Procissão, 1941
Tarsila do Amaral

Vamos ouvir Romaria neste momento… Renato Teixeira toca o coração dessa gente!

Quando Renato Teixeira compôs a música Romaria que tocou o coração dos brasileiros, jamais imaginaria que bárbaros encarnados, próprios visigodos do século XXI, fossem profanar a celebração do que é sagrado para um povo.

“O que é mais interessante é que eu não fiz um hino pra Nossa Senhora. Ela tem lindos hinos. O meu hino é pro romeiro, não é pra Nossa Senhora”, disse ele num encontro realizado pelos Estados Gerais da Cultura, no ano passado. (assista aqui).

O episódio de Aparecida do Norte foi tão triste  que  se não nos abrigarmos na arte, na cultura, iremos viver num constante desalento.  É bom lembrar que aqui vivem brasileiros sensíveis e para isso basta ouvir Romaria, de Renato Teixeira. A música tem conexão com a nossa essência e nos deixa em estado de graça mais ainda se ouvirmos ela com a interpretação magistral de Elis Regina. 

 

Imagem via internet

“Eu não sabia que “Romaria” fosse fazer o sucesso que fez, eu tinha ideias meio radicais, né. Eu não queria facilitar. Olha só onde é que eu fui mexer. Eu fui mexer num símbolo, Nossa Senhora Aparecida, era uma cidade vizinha. A gente ia pra lá todo fim de semana, passear. Aí você vai descobrir que o Brasil começa a se conscientizar como nação, quando começa o culto de Nossa Senhora lá pra 1700. A gente começa a perceber que a gente não era Portugal.

O milagre começa quando você pega um corpo sem cabeça e bota uma cabeça e essa imagem vira o símbolo de um povo. Une esse povo. Eu não imaginava com quem eu estava mexendo. E o que é mais interessante é que eu não fiz um hino pra Nossa Senhora. Ela tem lindos hinos. O meu hino é pro romeiro, não é pra Nossa Senhora.

Eu tava em casa e compus a canção. Pensando em fazer uma canção moderna, uma música caipira que o Flávio Cavalcanti não quebrasse o disco no programa dele. Eu tinha um encontro naquela tarde com o Marcos Pereira, benfeitor da música regional brasileira, eu fiz a letra, mas quando chegou no fim “mas como eu não sei rezar, só queria mostrar, meu olhar.” Ótimo. E agora? Aí eu não conseguia achar mais nada pra mostrar a ele. Eu sou assim. Quando empaca, eu dou um tempo que vem.

Então eu dobrei a letra, botei no bolso, e fui encontrar com o Marcos. Aí eu falei assim: “Só que eu não terminei”. Ele falou: “Não faz mal”. Abri e cantei, lendo a letra: “É de sonho e de pó”. E no final “lalala”, terminei com “lalala”. Mas nisso, quando eu tava terminando a música, o Marcos levantou da cadeira, deu a volta na mesa, chegou perto de mim, me deu um beijo na testa, e falou: “Pô, cara, você não sabe o que você fez”. Eu não sabia mesmo. Pra mim eu tinha feito só mais uma música. Ele sentiu que eu tinha feito uma grande canção.

 A banda que tocava comigo, o “Água”, eram todos publicitários. Ninguém precisava de cachê pra viver, a gente vivia de publicidade. Talvez o “Água” tenha sido a primeira banda acústica brasileira, assumida, porque com a gente tocavam Oswaldinho do Acordeon, o Papete, o Sérgio Mineiro, o Carlão de Souza, pessoas que tem uma história linda dentro da música brasileira.

O nosso show chamava “Romaria”. Foram três anos fazendo isso. Algumas cantoras assistiram. Ninguém reparou na musica. Aí quando foi meu irmão Roberto de Oliveira. Era agente da Elis, produtor da Elis. Meu irmão que produziu aquele LP “Elis e Tom”. Ela sabia que eu era compositor. Mas nunca falamos de música. Eu tinha o meu estúdio, que era na frente do Teatro Bandeirantes, e ela tava fazendo “O Falso Brilhante”. A banda da Elis durante o dia gravava jingles no meu estúdio. E ela disse: “Olha, eu vou gravar um disco…”, ela tava grávida de 7 meses da Maria Rita. “Vai lá em casa pra você me mostrar música”. Eu tava inédito, ninguém me gravava, eu era publicitário. A minha carreira de compositor estava estagnada, por várias razões. E aí eu fui gravando.

