente. Deveria nos dar sensações coerentes que, de outra maneira, não teríamos. mas o preço de uma palavra de arte agora faz parte de sua função. Seu novo trabalho é sentar na parede e ficar mais caro. Em vez de ser a propriedade comum da humanidade da maneira como é um livro, a arte torna-se propriedade particular de alguém que pode pagar. Suponha que todos os livros que valem a pena no mundo custem US $ 1 milhão – imagine que efeito catastrófico sobre a cultura isso teria”. Robert Hughes, crítico.

 

 

foto retirada do site BBC.com

Leonard Cohen: reinventar-se era preciso sempre

Por que falar sobre  Leonard Cohen (1934-2016) e destacar o sentido do verbo reinventar. Para refletirmos juntos e chegarmos a conclusão que é o segredo do bem viver, seja na juventude ou na maturidade. Por ter sido Cohen, cantor, poeta, compositor, dono de uma voz inconfundível, envolvente, um exemplo do que significa reinventar-se.

Aos 71 anos, depois de passar seis anos meditando num mosteiro zen budista, descobriu que sua empresária e amante, Kelley Lynch, tinha zerado sua conta bancária e, portanto, comprometido todo o seu futuro na aposentadoria. O cantor que detestava os palcos e já estava 15 anos fora dele, aos 74 anos voltou a cantar e fez mais de 380 apresentações para cerca dois milhões de pessoas na Europa e EUA, arrecadando muito além do que Lynch havia roubado.

A intensidade e a alegria de Cohen no palco eram evidentes – ele pulava dentro e fora do palco, ajoelhava-se e despejava seu chapéu em homenagem aos seus músicos e visivelmente chorava em momentos climáticos. Não foram apenas a maratona, os concertos de três horas de duração recebidos com entusiasmo por críticos e fãs, mas a turnê também foi um sucesso comercial. De acordo com a Billboard Boxscore, Cohen arrecadou US $ 85,7 milhões em 147 datas que tocou na América do Norte, Europa e Austrália de 2008 a 2010 (cerca de 60% do itinerário da turnê); e de 2012 a 2013, sua Old Ideas Tour arrecadou US $ 63,4 milhões em 87 datas (aproximadamente 70% de seu desempenho total). Só em 2010, a turnê de Cohen foi maior do que as saídas de Elton John , Carrie Underwood e Rod Stewart, com um rendimento médio noturno superior ao de John Mayer ou Justin Bieber .

“Leonard era um soldado de verdade”, diz sua amiga de longa data e ex-cantora de apoio Jennifer Warnes. “Sua trajetória era para ter sucesso. Ele não ia sair nessa história.

Lynch acabou sendo condenada por um tribunal a pagar a Cohen US $ 9,5 milhões. Ela nunca pagou o dinheiro, embora tenha sido condenada a 18 meses de prisão por assediar e ameaçá-lo. Ao longo do caminho, Cohen descobriu que gostava da rotina da vida em turnê. “Estar de volta à estrada”, disse ele, “me restabeleceu como trabalhador no mundo”.

Sua apresentação final foi em Auckland, Nova Zelândia, em 21 de dezembro de 2013. Ele encerrou as coisas com uma capa do clássico dos Drifters, “Save the Last Dance for Me”. Mas, de acordo com Kory, mesmo em seu declínio final, Cohen falar sobre querer voltar ao palco. “Ele ficava dizendo: ‘Talvez possamos fazer mais alguns shows.’ Nunca houve um sentimento de ‘finalmente triunfei’, apenas um sentimento de gratidão. Leonard realmente se sentiu privilegiado por ter a oportunidade de compartilhar sua música todas as noites. ” Fonte: Billboard

As músicas de Cohen eram poesias muitas vezes melancólicas, em especial as lançadas no final de sua vida, que transitam entre o profano e o sagrado. Ele confessava que tinha um sentido tribal muito profundo. Canadense e de família próspera judia, o cantor cresceu frequentando uma sinagoga construída por seus antepassados. “Eu sentava na terceira fila. Minha família era decente. Eram gente de bem, pessoas que jamais negavam um aperto de mão. Então, nunca fui rebelde.”, contou em uma entrevista para David Remnick, publicada no Brasil pela Revista Piauí, Mais Escuro.

O filme Marianne & Leonard Words of Love foi lançado este ano e conta a história de amor entre o cantor e sua musa, Marianne Ihlen, na Ilha de Hydra, na Grécia, e ambos viveram em harmonia e liberdade sob o sol da ilha paradisíaca grega. Seu sonho era ser um escritor e poeta, mas com Marianne descobriu sua vocação para música aos 32 anos.

Reinventar é preciso

A necessidade de inventar-se, de buscar novos conteúdos para construir dentro de você  um novo ser, quando a vida impõe desafios ou mesmo quando ela está sem sal, inodora, sem graça, é fundamental para fortalecimento espiritual e físico. A condição de reinventar pode ser feita em todas as épocas, mesmo na juventude. Leonard Cohen fez isso o tempo todo.

