parte de uma xilogravura de J.Borges.

Mais de 10 anos na luta para registrar o Forró como patrimônio cultural brasileiro

A ideia de registrar o Forró, o verdadeiro de raiz, aquele pé-de-serra, como patrimônio imaterial brasileiro surgiu no nordeste, onde quase todas as festas vibram ao som de um bom baião, xaxado e xote.

Mas é uma luta que já se arrasta há mais de 10 anos e o povo que ama a alegria do balançar dos quadris das damas e o arrasta-pé cheio de ginga, quer garantir a autenticidade da festa.

Num inventário preliminar o IPHAN constatou que o Forró  não se resume somente às festas de São João e existe em 14 estados brasileiros com o devido destaque. O Forró envolve os ritmos matrizes – baião, xaxado, xote, instrumentos musicais específicos, danças, participação feminina e muita música vibrante. 

O Forró mexe com a alma do povo genuíno, aquele que vive em sintonia com a vida brasileira, a maioria humilde, simples,  que, no entanto, conserva no coração a alegria de viver em um país cheio de cores e belezas naturais.

 

Como uma admiradora da cultura popular e num constante ir e vir há quase 10 anos para Natal, no Rio Grande do Norte, posso afirmar que o Forró vive no coração de todo o nordestino. Qualquer feira popular ou de artesanato tem o seu dia de curtir o Forró pé-de-serra. Antes da pandemia participei destas festas e como uma sulista sem ginga dura no corpo e sem noção da rapidez dos passos demorei para pegar a manha. Demorei para pegar a manha, aliás acho que nem cheguei perto.

 

Joana Alves é uma dessas grandes defensoras para preservar o Forró como cultura imaterial. Ela atua frente a Associação Balaio do Nordeste.  É uma paraibana arretada, arte educadora, artesã, produtora e articuladora cultural. “Forró é grande é imenso e no Brasil todo e não pode ficar restrito a três ou quatro estados. Até lá fora do Brasil ele existe”, contou Joana num encontro com os Estados Gerais da Cultura.  

Joana explica que toda uma pesquisa  sobre a importância do Forró, a partir da realização de Fóruns de debates, o resultado será entregue ao IPHAN para definir em outubro o registro. Segundo retorno da instituição até 13 de dezembro o Forró será registrado como patrimônio imaterial.

 

Militante e ativista cultural, gestora de cultura, pesquisadora das culturas tradicionais e populares brasileiras, Rejane Nóbrega alerta para o perigo da descaracterização do Forró. Daí a necessidade de garantir o registro e preservá-lo na sua originalidade.

Algumas festas muito populares e de grande  repercussão turística, especialmente no Ceará, na Paraíba, estão inserido o que se chama “Forró de plástico”,  certamente um resultado da intensa globolização.

 

O Brasil tem forrozeiros inesquecíveis e entre os nomes mais famosos, citamos os mestres  Luiz Gonzaga e Sivuca. Mas escolhemos  Luizinho Calixto  para mostrar as habilidades nesses ritmos vibrantes do Forró por ser um dos últimos mestres da sanfona de oito baixos.

Luizinho é tido como um dos melhores do Brasil na atualidade, muito conhecido por seu virtuosismo e também por ter sido o primeiro a criar um método escrito para sanfona de 8 baixos no modelo de afinação transportada no Nordeste do Brasil.

Luizinho, também toca acordeom de 120 baixos, violão e cavaquinho e também alguns dos instrumentos de percussão, como zabumba, pandeiro, triangulo, agogô e reco-reco.  Luizinho é compositor e diretor musical, também nas horas vagas é artista plástico.

Então minha gente o Forró é nosso!

Vamos entrar juntos nesse movimento que irá  garantir que as verdadeiras raízes do Forró pé-de-serra sejam  reconhecidas como patrimônio cultural brasileiro.

Pata Ewa’n – O Coração do Mundo (Foto: divulgação/Assessoria de Imprensa) todos os direitos reservados a jaider Esbell

Bienal de São Paulo abre espaço para o indígena potencializar sua arte

Um significativo grupo de artistas indígenas estará a partir de setembro, na 34a.Bienal de São Paulo, mostrando sua arte, mitos, lendas e as vivências contemporâneas dos povos das florestas.