Cheguei lá era uma música assim: “sentimental…eu fico quando pouso na mesa de um bar, eu sou um lobo cansado”. Eu tava nas nuvens, eu tinha sido gravado pela Elis. Aí no outro dia ela me liga de novo: “O que você vai fazer hoje à noite?”.  Eu falei: “Nada”. “Então vai no estúdio que eu vou gravar outra música sua”. Era “Romaria”. A Elis gostou tanto que convidou a gente pra tocar. Se vocês quiserem ouvir o “Água”, escutem “Romaria” com a Elis, com a gloriosa participação de César Camargo Mariano e Nathan Marques. Eu entrei em estado de graça. Pra mim tava pronto. Podia voltar pra Taubaté que tava tudo certo.

Daí a música fez sucesso. Eu devia ter uns 31, 32 anos… Aí eu fui abrir um show pro Luiz Gonzaga. Encerrei o meu show com “Romaria” que era a música que tava bombando. Quando eu sai do show, seu Luiz estava se preparando para cantar o show dele. Aí ele virou pra mim e falou assim:

“Cantou sua Asa Branca, hein, Seu Teixeira?”. Aí eu achei que ele tava tirando sarro: “Ô Seu Luiz você tá brincando comigo, querendo comparar minha música com a sua”. Ele falou assim: “Eu não estou tirando sarro”. Ele ficou até meio invocado. “Sr. Teixeira eu não estou tirando sarro, eu estou te falando uma coisa muito séria. O Sr. espere. Daqui a 30 anos você vai ver o que vai acontecer com a sua música”.

O cara cantou a bola. “E outra coisa, Seu Teixeira, isso é sorte. Caiu no seu colo. E o senhor faça o seguinte, Seu Teixeira, toda vez que o Sr. for tocar essa canção, o senhor toque como se fosse a primeira vez. Porque isso aí é sorte. Isso é pura sorte”. Até hoje, toda vez que eu vou cantar “Romaria”, eu lembro do Seu Luiz. Porque de uma certa forma ele carimbou minha música.”

 

 

 

Me disseram, porém, que eu viesse aquiPra pedir de romaria e precePaz nos desaventosComo eu não sei rezar, só queria mostrarMeu olhar, meu olhar, meu olhar

O povo brasileiro sempre foi um povo devoto, seja qual for a religião. Somos um país continental e terra de todas as gentes que precisa unir cada vez mais suas crenças.  Não será o grotesco, o comportamento ‘vil’ que irá predominar. 

O amor vencerá. Poesia, arte e alegria serão nossa bandeira contra ações que desejam destruir a alma do povo brasileiro.

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Brasil dividido e as mil faces de Macunaíma a partir de Jaider Esbell

Muita gente analisando e tentando entender o resultado das eleições de domingo (2). Jaider Esbell, homenageado na 59º Bienal de Veneza, e o seu Macunaíma define com a arte um pouco desse Brasil de muitas gentes... Agora dividido!

Um Brasil que precisa unir sua bandeira rasgada pela divisão imposta por interesses políticos e fazer a estrela brilhar para todos.

Chega de tentar encontrar o ”salvador da pátria’, o messias religioso!  E sim escolher, com seriedade, e fazer uma profunda reflexão do que é melhor para construir uma sociedade mais igualitária e próspera. Não dividida, na qual a cor vermelha e o verde amarelo são sinais de ideologias. É muita ignorância!

Um Brasil que precisa de comida na mesa e de escolas integrais para todas as crianças, que não podem ficar na rua enquanto seus pais trabalham. Quando cito integral é no conceito holístico de aprimorar nossos pequenos em todos os sentidos, de forma gratuita e pública, no estudo e nas aptidões artísticas e esportivas. Observe quantas escolas públicas de primeiro grau tem em seu bairro. Quanto mais integral!  Nem existe…Todas funcionam em três turnos para conseguirem abrigar a demanda de alunos.

Certamente, não é um governo de extrema-direita, neo-liberal, como esse que congelou os investimentos em educação e saúde por 20 anos, que terá interesse em desenvolver uma sociedade com o espírito crítico, capaz de colocar com firmeza as suas próprias escolhas. 

Colocar a tela de Makunaimã, Ressurgências, exposta na Bienal internacional na Ítalia, do artista indígena Jaider Esbell, que nos deixou tão precocemente, é falar pela linguagem dos povos originários e despertar a consciência do povo brasileiro nesse redemoinho que hoje vivemos à beira do caos.

Talvez, como disse Jaider  Esbell:

 “Arte indígena desperta uma consciência que o Brasil não tem de si mesmo”.

