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Partícula do Diabo

Está divertido ver na mídia as explicações sobre a descoberta da partícula subatômica que começa com um nome complicado, bóson de Higgs. Para simplificar, atribui-se um nome popular, chamando-a “partícula de Deus”. Mas pelo que se houve daqueles que querem entende-la está mais para uma partícula do diabo.

Agora as revistas semanais e os grandes jornais diários ilustram suas matérias sobre o assunto até com fotografias da tal partícula, tida como uma coisa fabulosa. Colocam informações sobre o peso do tal bóson, de 126 bilhões de eletro volts (e nem explicam que peso é esse que não é medido em quilogramas), falam de “nível 5 sigma”, do campo Higgs ( campo… de futebol?), do tamanho desse monstro, (dez elevado a menos quinze metros) sem falar de assuntos paralelos como o LHC – o “maior acelerador de partículas do mundo”, colisão de prótons e do famoso big bang. Um verdadeiro samba do criolo doido.

Na verdade essas coisas são muito mais teóricas que visíveis. Se um átomo é tão pequenino imagine seus componentes (diante dessas partículas, considerados gigantes) prótons e neutros no núcleo e elétrons na periferia. E ainda, são carregados com cargas negativas e positivas. Os elétrons são tão misteriosos que um GPS não apontaria sua localização porque –embora existam – tem presença incerta.

E que dizer de prótons que vivem juntos apesar de todos possuírem cargas iguais? Atribuem-se misteriosas “forças nucleares” para essa convivência. E aqueles prótons que tal como o super homem faz numa cabine telefônica, se transformam em nêutrons trocando partículas subatômicas e com isto fazendo a transubstanciação tão procurada na antiguidade?

Não seria mais confortável informar para a galera que o que se descobriu (ou pensa que se descobriu) foi uma fabulosa partícula subatômica responsável pela transformação de energia em matéria?

Fui professor de Física durante minha vida (hoje sou aposentado) e pertenci a uma escola que procurava simplificar as informações em vez de complicá-las em nome da ciência.  Uma vez fiz uma experimentação interessante sobre este assunto, confinando alguns grãos de feijão dentro de uma ampola de vidro hermeticamente fechada e com luz, água e nutrientes para que os feijões brotassem num sistema fechado.

Acompanhamos o crescimento das plantinhas pesando-as em uma balança de precisão da PUC, Curitiba, e para nossa surpresa, a massa do sistema diminuía a medida que a plantinha crescia. Isto se explica porque para formar a vida, ela “roubava” matéria e energia do meio. Como o fundamento “vida” não tem peso, o sistema pesava cada vez menos. E na morte, ele devolve toda essa massa adquirida (um ser humano perde 21 gramas quando pesado antes e depois de morrer).

Portanto, não existem somente as transformações lineares entre matéria e energia sob a responsabilidade do tal bóson. Na verdade são três componentes universais – matéria, energia e vida – cada um ocupando o vértice de um triângulo e trocando partes de si com os dois outros.

Simples assim.

 

A caída de Ícaro

Ícaro doidão

Quem trabalhou na penitenciária passou por pelos menos uma rebelião

A minha foi em 1989, quando eu era dentista e batalhava lá no fundão. Onze presos se rebelaram e fizeram reféns, além de toda a parte administrativa, também, os agentes de segurança que ficaram amarrados lá na frente e perto da porta de saída. A elite, diretor e vice ficaram sob a vigilância dos bandidos na parte superior do edifício. Meu anjo da guarda estava de plantão e eu faltei naquele dia. É que um guarda de trânsito me parou e segurou o tempo suficiente para que eu perdesse o ônibus. Naquele dia, tanto o diretor como o vice foram degolados parcialmente, mas atendidos na hora da invasão, sobreviveram.

Luiz Ernesto Wanke

Na época escrevi toda esta história e o trecho abaixo foram retirados desses originais: O ÍCARO DOIDÃO

O preso Broca cuidava dos materiais da marcenaria e como responsável pela chave dos armários não teve dúvidas: na hora da liberdade, abriu-os e retirou as duas ladas de cola de marceneiro. Uma delas negociou com os amigos para que vendessem pelo pátio. A outra reservou para si.

Cheirou adoidado até cair e no delírio imaginou-se como um Ícaro voando por cima dos muros da prisão, rumo a tão sonhada liberdade. Doidão, subiu no segundo andar do prédio da penitenciária e jogou-se batendo os braços tal como um albatroz plainando no céu. Mas não deu outra: espatifou-se no chão calçado com paralelepípedos.

Scan (4)
Voo doido

Embora o baque fosse terrível, o infeliz não morreu. Inconsciente, foi carregado para a enfermaria por ordem do chefe da rebelião, um cara apelidado de Polaco.