‘Faz escuro mas eu canto’, título do mais importante evento de arte do Brasil que adiou a realização presencial de 2020  para este ano, com abertura prevista para 4 de setembro.  Com um tema sugestivo referente a um poema do amazonense Thiago de Mello, poeta e autor do Estatuto do Homem, a Bienal abriu espaço para dar visibilidade aos artistas indígenas de diversas  partes do mundo, Brasil, Colombia, EUA, Chile, Groenlândia, entre outros. 

Funcionando como outro desses enunciados, mais que como um tema, o título da 34ª Bienal de São Paulo, Faz escuro mas eu canto, é um verso do poeta amazonense Thiago de Mello, publicado em 1965. Por meio desse verso, a 34ª Bienal reconhece a urgência dos problemas que desafiam a vida no mundo atual, enquanto reivindica a necessidade da arte como um campo de encontro, resistência, ruptura e transformação. Desde que encontramos esse verso, o breu que nos cerca foi se adensando: dos incêndios na Amazônia que escureceram o dia em São Paulo aos lutos e reclusões gerados pela pandemia e as decorrentes crises políticas, sociais e econômicas. Ao longo desses meses de trabalho, rodeados por colapsos de toda ordem, nos perguntamos uma e outra vez quais formas de arte e de presença no mundo são agora possíveis e necessárias. Em tempos escuros, quais são os cantos que não podemos seguir sem ouvir? – fonte. Bienal de São Paulo

Foram selecionados 91 artistas, de 39 países ao todo. A curadoria está sob a responsabilidade de Jacopo Crivelli Visconti, Paulo Miyada, Carla Zaccagnini, Francesco Stocchi e Ruth Estévez.

Do total de 91 artistas, cerca de 10 por cento são indígenas e 30 por cento, nomes conhecidos da década de 70, como o fotógrafo Pierre Verger

‘ Faz escuro mas eu canto’ já está acontecendo de forma online desde 2020, por ocasião da data que seria realizada o tradicional evento. Jaider Esbell, artista da etnia Makuxi, de Roraima, destaca-se pela eloquência de suas imagens fortes e coloridas e já conhecidas no Brasil e internacionalmente. 

A mostra Moquém – Surarî: arte indígena contemporânea, que se encontrará a aberta ao público no Museu de Arte Moderna de São Paulo  em agosto, como parte integrante da Bienal, apresentará obras de artistas dos povos Baniwa, Huni Kuin, Karipuna, Krenak, Marubo, Makuxi, Patamona, Pataxó, Tapirapé, Taurepang, Tikmu’un_Maxakali, Tukano, Xakriabá, Xirixana, Wapichana e Yanomami. Serão exibidos desenhos, pinturas, fotografias e esculturas que se referem às transformações visuais do pensamento cosmológico e narrativo amerínd

Logo da 34a. Bienal de São Paulo
SEM TÍTULO (2005). AQUARELA DE SUELI MAXAKALI
Jaider Esbell, Maldita e desejada - 2012. Do site da Bienal e cortesia do artista
Foto de Matheus Belém via site da Bienal. Uyra Elementar - 2018 (A última floresta - Terra pelada)
Matheus Belém - Uya, a árvores que anda.

Uyra  é uma figura emblemática, o alter ego do artista Emerson Munduruku, que cria e faz performance para chamar atenção do público para a importância da sustentabilidade.

Uýra (1991, Santarém, Pará) é uma entidade híbrida, o entrelaçar dos conhecimentos científicos da biologia às sabedorias ancestrais indígenas. Chama as plantas por seus nomes populares e em latim, e assim evoca suas propriedades medicinais, seus gostos, seus cheiros, seus poderes. O resultado é uma compreensão complexa e intrincada da mata, um emaranhado de conhecimentos e buscas. Uýra se apresenta como “uma árvore que anda”. Nasceu em 2016, durante o processo de impeachment de Dilma Rousseff, quando a biólogo decidiu expandir sua pesquisa acadêmica e buscar formas de levar o debate sobre a conservação ambiental e os direitos indígenas e LGBT+ às comunidades de Manaus e seus arredores. Em aulas de arte e biologia, ou performances fotográficas, em maquiagens e camuflagens, em textos e instalações, o que Uýra faz é falar desde a floresta e com ela. Fonte: Bienal de São Paulo.

 

Nesta entrevista, o artista chileno Sebastián Calfuqueo Aliste, de ascendência Mapuche, expõe toda a sua trajetória como militante, a força da sua ancestralidade, a discriminação que sofre por ser homossexual em seu cotidiano e por pertencer a um grupo étnico indígena  Essas questões são colocadas de modo direto e impactante num de seus primeiros trabalhos, You Will Never be a Weye [Você nunca será um Weye] (2015), registro em vídeo de uma performance em que Calfuqueo Aliste desmascara a maneira como a história dos Machis Weyes (pessoas que não se ajustavam ao binarismo de gênero) fora apagada em consequência da doutrinação católica imposta pelos colonizadores e das políticas do estado chileno.