A entrevista foi publicada no Brasil de Fato, em novembro de 2021, e feita pela  jornalista Raquel Setz (aqui),  

Macuinaíma, o herói sem caráter, de Mário de Andrade, tem uma interpretação distorcida do mito indígena.  Na narrativa dos povos originários, Macunaimã é uma divindade, do tempo imemorial, habita o Monte Roraima, no extremo norte do Brasil, e faz parte do sagrado desses povos.”Os povos indígenas têm seus próprios sistemas de arte, com fundamentos próprios, razões, intensidades e eles não pressupõem uma cópia ou um arremedo do modelo europeu de arte”. Esbell.

A beleza e a genuína sabedoria da cultura indígena contrasta com a ignorância dos novos profetas pentecostais que proliferam pelo Brasil afora. Usam da insegurança emocional de nossa gente, para falar em nome de Deus e encher os bolsos de dinheiro.

O temor a Deus, família,  moral e os bons costumes são usados nesse discurso, insano, fanático e fundamentalista, que tenta esconder, muitas vezes, um passado criminoso e imoral desses pastores e pastoras.”Converteram-se e Jesus perdoa”, justificam os fiéis. Dura realidade!

A política é o tema atual nas pregações dos cultos semanais. Comunismo e se transformar em outra Venezuela são os pontos de temor utilizado por pastores que desejam que seu rebanho aposte num ser inominável, mas que certamente garante a eles todos benefícios, regalias fiscais que até hoje as igrejas têm usufruído. O espírito crítico de em torno de 30 por cento dos brasileiros está abaixo do nível do raciocínio lógico. Aliás acéfalo. Veja não estou falando de pessoas pobres, que não têm o que comer e dão o seu voto a quem oferecer dinheiro, dentadura, cirurgia de catarata, etc.. etc…

Não…..São ovelhinhas que seguem a palavra do messias e sequer conseguem analisar que 12 anos de governo Lula/PT seriam tempo suficiente para o comunismo ser implantado no Brasil, se a esquerda assim quisesse e se fosse esse o foco.  Diga-se de passagem, os ismos – comunismo, capitalismo, fascismo, autoritarismo- deviam já estar ultrapassados em pleno século XXI.

Sequer também conseguem perceber que estamos numa guerra híbrida, cujo o poder é o partido militar que está em jogo e o inominável é apenas um marionete nesse plano estratégico. Já estamos com pobreza, armas e militarismo. Acho que a Venezuela já é aqui e agora! 

Makunaimî deitado na rede universal – Jaider Esbell . Exposto no Arsenale – um dos artistas homenageados dos 158 participantes da 59º Bienal das Artes em Veneza, Itália. 

A cura dos sapos, 2017. Bienal de Veneza.

“Talvez daqui mais alguns anos, a gente possa ter um panorama melhor de uma sociedade minimamente mais esclarecida sobre a grande diversidade dos povos indígenas.” fonte: Brasil de Fato.

Latinoamérica 2017.”Eu sempre digo que os indígenas são “artivistas”. Antes de qualquer coisa, o povo indígena vem trabalhando nessa resistência e defesa pelo território e, consequentemente, por acolher essa turma toda que chegou nessas terras”. Brasil de Fato. 

 

“Ao invés de ter uma visão chapada desse planeta maravilhoso  que a gente habita, você  deve escapar de sua biosfera e olhar ele de cima, de algum outro lugar.  Do sol, por exemplo. Essa disposição é uma disposição amorosa com a vida. As redes são de afetos e elas acontecem também nos sonhos”.

 

Fiz questão de compartilhar esse vídeo indisponível aqui, porém para seguirem o link. O vídeo ,é um dos depoimentos mais eloquentes de Jaider Esbell, sobre a compreensão de mundo pelos povos indígenas. 

Indignada com essa restrição sem sentido, em não conseguir colocar disponível aos leitores do PanHoramArte e convido-os que assistam no Youtube. Imperdível!

A Jaider Esbell nossa homenagem!

Quando o mundo chega ao fim ninguém salva. Acontece que temos que construir um mundo novo.

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‘Crazy’ é arte fazendo loucuras dentro de um claustro em Roma

A mostra ''Crazy' é melhor metáfora que define o poder sem limites da arte. Ideias contemporâneas modificando um espaço renascentista: antigo claustro del Bramante em Roma.

A partir do conceito da loucura, um dia antes das eleições, Pan-horamarte convida o leitor  a despojar-se de toda resistência e deixar-se surpreender pelo potencial catártico da arte. Abandonar o  sentimento de ódio e buscar novos horizontes para um Brasil mais justo e menos desigual. 

