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Nada é eternamente

Por Luiz Ernesto Wanke – Festejando uma folga repentina no meio de uma aula chata de Física, os alunos desceram as escadas do seminário numa algazarra desconcertante. Lá atrás da fila – como tocando uma boiada – seguia distraído o professor Mário. Por inércia, não sai de seus pensamentos um impasse surgido diante de um problemão de circuitos elétricos que estava resolvendo no quadro negro quando as atividades foram interrompidas. Não é que tinha aparecido uma resistência nula no meio daquele emaranhado de números, gráficos e rabiscos? Refletiu que, felizmente para ele, se tivesse cometido algum erro no exercício só ele sabia e, portanto, seria um segredo eterno dele mesmo.

Quando chegaram ao jardim – na verdade o estacionamento – tiveram que andar mais um pouco para encontrar com o resto dos alunos das outras classes. Os jovens rodeavam o canteiro que tinha sido preparado pelo irmão Jonas e onde deveriam plantar uma muda de árvore. No centro, o padre diretor empunhava a plantinha envolvida num saquinho preto de plástico e discorria sobre a importância do dia da árvore. Nenhuma novidade para o professor que todo o ano tinha que ouvir as mesmas balelas em solenidades semelhantes nos diversos colégios que lecionava. Por isto conseguiu fechar os ouvidos para os arroubos ecológicos do diretor e se fixou no impasse causado por aquela maldita resistência. Mesmo porque, lembrou-se, durante toda a vida de professor nunca tinha visto vicejar uma dessas solenes plantas. Até sorriu com os cantos dos lábios ao se recordar da última, acontecida num ginásio estadual (o Kennedy, hoje posso revelar), quando foi plantada uma araucária debaixo da fiação elétrica.

O professor parou nas divagações quando ouvia a voz do padre num tom mais imponente:

– Esta é uma legítima descendente das árvores que testemunharam o calvário de Cristo!  Anunciou aos altos brados o padre mestre, levantando a plantinha ao nível dos olhos da garotada.

Apesar de toda a má vontade, causada principalmente pelo seu erro no problema de circuitos elétricos, o professor não tinha como desconsiderar o efeito explosivo da declaração que despertou todos… Até a maldita resistência perdeu sua importância.

O diretor continuou:

– Na minha última viagem à Terra Santa, visitei o caminho de Nosso Senhor dos Passos e reparei que ao longo da estrada e em baixo dos cedros havia sementes espalhadas no chão. Guardei algumas e depois que voltei, plantei-as. Três germinaram e esta é uma delas! Nada mais adequado para nosso seminário que ter nos seus jardins uma árvore cujos antepassados testemunharam a Paixão de Cristo!

Que relato! Uma solenidade banal, mas com valor agregado?

E tanto deu certo que os alunos fizeram fila para ver a frágil plantinha. No final, todos ficaram felizes, mesmo porque o sinal de fim de aula bateu e o professor mentalmente resolveu sua dúvida, desconsiderando sabiamente aquela resistência ridícula.

Com o passar dos anos a planta cresceu. O professor, orgulhoso de ser uma testemunha original, olhava-a de longe. Porque sua importância caiu no esquecimento geral dos presentes daquele ato longínquo e só os dois – o professor e a planta – tinham sobrevivido da renovação dos ciclos escolares. Os alunos há muito tinham partido e o próprio diretor tinha morrido ao cair de um andaime na inspeção da construção do anexo do seminário.

Imerso nessas lembranças nostálgicas, certo dia o professor estacionou o carro à sombra do cedro. Estava atrasado para as aulas, mas por um instante ficou ali parado, pensando saudoso naquele ato e, principalmente, no diretor ausente. Seria justo plagiar seu ato colhendo algumas sementes daquela árvore, plantá-las e tal como ele fizera e ainda ser possuidor de mudas históricas? Abaixou seus olhos e no chão viu esparramada grande quantidade de bagos secos de vagens…

Vagens? Como vagens? Protestou mentalmente! Ora, vagens são de leguminosas! Que diabo! Não fazia sentido para um cedro descente.

Correu avisar seus alunos que a aula ia atrasar e, desesperado, correu atrás de uma explicação. Mas nem o pessoal da secretaria, nem colegas, conhecia a história. Muito menos, um cedro do Líbano! Enfim, com muito custo um dos padres o remeteu ao irmão Afonso, mas nem ele tinha certeza que era um remanescente daquele tempo. Mas pura decepção, o irmão nada sabia… Que fazer?

Algum tempo depois, o mesmo irmão interrompeu uma aula sua:

– É sobre aquela planta que o senhor me perguntou. Falei com o irmão Jonas por telefone e não é que ele se lembrou?

– O cedro?

– Pois não era para ser a árvore de Jesus?

– Essa mesmo!

O professor contorceu-se de curiosidade.

– Muito simples, respondeu o irmão. Aquela plantinha morreu na primeira geada… Essas plantas vindas do estrangeiro não aguentam nosso frio. Aí o diretor – Deus o tenha – mandou que plantasse outra no seu lugar.

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