Considerando a riqueza de conteúdo dessa Bienal, além do fato de ter sido adiada pela pandemia e pautada no ambiente desmaterializado da internet, alonga o debate sobre os direitos dos povos originários. 

Em alguns países dizimados desumanamente, como é caso dos EUA,  onde existem apenas descendentes, a ancestralidade perdeu-se com a violência e catequização dos colonizadores.

No Brasil, até então, apesar das tentativas de diversos governos em acabar com nossos primeiros habitantes, a dimensão continental do país sempre ajudou nossos irmãos da floresta. Mas  infelizmente, a situação se agrava a cada ano, sobretudo neste governo, cujas as pressões para destruição da floresta e marginalização do índio a cada dia tem episódios mais graves.  Nosso respeito à Bienal de São Paulo e parabéns aos curadores pela sensibilidade e por abrir as portas dos museus (grande elite e panelinhas) para o artista indígena ter visibilidade e potencializar sua arte, mitos, lendas e vivências contemporâneas.

casa portuguesa

Fotos que são poesia para o olhar

A fotografia tem algo mágico quando numa fração de segundos condensa num fragmento de tempo, o infinito de um mundo, de uma história, de uma vida, de um fato.

Diferente do audiovisual, a foto faz o observador  sentir que a imagem representa muito mais por trás do flagrante.  O mais fantástico, é a liberdade sentida pelo observador de interpretar a imagem e processar em sua mente como deseja. O audiovisual – cinema, vídeo – também fantástica ferramenta de comunicação,  sempre traz consigo um conteúdo completo conduzindo o espectador a uma conclusão dirigida.

Um exemplo é a casa que vemos nas duas fotos. O que nos remete essa casa?  A imagem é de 2019, feita próximo ao cais, perto Cordoaria Nacional, região de Belém, em Lisboa. Uma casa portuguesa abandonada, esmagada pelo moderno, perto de um viaduto gigante.

No entanto, é tão cheia de graça com a viçosa trepadeira em tons que oscilam entre o vermelho e o verde, que o abandono é disfarçado pela beleza da planta. Num só segundo, imagina-se tudo: quem morou ali, como viveram e por que a deixaram. 

E o que me diz da foto ao lado. Não é uma verdadeira poesia para os olhos a luz do sol refletindo nas folhas, num fim de tarde, e mudando o tom do verde? É uma árvore em metamorfose com a luz do sol. Pelo que podemos observar é  um plátano, uma espécie exótica que não faz parte da flora brasileira. 

Existem muitos plátanos por aqui, nas regiões mais frias. Porém, a imagem foi captada na Bélgica num fim de tarde, num bucólico parque dentro da cidade de  Bruges. Uma foto que me remete aos ensinamentos de meu pai que chamava atenção às inúmeras nuances do verde quando descia com ele a Serra do Mar, rumo ao litoral paranaense. Depois descobri que o verde tem mais de 30 nuances. É poética da natureza.

Uma folha, ai,
melancolicamente
cai!

Mário Quintana

 

 ,

Quanta luta envolve esta foto. A luta pela sobrevivência no Brasil. Um catador de produtos reciclados, cuja venda lhe rende alguns trocos, consegue fazer peripécias para carregar o máximo de volume numa só viagem. Pobres personagens de um país desigual. Pobre animal que precisa ajudar seu dono a viver.

Foto inesquecível contra a luz. Silhuetas que dançam no facho de luz. Numa tarde qualquer,  em férias soberbas, foi possível captar o sol fugindo no horizonte e deixando um caminho dourado no mar.  

Um jeito criativo de vender seus brincos sem perder na visibilidade. Um tripé, uma armação de sombrinha e pronto a sua vitrine estava montada. Genial!

Esta foto é a minha preferida e foi captada em 2009. Talvez o ‘pássaro de sete cores’, como é chamado em Itapoá, balneário de Santa Catarina, Sul do Brasil, já esteja quase em extinção. Lá se instalou um porto particular e o desmate para especulação imobiliária está violento.