“Crazy – la follia nell’arte contemporânea – não poderia estar em outro lugar senão Roma, onde encontra-se o Vaticano sede da Igreja católica e que ao mesmo tempo acolhe um projeto artístico tão ousado num espaço que um dia foi austero. Obras e instalações de 21 artistas internacionais invadem esse local, grudado à Igreja Santa Maria della Pace. Por um janela do claustro é possível enxergar o interior da igreja e apreciar os afrescos de Raffaello, que em 1514 pintou as  Sibilas recebendo instruções dos anjos.  Sibilas faziam predições para futuro.

Convidamos o leitor a entrar pela escadaria de cores derramada, do artista do Reino Unido, Ian Davenport, obra realizada em 1966 e percorrer os corredores do claustro impregnados de loucura poética. Observem a foto que abre a matéria e as cores e as tintas caindo proporcionalmente. Um jogo incrível do artista, que apesar da força da gravidade e a estrutura da escada, as cores não se misturam e permanecem bem reconhecíveis. É como se ele tivesse um gigantesco pincel imaginário.

                      Crazy é saciar o fluxo incontrolável do pensamento. 

“No sentido mais amplo da loucura – explica o curador Danilo Eccher – não raro sinônimo de criatividade fantástica, a arte sempre se encontrou à vontade, mas é sobretudo com os primeiros estudos psicanalíticos e neurológicos do início do século passado que o a relação entre transtornos psíquicos e arte tornou-se mais intensa e consciente. Com o passar do tempo, a clara fronteira entre o dado médico e o horizonte poético foi se esvaindo, evaporou, liberando níveis de confronto e contaminação, a criatividade louca começou a ocupar a cena mostrando suas inúmeras máscaras”.

Siga em frente e procure ver o que existe de loucura nos corredores do claustro.

Se dançava e ainda se esperava. Obra de Alfredo Jaar,  Neon.

Fora do escuro do armário. Sissi – artista de Bologna, 1977

Carlos Amorales, artista mexicano e obra de 1970. Um emaranhado de borboletas tomam conta dos corredores do claustro. Black Cloud Fashion

A artista americana Petah Coyne criou um jardim. Mas ao invés de ser no chão é no teto.  Criatividade é transformar a fragilidade em uma beleza atemporal.

Starless – Massimo Bartoloni 1962. 

“Crazy é dar uma nova veste ao passado”. A frase cintila as paredes do claustro. Neste domingo vamos nos envolver numa loucura criativa e votar com responsabilidade. Como refere-se a curadoria da mostra, vamos dar uma nova veste às ideias antigas e ultrapassadas e apostar num Brasil mais livre!

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Você já se deparou com um cabeça de pedra?

As instalações de Sun Yuan & Peng Yu, na mostra Crazy, em Roma, são próprias como conceito para definir o que significa tentar explicar para os que adoram formar opinião em notícias falsas.

É como falar com uma pedra. As palavras vão e voltam. Cabeça dura que não assimila nada. Incomunicável. Uma pessoa que de nada adianta argumentar sobre o absurdo da notícia porque ela deseja que a mentira seja verdade.

Durante a campanha para presidente em 2018, os fakes news alteraram o resultado das eleições porque muitas pessoas acreditaram em notícias falsas que circulavam no universo online. Esses fake-news foram disparados intensamente a partir de  esquema milionário e ilegal   por apoiadores do atual presidente.  O Brasil se dividiu nessa história e todos que foram contra a situação eram chamados de comunistas, vermelhos e convidados a irem viver na Venezuela ou em Cuba. rsss… 

A lavagem cerebral foi tão grande que a frase acima era dita frequentemente em coro, em uníssono. Um fenômeno que dividiu o país em mocinhos e bandidos e não mais foi possível diálogo com alguns amigos e familiares mais conservadores.

É o poder da comunicação em “politizar” via whatsapp  pessoas que nunca antes se interessavam em ler assuntos políticos. A estratégia era usar imagens, textos e vídeos curtos.

Nosso momento agora é de esperança e apostamos na arte e na cultura como armas para transformar o mundo.  

 #Lulapresidente.

Crazy, a loucura  na arte contemporânea é tema de outro artigo. Aguardem. Confesso que perto das eleições, senti cócegas nas mãos e não pude deixar de aproveitar essa obra tão didática.

Sem medo de ser feliz!.

Sun Yuan & Peng Yu, Teenager Teenager, 2011. Sculture in vetroresina, divani/Fiberglass Sculptures, Sofas Misure ambientali/Variable Dimensions