 

 

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Pixo é engajado, pichar é chique e o grafite é imagem

Se quer saber mais sobre as diferentes performances da arte de rua leia o livro ‘Uivo dos Invisíveis’ , de Bebeti do Amaral Gurgel. Depois da leitura com certeza vai mudar o seu olhar ao se deparar com um ‘pixo’  no alto das paredes de um prédio ou num muro qualquer. Nunca mais aceitará que alguém defina o  pixo como vandalismo. Indignado dirá ‘não!… é a voz dos invisíveis, daqueles que não podem “viver dentro dos muros e tomar vinho em Paris”. Como Bebeti reconhecerá que “é poesia, transgressão e protesto'”…

foto internet. Isadora Freixo
www.medium.com/lindissima disse tudo

A autora é apaixonada pelo ‘pixo’ e faz com que o leitor apaixone-se também. Sua argumentação transita entre o irônico, lamento, talvez por não ser pixadora, crítica ácida da sociedade de consumo, atrelada a um texto envolvente, ágil e moderno. Márcia Tiburi  define assim no prefácio: “Em uma prosa inclassificável, em que o ensaio é confissão, em que a teoria e a história  são marcadas pela estupefação e pelo desabafo, Bebeti do Amaral Gurgel escreve de modo apaixonado sobre o pixo. (…) Olha para o pixo de frente, mais até, é escrito como se nascesse de dentro dele”,

Então….Uivo dos invisíveis!

“Tenho que pixar cada coisa que sinto e tem que ser pixo com x porque vai no x da questão e o pixo com x é o pixo aceito, é o pixo poético, é o pixo engajado e político, enquanto o pixo com ch é o pixo escrito na mídia que manda, e ch é ch de chique  (…) Então a verdade é que quando as pessoas gostam do que está nos muros elas chamam de grafite (…).Grafite é imagem e pixo é texto e se eu não entendo o que está escrito, o que significam aquelas letras, eu não gosto. Eu odeio, eu detesto porque a gente só gosta do que entende e é mais fácil, e eu não entendo aqueles riscos, é sujeira, é vandalismo mas grafite eu entendo porque grafite é fácil e é uma ideia mais domesticada”. 

Grande ficção

Apesar de afirmar que Uivo dos Invisíveis é uma obra de ficção e ao mesmo tempo confirmar que fez o possível para garantir informações corretas, o livro é um documento de pesquisa sobre arte de rua, sobretudo no Brasil. Numa linguagem descontraída, quase intimista ela registra a trajetória da Street Art no mundo e cita nomes que marcaram época, do pixo ao grafite.

Neste caso, o livro torna-se didático, sem entrar no exagero do formalismo acadêmico. É aprender história da arte sem se aborrecer  porque será interessante conhecer o que é tag,  bubble writing, bombs, free-hand, no universo dos pixadores. Você ficará sabendo que em 1967, “Cornbread se apaixona por Cynthia e escreve Cornbread Loves Cynthia em todos os lugares da Filadélfia, nos Estados Unidos, e então Cornbread é considerado o primeiro pixador do mundo (….).”

Jean-Michel Basquiat, Al Diaz, Keith Haring, Bansky estão lá com suas histórias, entre outros. Conta também que o Brasil é um dos países com mais tradição no grafite e inúmeros grafiteiros são conhecidos no mundo todo. A autora escolhe Osgemeos, Kobra, Nunca, Anarkia Boladona, Crânio, Mundano e Annie Ganzala Lorde. Além de uma infinidade de hastags sensacionais!

 #GrafiteTemCliente  #ARuaGrita #OsMurosChoram #BanksyPerturba  #PobreForaRicosDentro #OutdoorSimPixoNão….

– Uma cidade muda não muda.

Paulo Leminski

Nota da redação

A arte de rua sempre teve espaço nas minhas considerações jornalísticas. Um muro ou parede pixada ou pichada, grafitada, sempre despertou minha atenção e curiosidade. Assim como o teatro de rua, malabaristas, artistas circenses, músicos. A rua é o espaço mais democrático para expressar inquietações e talentos em todos os níveis artísticos.

Mais encantada fiquei quando  Helena Kolody, nossa eterna e adorável poetisa maior,  em um de seus haicais estimula o grafite, sem dúvida. “Pinte estrelas no muro e terá o céu ao alcance das mãos.”

Se Helena Kolody, na sua sensibilidade e olhar visionário  já entendia a aceitava a rua como narrativa artística, quem somos para afirmar algo ao contrário.

Vivaaa…. Viva as cidades pixadas, pichadas, grafitadas. Muitas vezes os uivos dos artistas invisíveis são ecos das emoções que estão sufocadas dentro da gente!