Fiz foto quase que sem perceber porque estava numa sacada e na casa vizinha tinha um palmeira com enormes cachos repletos de ‘coquinhos’ como chamamos no Sul a fruta. De repente, aqueles pássaros chegaram e numa fração de segundos fiz a foto. Minha preciosidade. Jamais farei outra igual. A árvore foi cortada porque estava sujando a piscina da casa, segundo soube…. 

 

Apenas uma flor amarela que floresce em campos.

Não! 

É ‘marcela galega’ excelente fitoterápico para o estômago. O auge do florescer é sempre  perto da Páscoa e a colheita deve ser feita na sexta-feira da Paixão. Dizem os alquimistas que potencializa a cura.

A foto é de Lunamar Rodrigues, uma amiga. Guardei-a com carinho pela composição da imagem. Valorizou e deu poesia a uma simples semente que se chama “pente de macaco’. 

O nome é devido a aspereza do primeiro invólucro, mas dentro dele guarda delicadas sementinhas envoltas em transparentes películas que se espalham com o vento. É a divina poética da natureza. 

Lembro de Abigail, amiga, que morava fora da cidade e dizia: “Adoro ouvir o vento fazer com que os pentes de macaco batam um no outro e pela força da batida se abram e com isso, deixam essas sementes voarem como chuvas douradas pelo campo”.

Uma janela que se abre para o infinito. O mar está ao fundo. Existe algo mais sugestivo que a imagem de uma janela aberta?

Escrevo diante da janela aberta.
Minha caneta é cor das venezianas:
Verde!… E que leves, lindas filigranas
Desenha o sol na página deserta!

Não sei que paisagista doidivanas
Mistura os tons… acerta… desacerta…
Sempre em busca de nova descoberta,
Vai colorindo as horas cotidianas…

Mário Quintana

Todas essas fotos foram captadas por mim,  em tempos e lugares diferentes, cada qual trazendo em si a lembrança que as originou. Para você leitor essas fotos podem não dizer nada e envolve a sensibilidade de cada um. Todo flagrante tem uma história por trás da captação da imagem.  No entanto, sensibilizá-lo com minhas fotos não é o foco desse artigo, sim mostrar como o olhar pode ser ampliado muito além da imagem. É como: tua mão tem cinco dedos. Mas você só enxerga a mão, com seus cinco dedos? Ohhhh…. que pena!

Vamos lá! Exercite a sua mente e busque o que tem por trás de uma foto…

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Velha mala e as fotos de uma vida

Espectros de várias fontes de luz, solares, estelares, metálicos, gasosos, elétricos ”de Les phénomènes de la physique por Amédée Guillemin, 1882. Foto by BrainPickings

“Cores carregam metáforas de culturas inteiras”

"Cores carregam metáforas de culturas inteiras". A frase é da escritora americana Ellen Melloy. Pensem um pouco e reconheçam que é verdade!

Caro leitor, olhe para um povo e veja como ele se representa nas formas e nas cores. A partir disso, já poderá defini-lo em suas características antropológicas e arriscando um palpite, psíquicas.. Ellen Melloy ( 1946-2004) fez um estudo  interessante no livro The Anthropology of Turquoise.

A pequena introdução é para falar sobre uma matéria fantástica, num site incrível chamado BrainPicking, cuja editora é Maria Popova. O artigo foi publicada com  o título A consciência das cores, da química à cultura. O texto nos faz pensar no quanto as cores englobam um conteúdo infinito de significados.

Não só como tonalidade que define a matéria, mas a análise vai mais adiante e trata do assunto pela linguagem, semântica e sensações . Sem entrar no campo do esoterismo, porém com argumentação poética. 

Maria Popova não se restringe apenas a Melloy, mas cita outros autores, numa pesquisa literária excepcional sobre a química da cores.

A newsletter do BrainBicking  recebo religiosamente no e-mail toda semana há muitos anos, Coloco nessa afirmação muitos anos e a editoria do site nunca falhou, com um conteúdo fabuloso e profundo.

Maria Popova é uma escritora búlgara,  naturalizada americana, que tem uma maneira muito peculiar de pedir apoio dos leitores.

Brain Pickings é o meu trabalho feito com amor de uma só mulher. Desde a sua criação em 2006, tenho trabalhado arduamente para mantê-lo um espaço de leitura contemplativa livre de anúncios e interrupções comerciais – algo importante para mim e, espero, para vocês – apoiado por leitores como vocês. Pesquisar e escrever leva quase todas as horas do meu dia e milhares de dólares por mês para sustentar. Se encontrar aqui alguma alegria, consolo e inspiração, por favor considere uma modesta doação – por muito que possa pagar, ela significa e ajuda mais do que possa imaginar.