Na enfermaria estava o Carvão, um preso metido a enfermeiro, médico e até, dentista, isto é, era um substituto raro, um ‘quebra galhos’ para qualquer emergência. Sua primeira providência foi mandar chamar o enfermeiro de plantão que estava amarrado lá na frente.

Como a chefia da rebelião – o Polaco – não concordou, teve que se virar sozinho. Improvisou algumas talas, já que o infeliz tinha caído de pé e estava com os membros inferiores estraçalhados. Tinha fraturas nas duas pernas e nos braços, sangrava pela boca, ouvidos e nariz.

Sua boca também estava travada e com o ventre aberto por causa de um ferimento causado pelo estoque que carregava na cintura. Preocupado com seu estado, o Carvão lembrou-se que o médico estaria de plantão atendendo a Penitenciária Feminina, que não estava em rebelião e ficava na frente do prédio dos homens.

Depois de muita insistência, conseguiu falar com a telefonista interna, ocupada com as negociações entre rebelados e autoridades. – Como estão as fraturas? Perguntou-lhe o médico.

– Aparentemente está todo quebrado, por fora e por dentro, respondeu-lhe o Carvão. O fêmur da perna esquerda, além de moído está exposto. Amarrei tudo com umas talas feitas com pedaços de compensado que achei por aí. Orientado pelo doutor, o Carvão terminou sua obra prima costurando todas as partes abertas dos ferimentos, aplicou-lhe uma injeção de benzetacil e outra, anti-hemorrágica.

Salvou a vida

Com estas providências, salvou a vida do infeliz. Exausto, puxou uma cadeira para o lado do colega inconsciente, preparou um baseado e finalmente teve a tranquilidade de dar as primeiras baforadas do dia. Olhou o rosto sofrido do infeliz e viu que ele arfava penosamente.

Aí teve a ideia estratégica de lançar sobre as narinas do Ícaro fracassado, baforadas de fumaça da maldita, porque pensou:

“Se o infeliz tiver que morrer, que pelo menos morra feliz.”

Desconstrução da pintura O Grito do Ipiranga de Pedro Américo

Por Maria Marlene Redkva Wanke (apresentação no livroO Grito do Ipiranga Segundo Pedro Américo– Sou do tempo que nas escolas existia uma professora de canto e ensaiávamos todos os hinos possíveis sob o estridente som do velho piano. Toda manhã a bandeira nacional era hasteada e em posição solene e respeitosa entoávamos o hino nacional.

Por ocasião do aniversário da independência éramos obrigadas pela escola a pedir a nossa mãe e para engomar a túnica branca que servia de uniforme e eu mesma tinha que passar alvaiada no tênis que naqueles tempos só eram usados nas aulas de educação física. Então desfilávamos garbosas na principal avenida da cidade.

No começo, nem entendíamos aquele contato com as festas da independência e marcava muito a longa espera nas ruas laterais da avenida aguardando a nossa hora de marchar diante do palanque das autoridades. Como participante, minha preocupação era não errar o passo.

O efeito do quadro “Independência ou Morte

No início do segundo ano da minha vida escolar fomos conduzidas para nossa nova sala de aulas e a primeira coisa que vi foi uma grande gravura do quadro “Independência ou Morte” fixada na parede ao lado do crucifixo.

Como naquele primeiro ano não nos explicaram o significado daquela imagem, nos momentos de desconcentração eu ficava olhando aquela gravura imaginando ser uma cena tirada dos livros de contos de fada, com um príncipe ao centro incentivando os soldados a salvar uma suposta princesa num castelo qualquer.

Com o tempo fui me dando conta do real significado da gravura. Mas a desconstrução daquela imagem de criança levou mais tempo que a própria pintura feita pelo artista.

No colegial, soube daquela história da dor de barriga do príncipe, o que de certa maneira embaralhou a minha visão da cena certinha que tinha do quadro famoso.

 

Ora, se o príncipe estava com esse mal estar não poderia exibir toda aquela exuberância contida na sua imagem épica. Depois aprendi que num passe de mágica, Pedro Américo tinha transformado burros e mulas em exuberantes cavalos.

Talvez minha principal decepção a respeito foi, quando já na faculdade, descobri que existem três relatos de testemunhas oculares do episódio do “grito” que os autores dos livros didáticos da época ignoraram.

Esses compêndios de história eram fantasiosos e baseados sempre no relato pictórico do pintor.
Ora, que educação é essa que privilegia a fantasia em relação a uma ação documentada descrita por pessoas que viram o episódio?

 

Mas foi no dia a dia de professora de história que aprendi muito com o questionamento da criançada. Vendo atentamente a gravura, estranhavam, por exemplo, que aqueles soldados da comitiva estivessem de uniformes limpos – aparentando terem saídos do alfaiate – depois de uma penosa viagem na poeira de uma estrada rústica. Queriam saber porque esses mesmos soldados não portavam armas de fogo, exibindo suas espadas desembainhadas para o céu. E aquele gaiato que erguia seu guarda chuva em vez de uma espada? Ora, o céu estava limpo sem indicação de chuvas.

