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Simplesmente um lugar…

Aquele lugar tinha uma coisa de sossego encantador. Era possível ouvir o som do silêncio, tamanha calmaria. Longe de tudo em todas as direções. Imaculado em vários aspectos. Gostava de sentar no gramado inesquecivelmente verde para pensar na vida. Refletir sobre o azul do céu e acabar dormindo sem hora para acordar, como se fosse transportada para uma outra dimensão de sentir e viver. Falando em sentir, este lugarejo era um banquete para os sentidos. Aromas maravilhosos, cores deslumbrantes, melodias que a natureza sabe como ninguém orquestrar, sabores dos mais diversos e sedutores.

A casa era antiga, de uma simplicidade sem paralelos. Tinha muitas estórias para contar e espaço para aconchegar qualquer que fosse o transeunte que se visse perdido por aquelas bandas. Tinha perfume de café fresco e de pão saído de padaria. Nada mais hospitaleiro do que isto! Cada cômodo tinha uma personalidade, uma força mágica. Depois que se entrava naquela casa, se saia outro. Coisa esquisita. Acho que a casa era toda assim especial, porque queria que quem viesse ficasse. Casas não gostam de ficar sozinhas, assim como os animais domésticos. São felizes cheias e melancólicas vazias. Gostam de risos, conversas, barulho de passos, mistura de aromas na cozinha, gente abrindo e fechando suas janelas e portas, além de quadros na parede, tapete no chão e bolo crescendo no fogão.

Havia muitas árvores espalhadas pelo jardim. Eram todas elegantes, mas sem arrogância. Os galhos acomodavam os ninhos dos pássaros, como as mãe embalam os filhos pequenos nos braços, com cuidado e ternura. Tinham um q de conversadeiras, porque a tudo observavam. Só no inverno que ficavam mais retraídas e caladas. Eram todas lindas e generosas.

Nos fins de tarde, as abelhas vinham se juntar às borboletas para paquerar as flores que competiam em vaidade. Desfilavam um mundo de tonalidades. Flores são muito poéticas.

E eu, desde pequena, sempre gostei de passar horas observando as formigas trabalhando incansáveis durante o dia e ouvindo os gafanhotos cantando durante as noites quentes de verão.  Insetos são criaturas formidáveis. Só na aparência são frágeis. Diferentes de nós humanos, são capazes de se adaptar a qualquer intempérie e sobreviver a catástrofes sem precedentes. Gostava também de acompanhar o trabalho arquitetônico de grande detalhe e perfeição das aranhas construindo suas inventivas teias. Algumas carregando seus ovinhos com um cuidado e preocupação de alguém que sabe calcular o tamanho da responsabilidade de se colocar vidas novas no mundo.

Naquele lugar me perdi tantas vezes. Me perdi em devaneios e afetos. Aquela coisa de amor à primeira vista tinha por ele. Era sempre igual, mas sempre uma novidade.

(Imagem: Summer Garden Green Grass – http://www.mrwallpaper.com/view/summer-garden-green-grass)

(Imagem: Old Woman Portrait por David Jon Kassan. Pintrest myartmagazin 

Simplesmente ser…

Sua maior ambição foi sempre querer simplesmente…. ser!!

O rosto dela contava inúmeras histórias. Cada marca esculpida naquela pele frágil era o retrato de uma experiência feita de muitos sentimentos e reflexões. Esta mulher extraordinária nunca rendeu-se às batalhas que enfrentou. Se não as venceu por inteiro, por conta de circunstâncias que estavam além do seu controle, aprendeu com elas a ser mais forte para manter dignidade e orgulho como seus maiores estandartes.

Possuía convicções inabaláveis. Não tinha a ilusão de que a vida era um caminho sem terrenos acidentados, mas certa estava de que uma flor sempre seria possível ser encontrada ao longo do percurso. Apreciou muitos entardeceres, refrescou-se nos orvalhos das manhãs, correu sem destino por campos de vastidão incalculável, riu com as crianças, aprendeu com os ignorantes a se tornar sábia. Foi quem sempre quis ser… livre para ser ela. Dizia o que pensava, partilhava sua felicidade com outros corações, era coerente em discurso e prática. A cozinha de sua casa estava sempre cheirosa e as portas sempre abertas para quem precisasse de um abrigo numa noite de inverno ou perdido numa desilusão. Entendia a loucura dos loucos. Achava que eles eram os certos. Nunca foi afeita a convenções sociais.

Detestava hipocrisia e fofoca. Incluía-se nas minorias e passava longe das maiorias. A varanda de sua casa sempre tinha uma mesa posta para um café e uma conversa. Amava a vida sem preconceitos. Suas primaveras, verões, outonos e invernos foram livros repletos de humores, sabores, perfumes e cores. A simplicidade escolheu como filosofia de vida. Deixou sua caricatura na eternidade dos pensamentos e sentimentos das pessoas que a conheceram. Memória para se jamais desbotar na inexorável passagem do tempo. Sua maior ambição foi sempre querer simplesmente…. ser!!

(Imagem: Old Woman Portrait por David Jon Kassan. Pintrest myartmagazin 

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Pulso da vida…

 

Que venham os ventos impetuosos

As chuvas torrenciais

As trovoadas e relâmpagos

De estrondos guturais

 

Que venham as corredeiras nos despenhadeiros

Os galhos de árvore que chicoteiam o ar

As altas marés

Redemoinho de forças de se atordoar

 

Que se liberte a personalidade da natureza

Que a expressão máxima das emoções dela

Não encontre barreiras

Porque depois de toda esta explosão

Vem uma calmaria

Que nos torna mais atentos, energizados, encantados

Com senso de que a vida

É cor, sabor, aroma e estranhamento

Intensidade, realidade, pulso, movimento

 

Vida é metamorfose

Verão, inverno, outono, primavera

Nascer, crescer e morte

Vida é voz e silêncio

Encontro e distanciamento

Sobretudo o mais profundo sentimento

Que acontece a cada fração de momento

Seja de calmaria ou tormento…

(Pintura de Fyodor Vasilyev – “Before a thumderstorn”)

noah bradley

Tempo…

O tempo se desvela em por de sóis e amanheceres. Ponteiros de relógios que circulam sem descanso hipnotizando nossas mentes. Calendários dos quais se rasgam as páginas. Luas em constante metamorfose. Marés que sobem e descem. Escuridão e alvorecer. Semear e colher. Flores que se colorem e desbotam. Paisagens que se transformam e sucumbem. Olhos que despertam para uma vida nova enquanto outros para sempre descansam. Fome e saciedade. Pressa e contemplação. Amor e desilusão.  Ignorância e solução. Luzes que acendem e apagam. Corpos que se cobrem e despem. Retratos de família que se preenchem e esvaziam.  Cumprimentos e despedidas. Lembrança e esquecimento. Histórias contadas, outras caladas. Salas de espera uma hora povoadas, outras de movimento emancipadas . Telefones que tocam em desvario e silenciam. Tudo isto é o tempo!

Tempo é nascimento, crescimento, morte. Construção, transformação,  dimensão, realidade e ficção. Tempo é acorde, melodia, ditando o ritmo da vida com maestria. Tempo é fim, meio e começo. Correnteza inquieta viajando na imensidão. Somos como ele umas vezes liberdade, outras escravidão …

(Pintura de Noah Bradley)