Há duas opções: Pode juntar-se aos leais leitores que tornaram a Brain Pickings possível durante mais de uma década e tornar-se um Patrono Sustentador com uma doação mensal automática à sua escolha, entre uma chávena de chá e um almoço de Brooklyn.

 

A delicadeza como Maria Popova coloca a sua solicitação para receber ajuda já faz com que o leitor tenha de bom grado a iniciativa de colaborar. É uma pena que sou brasileira e não recebo em dólares porque teria um grande prazer em ajudar a manter um conteúdo desses, disponibilizado no site.

Outra questão é sobre a história do BrainPickings. Muito semelhante ao do PanHoramarte. Criei o site em 2006 também como forma de divulgar uma pesquisa sobre internet e artes plásticas. Fui tomando gosto pelo trabalho e dedico até hoje uma parte do meu tempo para escrever com muito amor. O Pan teve alguns colaboradores incríveis, mas hoje estou sozinha atualizando-o e durante muitos anos não usei anúncios. Hoje estão entrando sem muito sucesso na receita, porém até como forma de entender o monopólio comercial que impera na internet com base nas diretrizes dos gigantes: Facebook  e Google.

Um parênteses apenas para voltarmos ao tema cores e o artigo apaixonante de Maria Popova, cujo o conteúdo vou publicar apenas uma parte dele. Um verdadeiro tratado sobre as tonalidades, cores, existentes no planeta Terra, que vamos reproduzir aqui:

“‘A água azul profunda do mar aberto longe da terra é a cor do vazio e da esterilidade; a água verde das zonas costeiras, com todas as suas tonalidades variáveis, é a cor da vida’, escreveu Rachel Carson ao iluminar a ciência e o esplendor do espectro marinho, enriquecendo o cânone literário das meditações mais belas da história sobre a cor azul.

A cor da vida, o verdadeiro matiz cromático que faz do nosso planeta rochoso um mundo vivo, está algures entre o azul da água e o verde da terra – quando Carl Sagan olhou para a fotografia granulada da Voyager (sonda americana) da Terra vista dos confins do Sistema Solar pela primeira vez, elogiou o nosso Pale Blue Dot. Mas a cor desse ponto “suspenso num raio de sol” está mais entre o azul e o verde: um pixel de turquesa.

Essa cor – a sua ciência cromática e a sua simbologia cultural – é o que Ellen Meloy (21 de Junho de 1946 – 4 de Novembro de 2004) explora em A Antropologia de Turquesa: Reflexões sobre o Deserto, o Mar, a Pedra e o Céu.

 

 

 

Roda de cor baseada no sistema de classificação do químico francês Michel Eugène Chevreul de Les phénomènes de la physique de Amédée Guillemin, 1882.
Light distribution on soap bubble from Les phénomènes de la physique by Amédée Guillemin, 1882.
Art from Geographical Portfolio — Comprising Physical, Political, Geological, and Astronomical Geography by Levi Walter Yaggy, 1887

Dois séculos depois de Goethe ter escrito na sua poética, filosoficamente promissora, mas cientificamente incorrecta teoria da cor e da emoção que “as cores são os actos e os sofrimentos da luz” e duas gerações depois de Frida Kahlo ter considerado o significado das cores, Meloy faz a ponte entre o metafísico e o científico através da corrente subterrânea da poética:

Não há região mais fértil de subjectividade do que a linguagem – o esforço humano para conter o incontrolável, o fluido, o nuance em vasos de conceito e categoria. A ausência de limites cromáticos do espectro tem, portanto, uma relação peculiar com a linguagem, expondo as limitações do nosso instrumento primário de produção de sentido contra as vistas ilimitadas da natureza. (Pode ter sido por isso que Darwin levou consigo no The Beagle uma nomenclatura pioneira de cor, ao pretender classificar, categorizar, e dar sentido ao mundo natural). Numa passagem que ilustra quão primordial é a ligação entre o corpo e a mente, quão inseparável é a nossa psicologia da nossa fisiologia, Meloy escreve:

As cores desafiam a linguagem para as englobar. (Não é possível; há mais sensações do que palavras para elas. Os nossos olhos estão muito à frente das nossas línguas). As cores suportam as metáforas de culturas inteiras. Transmitem todas as sensações, desde a luxúria à desconfiança. Elas brilham fluorescentes nos flancos de um peixe fora de água, e depois fogem à sua morte. Marcam a terra de uma divindade mulher que controla a chuva suave do deserto. As flores usam as cores impiedosamente para o sexo. As traças roubam-nas do seu ambiente e desaparecem. Um polvo comunica por cor; um rubor de polvo é uma linguagem. Os humanos imbuem as cores como antídotos para a monotonia emocional. As nossas vidas, quando prestamos atenção à luz, obrigam-nos a empatia com a cor.