A dúvida mais interessante surgiu de um pré adolescente, e portanto, com imagem do quadro já fixada na sua memória.

Queria saber se “o cara” que tinha pintado a cena fazia parte da comitiva do príncipe. Por que? Ora, ela sabia todos os detalhes numa época que ainda não existia a fotografia.

Todas as respostas são óbvias, isto é, que o quadro poderia se chamar, tal como este livro, de “O Grito do Ipiranga segundo Pedro Américo”. Toda esta abordagem contida no quadro saiu da cabeça do pintor, mais de 60 anos depois do ato, e só.

Esta história permite uma reflexão sobre a qualidade das informações que o professor repassa a seus alunos.

 

Numa ponta está a dificuldade de absorção das informações e sua fixação na memória dos estudantes. Na outra, para um bom professor, existe o perigo do conteúdo acabar num exagero – ou auto sugestão – que o aluno possa  deformar um a informação.

Passando por cima dos delírios, o quadro não deixa de ser uma lembrança inestimável. É como a imagem dos santos: estão ali para lembrar sua presença.

Nenhum país pode exibir um quadro de um ato que supostamente divide sua soberania: antes, uma colônia e depois, um país livre.

Sempre acreditei e preguei para meus alunos que a independência política só é completa para cidadãos com cidadania plena, gozando das liberdades e respeitando as leis do país soberano. Deve sempre estar acompanhada da justiça social, econômica e cultural de seus cidadões.

Nada mau para quem começou esta história como num conto de fadas.

 

(Marlene é esp

 

 

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O dia que cruzei com Deus

'Acredito no poder da oração por meio da ação'
‘Acredito no poder da oração por meio da ação’

Por Luiz Ernesto Wanke –

Que gelo!

Era um dia tremendamente frio, com um ventinho gelado, daqueles de congelar o dedão do pé. As gotículas de umidade dançavam em minha frente num balé desorganizado. Mas eu não estava nem aí para o tempo, bem instalado, dentro do carro ainda quentinho, esperando a cara-metade sair do seu trabalho na escola.

A rua estava deserta, mas não por muito tempo. Lá no fundão começou a se formar a imagem de uns vultos ao lado de um carrinho e que logo deu para identificar uma criança zanzando em torno do rude veículo puxado a muque, carregado de restos de lixo. Como não tinha nada para pensar, fiquei refletindo sobre a vida dura daquelas pessoas, trabalhando tanto nestas condições, possivelmente só para poder comer alguma coisa.

Mais perto, pode distinguir melhor aqueles vultos: o adulto puxava a carrinho, sua mulher, passivamente mais atrás e o garotinho espantando o frio, correndo, brincando, atirando pedras em direção a um cachorro sarnento, atravessando a rua e subindo pelos barrancos. Eu, diante de uma escola, fiquei matutando se aquela criança teria o direito de aprender como qualquer aluno ou teria um futuro tão cruel como de seus pais. O que estaria reservado para seu futuro: ser um trabalhador do bem ou virar um marginal?

Mais perto, vi que o garoto estava com uma camisa ruída, tipo social, maior que seu dorso, fazendo com que um dos lados ficasse a descoberto… Naquele frio? Meio peito estava exposto, provavelmente pela falta de botões.

De repente, pensei que podia ajudá-lo.

Pai de quatro filhos homens, em diversos estágios de idade, tinha em casa camisas sobrando e de vários tamanhos. E mais, o guarda-roupa estava entulhado de peças boas com finalidade de atender as gerações mais novas.  Mas o detalhe é que os destinados às odiavam e não queriam saber dos sinistros planos dos seus pais.

Como professor, fiquei matutando o que eu mesmo dizia para meus alunos, ou seja, que acredito na oração através da ação.

Não acho de nenhum valor quando alguém entrega como doação os entulhos que estão entupindo a casa. Para que um bem dado tenha valor como oração, deve custar algum sacrifício para o autor. Exemplificava que é fácil se desfazer de uma camisa rota que não se usa mais… O difícil é entregar aquela camisa preferida, domingueira, que ao doá-la, seu coração vai junto.

Enquanto meditava, a família passou.

Caí na realidade. Pensei: puxa, não tenho nenhuma aqui! Não poderia ir até em casa, – muito longe – só para pegar uma camisa… E não sabia onde eles moravam! Definitivamente, não dava…

Quando olhei pelo retrovisor, tinham desaparecidos.

Paciência!

Immagine
Só mais tarde percebi que Deus tinha passado por mim, estendido sua mão e eu, covardemente, fingi que não O vi…