Dentro de cada cor reside uma história, e as histórias são o agente aglutinador da cultura.

 

“Olhem para esse ponto. Isso é a nossa casa. Isso somos nós. Nele, todos a quem ama, todos que conhece, qualquer um dos que escutamos falar, cada ser humano que existiu, viveu a sua vida aqui. O agregado da nossa alegria e nosso sofrimento, milhares de religiões autênticas, ideologias e doutrinas econômicas, cada herói e covarde, cada criador e destruidor de civilizações, cada rei e camponês, cada casal de namorados, cada mãe e pai, criança cheia de esperança, inventor e explorador, cada mestre de ética, cada político corrupto, cada superestrela, cada líder supremo, cada santo e pecador na história da nossa espécie viveu aí, num grão de poeira suspenso num raio de Sol”

A citação acima faz parte do livro homônimo de Carl Sagan, Pálido Ponto Azul, lançado em 1994 e que teve como inspiração justamente a foto da Voyager 1 tirada quatro anos antes.

Num sentimento evocativo do montanhista escocês e poeta Nan Shepherd, a adorável observação de que “lugar e mente podem interpenetrar até que a natureza de ambos seja alterada”, acrescenta Meloy:

Entre os sentidos e a razão encontra-se a percepção. Em casa ou no campo, que é onde reside o espanto, evitando a explicação… A intoxicação com a cor, por vezes subliminar, frequentemente feroz, pode expressar-se como um profundo apego à paisagem. Tem sido dito com razão: A cor é o primeiro princípio do lugar.

Blues da Nomenclatura de Cores do Werner: Adaptado à Zoologia, Botânica, Química, Mineralogia, Anatomia, e Artes, que inspirou Darwin.

Lemos a cor da forma como lemos o lugar: através dos nossos sentidos – estes proboscides de consciência, cada vez mais cortados por uma cultura que nos rapta longe dos nossos corpos para manter a nossa consciência refém antes e atrás de ecrãs. Poeta ecoante e historiadora da ciência Diane Ackerman – que escreveu de forma tão bela na sua História Natural dos Sentidos que “não há forma de compreender o mundo sem primeiro o detectar através da rede de radar dos nossos sentidos” – Meloy escreve com urgência com alma:

Cada um de nós possui cinco mapas fundamentais e cativantes para o mundo natural: visão, tacto, paladar, audição, olfacto. À medida que desvendamos os fios que nos ligam à natureza, como denizentes de dados e artifícios, no meio de multidões e desordens, tornamo-nos avarentos com estes leais e requintados guias, entorpecemos a nossa inteligência sensorial. Esta falta de atenção fará de todos nós órfãos.

Arte do Portfólio Geográfico - Compreendendo Geografia Física, Política, Geológica e Astronómica de Levi Walter Yaggy, 1887.

Unindo o humano e o científico com o seu próprio ser, unindo a criatura e o geológico com a sua própria existência efémera, Meloy pinta a psicogeografia da cor:

Como habitante do deserto, acredito que a água é uma entrada mais verdadeira para o lugar. No Ocidente, a aridez define-nos. Há água abundante aqui no Yucatán – oceano, pântano, lagoa, rios subterrâneos, cenotes (poços naturais onde a água doce emerge), uma floresta tropical inchada com transpiração. As tempestades trazem um furacão de torrentes ou nada; mesmo as selvas têm secas. Por invasão e pura presença, o mar empurra-se para o que é potável e o que se ouve, ou o que se perde quando se está distante do surf. O mar tem uma abundância de conforto, inspiração e perigo, tudo aquilo de que uma pessoa precisa para se elevar a toda a amplitude da beleza. Parece que se permitirmos que esta beleza se torne em branco, se virarmos as costas aos azuis e negarmos a nossa dependência deles, poderemos perder o nosso lugar no mundo, as nossas acções tornar-se-iam pequenas, a nossa alma desengatada.

Foto por Mari Weigert - Florianópolis Santa Catarina - Brasil